exit! Crise e Crítica da Sociedade das Mercadorias, nº 21

 

Índice e Editorial

 

( Sai em Abril de 2024, na zu Klampen Verlag. 22 euros (ISBN 9783987370182) ou assinatura)

 

 

Índice

Tomasz Konicz: A crise da hegemonia. Perante o esgotamento dos mecanismos de adiamento da crise neoliberal, tanto nos centros como na periferia – pode a esfera financeira constituir ainda uma forma estável de reprodução do sistema mundial capitalista tardio na crise sócio-ecológica manifesta?

Leni Wissen: Propensão masculina para a violência e o amoque no contexto do agravamento da dinâmica da crise capitalista

Roswitha Scholz: Alienação hoje – Uma crítica das concepções de alienação de Rahel Jaeggi e Hartmut Rosa da perspetiva crítica da dissociação e do valor

Herbert Böttcher: A religião como âncora de salvação na crise?

Robert Kurz: Tabula Rasa – Até onde é desejável, obrigatório ou lícito que vá a crítica ao iluminismo?

Thomas Meyer: Tabula Rasa da tecnologia moderna? – Adenda e suplemento a 'Artefactos da História' e 'Muro Energético do Capital'

Thomas Ebermann: A ignorância é indivisível – O Estado alemão cumpriu o seu papel como organizador da acumulação de capital mesmo durante a pandemia

Roswitha Scholz: Uma metateoria das teorias da conspiração? – Réplica às reflexões de Sandrine Aumercier sobre o debate em torno do coronavírus – na exit!

Thomas Meyer: Crise, distúrbios e que mais? – Sobre o livro Riot, Strike, Riot – The New Era of Uprisings de Joshua Clover

 

Editorial

A dinâmica global e destrutiva do desenvolvimento da crise e as conexas reacções e contra-reacções políticas estão a acelerar a transformação da democracia: as frequentemente invocadas "linhas vermelhas" contra o autoritarismo e o extremismo de direita não o foram nem o são. O termo "linha vermelha" não passa de uma referência a um "ainda não". A extrema-direita organizada, agora muitas vezes ancorada num parlamento democrático, antecipa o que os democratas burgueses tendem a fazer inconscientemente, e também o que serão capazes de fazer para tentar restaurar a "lei e a ordem", no estado de excepção económica e política que o chamado estado normal já contém. O véu da civilidade burguesa cai assim que o rublo deixa de rolar ou mesmo quando apenas se teme o declínio económico. Por isso não é de estranhar que os partidos de direita obtenham repetidamente êxitos eleitorais, como recentemente Geert Wilders nos Países Baixos ou o Partido Libertario com o 'anarco-capitalista'1 Javier Milei à frente na Argentina.

O debate sobre as causas da fuga2 e a forma de as combater desapareceu. Tal como as obrigatórias lágrimas de crocodilo. Em vez disso abriu-se uma competição aberta para ver quem é o melhor na rejeição dos refugiados. Até ao planeamento de uma 'remigração', em cuja elaboração participaram neonazis e conservadores de direita. As reacções a este relatório3 foram como era de esperar falsas. Não foi Olaf Scholz que exigiu na Spiegel que "temos finalmente de deportar em grande escala"? Assim a 'Fortaleza Europa' leva à miséria ou à morte das pessoas em fuga e não evidentemente à redução do seu número. Pelo contrário! Devido às alterações climáticas socialmente induzidas, à destruição dos recursos naturais, à desintegração política e económica e às dramáticas emergências sociais, o seu número está a aumentar consideravelmente, sobretudo nas regiões particularmente afectadas, como o Sudão. Pretende-se tratar os refugiados de forma ainda mais desumana, para que deixem de ter qualquer 'incentivo' a procurar refúgio na Europa e portanto também na Alemanha. O que antes só era dito pelos nazis e provocava um aparente escândalo tornou-se agora a normalidade. O antigo ministro da Saúde e darwinista social4 Jens Spahn, por exemplo, quer usar a "violência física" contra os refugiados, nas suas palavras "movimentos migratórios irregulares". Spahn foi esporadicamente criticado. Mas até que ponto é credível esta crítica? Mesmo quando se recorda, uma vez mais, que a Alemanha é um Estado de direito. Isto ignora o facto de a actual rejeição dos refugiados ter sido iniciada e estar a ser levada a cabo no âmbito deste Estado de direito. Outro exemplo proeminente de brutalidade burguesa é o antigo Presidente Federal, Joachim Gauck:5 "Temos de descobrir margens de manobra que à partida (!) não nos são simpáticas porque parecem desumanas (!)". Não é "de todo moralmente condenável […], sendo até politicamente necessário, seguir uma estratégia de limitação que à partida (!) [...] parece uma restrição dos direitos (!) das pessoas que querem vir até nós". Isto lembra inevitavelmente a “crueldade bem temperada” contra os refugiados reivindicada pelo fascista Björn Höcke.6 É precisamente aqui que os democratas acabarão por ir parar, assim que o 'primeiro' tiver passado e a próxima viragem à direita se tiver tornado o 'novo normal' do 'centro' burguês. Por muito que se descreva o resultado como 'constitucional' e se imagine que existem quaisquer 'linhas vermelhas' que possam tornar possível uma distinção substantiva entre 'direita' e 'centro burguês'. Como é que essa distinção poderia ser possível, se se adoptam ponto por ponto as posições dos extremistas de direita, e nem sequer se pensa em levantar uma objecção a este desprezo pela humanidade e a estas atrocidades realmente existentes a partir de uma atitude humanista? Gauck é também a favor da imigração de trabalhadores qualificados, ou seja, de pessoas que podem participar no processo de valorização do capital, isto é, (ainda) capazes de ser exploradas. O que 'nós' não queremos, pelo contrário, é a imigração para o Estado 'social'. O habitual darwinismo social liberal! Isto também se manifesta numa interpretação racista e nacionalista dos desequilíbrios sociais, das condições desastrosas do sistema hospitalar, do aumento dos custos no sector da saúde e do Estado social, que são atribuídos aos refugiados. Friedrich Merz escandalizou-se, no jargão populista de direita, com o facto de os "cidadãos alemães" alegadamente "não conseguirem arranjar uma consulta" devido ao (suposto) recurso dos refugiados aos cuidados dentários (eles "refazem os dentes"). Esta agitação racista não tem provavelmente outro objectivo senão o de negar aos refugiados os cuidados médicos, ou de os restringir (ainda mais), para alegadamente melhorar os cuidados médicos dos "cidadãos alemães". Uma vez que as poupanças e a racionalização do sistema de saúde estão agora e repetidamente 'na ordem do dia', Merz está a instigar uma atmosfera de pogrom com tais declarações racistas (por mais que ele e os da sua laia tentem tentem desculpar-se por via da autominimização): Esta agitação racista vai desembocar na prática do darwinismo social e do pogrom, se a crise continuar a agravar-se e a ser 'trabalhada' – basta recordar o início dos anos 90 (Rostock-Lichtenhagen, Solingen, Hoyerswerda, etc.)! O caminho que o brutalizado burguês normalizado ou a brutalizada burguesa normalizada estão a seguir ou irão seguir não é o da crítica social, e muito menos o da crítica da economia política, mas o das ideologias da conspiração, como a de que os 'estrangeiros' ou os 'judeus' são os culpados pelas crises socialmente produzidas, ou seja, é o caminho do racismo e do anti-semitismo. Pouco antes do Natal circulou um boato de que havia um aumento de roubos em supermercados, especialmente nas proximidades de alojamentos de refugiados...

E Gauck continua: "Para mim é importante que os políticos nos falem sobre o que é possível, sobre o que é necessário, e depois também podem mencionar um dilema, de que falemos sobre isso no centro da sociedade e não apenas na extrema direita. E ao fazer isso cresce a confiança de que há pessoas lá em cima que estão a planear algo que irá mudar esta complexa situação para melhor [...]". O que é possível e o que é necessário! O que é 'possível' é determinado pelos limites do capital, dentro dos quais a liberdade & igualdade devem ser realizadas. O 'necessário' resulta da submissão aos 'constrangimentos' políticos e económicos, e do esforço para continuar a bem ou a mal o insustentável e anacrónico, isto é, uma normalidade burguesa e uma realidade capitalista em funcionamento, ignorando ou exteriorizando projectivamente todas as contradições. No quadro desta 'lógica' deverá então tornar-se necessário tomar medidas que não só "soam desumanas", mas que são desumanas. No fim de contas é o arame farpado e as ordens de fuzilamento que se diz serem necessários e que já estão a ser praticados nas fronteiras externas da UE. Que tipo de representante de uma intelectualidade lumpen burguesa7 é preciso ser para acreditar que uma política de direita tão forçada, que é aqui exigida e que não se quer deixar aos extremistas de direita, irá "mudar a complexa situação para melhor"? Uma mudança para melhor para quem? Para o filisteu burguês que já não quer ser confrontado com o mundo "lá fora" nem ser "incomodado" por ele e quer isolar-se no seu mundo tacanho e ignorante? Para que tudo volte a ser tão 'bom' como supostamente foi 'no passado'? Mas as alterações climáticas provam que uma pessoa, por mais que enfie a cabeça no cu, mais cedo ou mais tarde é apanhada pela realidade recalcada e negada...8

Se os refugiados não se afogarem no Mediterrâneo nem morrerem no deserto, então o burguês 'realista' esforçar-se-á por se livrar o mais rapidamente possível do maior número deles possível, incluindo daqueles que aprenderam a língua (que possivelmente dominam melhor do que alguns dos idiotas nacionais) e que trabalham regularmente, por exemplo como prestadores de cuidados, estando portanto bem 'integrados' segundo os padrões democráticos. Cada vez mais pessoas estão a ser deportadas para países que estão a ser redefinidos como 'seguros', como o Afeganistão. Ou o Iraque, outro país de origem 'seguro', para o qual os Yazidis devem ser deportados, ou seja, para o país onde foi cometido um genocídio contra os Yazidis pelos terroristas do EI!9 O discurso forçado de 'países de origem seguros' não é outra coisa senão um "instrumento de privação de direitos" dos refugiados, como diz Clara Bünger, a porta-voz para a política de refugiados do Partido da Esquerda. A situação dos refugiados queer, em particular, pode ser vista como um "espelho da viragem à direita".10 Viragem à direita continua a ser um eufemismo: trata-se cada vez mais de uma viragem à direita da normalidade burguesa, do chamado 'centro': está a revelar-se a 'verdadeira face' da sociedade burguesa aparentemente cultivada e civilizada com a inequívoca brutalização e a desinibida "desculturalização da burguesia" (Andreas Speit), sendo que ambas se constituíram nesta mesma sociedade e foram negadas e minimizadas durante muitos anos.

Os direitos humanos, que as pessoas gostam de invocar repetidamente (especialmente quando acusam os outros de violar os direitos humanos), só atrapalham quando se trata de ter de fazer o que é suposto ser necessário. O melhor seria abolir completamente o direito de asilo! Afinal de contas, trata-se de "regras do século XX [...] que não se adaptam aos desafios do século XXI", disse o 'social'-democrata Sigmar Gabriel numa entrevista.11 Na novilíngua imperial ocidental chama-se a isto 'assumir a responsabilidade'. De acordo com o Ministro da Guerra 'social'-democrata Boris Pistorius,12 a Alemanha deve agora também estar "pronta para a guerra"! (Que o militarismo alemão está a ser procurado como o 'novo normal' é o que mostra também o facto de o governo federal querer introduzir o chamado Dia dos Veteranos). Assim, quando mais cedo ou mais tarde chegar a altura de o fazer, haverá certamente um número suficiente de capangas que aceitarão de bom grado e corajosamente o desafio e, em seguida – como cães de caça – implementarão o chamado necessário, mesmo que isso implique o recurso às forças armadas. Afinal de contas, o segredo da 'liberdade' é a coragem, como podemos aprender com Ulf Poschardt (quando se regozijou com a vitória eleitoral de Milei) – e esta não é outra coisa senão a coragem da brutalização e do darwinismo social. Os demagogos de direita, como Javier Milei, para quem "não há lugar para o gradualismo, nem para a indecisão, nem para meias medidas" (Berliner Zeitung, 20.11.2023), cumprem-no de bom grado. Os planos de Milei (abolição de todos os programas sociais, abolição de numerosos ministérios, liberalização do comércio de órgãos (!) etc.) não conduziriam a outra coisa senão a uma política de austeridade brutal, em última análise a uma guerra contra os pobres, os sem-abrigo, os economicamente desfavorecidos e os 'supérfluos'.

Desde o massacre anti-semita de 7 de outubro em Israel,13 em que mais de 1200 judeus14 foram massacrados (ou seja violados,15 decapitados, queimados, fuzilados) e pelo menos 240 raptados, e as numerosas manifestações anti-semitas 'pró-Palestina' que se seguiram, nas quais os manifestantes se colocaram ao lado dos terroristas do Hamas, festejando mesmo este massacre (e distribuindo rebuçados em Berlim) e glorificando-o como 'resistência legítima', como 'luta de libertação', fala-se (de novo) na Alemanha de anti-semitismo importado. Agora pretende-se deportar pessoas de forma ainda mais consistente para fazer face a este problema. Está a ser exigida uma "ofensiva de deportação" (Alice Weidel). O anti-semitismo, portanto, é suposto ser combatido com uma maior rejeição dos refugiados, ou seja, com racismo! A expatriação também está a ser considerada! Por exemplo, o populista de direita bávaro Markus Söder apelou à retirada dos passaportes alemães em caso de dupla nacionalidade (Augsburger Allgemeine, 06.11.2023). Os populistas de direita gostam de se indignar com o anti-semitismo, desde que este seja perpetrado por 'estrangeiros' ou muçulmanos (a situação é semelhante com o anti-feminismo, os crimes de ódio misóginos etc.). Os anti-semitas nacionais, pelo contrário, são protegidos e podem até obter ganhos nas eleições.16 Os políticos da AfD também se solidarizam com Israel. A sua 'solidariedade' com Israel é implausível, quanto mais não seja devido à sua simultânea minimização do regime iraniano.17 Aqui a solidariedade com Israel é ostensivamente exercida por razões puramente tácticas (eleitorais). Na realidade não se trata de outra coisa senão de uma agitação racista contra os muçulmanos e da justificação de medidas repressivas contra os refugiados!

Se as pessoas fogem ou emigram de países do Próximo e do Médio Oriente, de países onde o anti-semitismo é uma razão de Estado,18 e se partilham tais ideologias, pode falar-se de uma importação de anti-semitismo. E também este anti-semitismo deve ser radicalmente criticado e combatido sem "ses" nem "mas"! Em caso nenhum deve ser desculpado ou minimizado, com a insinuação de que se trata de uma suposta 'cultura deles' ou de uma suposta consequência do racismo e do colonialismo. O que está a acontecer aqui, no entanto, é uma externalização do anti-semitismo. Ignora-se o facto de o anti-semitismo nunca ter desaparecido da Alemanha, mas ter sempre pertencido à Alemanha,19 pelo que o anti-semitismo na Alemanha não pode de modo nenhum ser um 'problema de estrangeiros importado' (muitas destas pessoas nasceram na Alemanha e/ou cresceram aqui, não sendo portanto de todo 'estrangeiros', e o islamismo foi e é também representado e propagado por 'bio-alemães'). Pelo menos pode dizer-se que o anti-semitismo muçulmano ou islâmico está a ser levado mais a sério pelo discurso público, em vez de ser minimizado, desculpado, mais ou menos ignorado ou mesmo negado, e que o Estado está finalmente (porque não há dez anos?!) a reagir contra essas organizações e associações proibindo-as (o Hamas e o Samidoun foram proibidos em 2 de Novembro). É preciso não esquecer que o reconhecimento e a crítica do anti-semitismo islâmico e islamista (bem como do islamismo em geral) têm sido habitualmente interpretados como 'islamofobia'20 ou como 'distracção' do imperialismo ocidental ou similares pelos seus minimizadores ou negadores académicos e pelos seus agitadores arruaceiros. O facto de tais posições serem defendidas por alegados anti-racistas aponta para os graves défices teóricos do 'anti-racismo' e do 'pós-colonialismo' contemporâneos (pelo menos de grande parte deles).21 As coisas não parecem realmente melhores na 'teoria de género'.22 Infelizmente algumas destas seitas académicas continuam a não querer aprender e revelam-se idiotas úteis do Hamas com a sua ideologia anti-sionista.23 Especialmente nas chamadas universidades de elite dos EUA (elitistas são sobretudo as elevadas propinas), tem de se falar de um fervoroso anti-semitismo em relação a Israel.24 É uma vergonha que aqueles que (querem) defender a liberdade e a justiça e combater a discriminação não consigam mostrar qualquer interesse pelas vítimas do terror anti-semita. Particularmente abomináveis nestas manifestações ditas pró-palestinianas são grupos como o 'Queers for Palestine'. O seu anti-semitismo parece ser tão marcado que se tornaram demasiado cegos mentalmente para se aperceberem de que seriam impiedosamente perseguidos e executados sob o reinado de terror do Hamas. Qualquer pessoa que se manifeste a favor da paz em Gaza deve, antes de mais, exigir a rendição incondicional do Hamas e de todos os outros grupos terroristas que aí operam! O que em vão se procurará nas manifestações que supostamente demonstram solidariedade para com os palestinianos. Tal exigência não exclui a crítica aos populistas ou extremistas de direita israelitas e às suas políticas, nem aos colonos racistas, como muitas vezes se insinua!25

Outros também falam de anti-semitismo de extrema-direita e de extrema-esquerda, dando assim a entender que é mais provável encontrar o anti-semitismo nas chamadas franjas da sociedade (a pseudo-científica 'teoria do extremismo' alemã federal manda cumprimentos26) e que ele não é um problema da sociedade como um todo, nem muito menos um problema do 'centro' da classe média abastada. Pelo contrário: no seu livro Die Sprache der Judenfeindschaft im 21. Jahrhundert [A linguagem da hostilidade aos judeus no século XXI] (Berlim/Boston 2013), Monika Schwarz-Friesel e Jehuda Reinharz analisaram milhares de e-mails/cartas/bilhetes postais/faxes anti-semitas enviados para o Conselho Central dos Judeus e para a Embaixada de Israel na Alemanha e descobriram que a maioria deles provinha de pessoas do 'centro da sociedade' (65%). Apenas cerca de 4% podiam ser classificados como de extrema-direita e 3% como de extrema-esquerda. "Foram académicos, advogados, médicos, empregados bancários, pastores e estudantes que comunicaram declarações onde falava o antigo ressentimento judeofóbico, não interrompido pela experiência de Auschwitz, articulado apesar da educação e da reflexão sobre a linguagem, mensagens de intolerância e cegueira" (ibid., V). E ainda: "As cartas classificadas como de centro social ou político são as que menos são escritas anonimamente. O centro é o menos propenso ou o que menos considera necessário manter em segredo informações pessoais. Estes autores consideram, portanto, que a sua opinião é publicamente exprimível/representável [...]. Esta constatação corresponde à tematização frequente da sua própria identidade e ao fenómeno da rejeição individual do anti-semitismo; estas pessoas não se vêem a si próprias ou à sua opinião como anti-semitas ou problemáticas, vêem o seu ponto de vista como necessário e justificado e garantem-no com o seu nome" (ibid., 23). Aparentemente estas pessoas também pensam que não precisam de temer perseguições nem punições, o que infelizmente é uma avaliação muito correcta, tendo em conta a frequência com que os incidentes anti-semitas não são levados a sério pela polícia e pela justiça, de modo que muitos judeus nem sequer os denunciam ou, a dada altura, desistem resignados, sem esperar nada do 'Estado de direito' (experiências semelhantes têm também aqueles que são afectados pelo racismo). Mesmo que seja possível identificar os autores, muitas vezes não se vê que o sistema judicial esteja seriamente interessado em puni-los adequadamente. O ataque incendiário à sinagoga de Wuppertal, em 2014, por exemplo, não teve alegadamente qualquer origem anti-semita reconhecível e os autores safaram-se mesmo com penas suspensas (!). O próprio juiz mostrou compreensão por este tipo de 'crítica a Israel' (cf. Steinke 2020, 83ss.). O anti-semitismo perfeitamente normal de pessoas perfeitamente normais! Portanto o julgamento de que o anti-semitismo entre os migrantes (sempre significando muçulmanos nestes debates), ou entre os alemães com um 'fundo de migração', expressa uma 'falta de integração' parece completamente sem sentido. Não será antes o contrário, pelo menos em parte? Basta pensar, por exemplo, nas manifestações 'abertas à direita' no coronavírus e na mania da conspiração que aí grassava, ou nas anti-semitas 'vigílias pela paz' em 2014.27

O imperativo categórico de Marx de "mandar abaixo todas as relações em que o ser humano é um ser humilhado, escravizado, abandonado, desprezível" (in: MEW 1, 385, ênfase no original) deverá ser o consenso mínimo central da esquerda, se a 'esquerda' quiser ter algum significado! E por quem são os palestinianos mais escravizados do que pela seita terrorista anti-semita Hamas?28 É um enorme descaramento e monstruosidade descrever o massacre de judeus como "esperança para a Palestina" (Junge Welt de 9.10.2023). O mesmo autor relata que no pogrom anti-semita (planeado desde há muito tempo e de forma sistemática) de 7 de outubro (que evidentemente não descreve como tal) envolveu também ao lado do Hamas organizações alegadamente de 'esquerda', nomeadamente a PFLP (Frente Popular para a Libertação da Palestina) e a DFLP (Frente Democrática para a Libertação da Palestina). Dieter Reinisch não pode deixar de se regozijar quando afirma: "A actividade militar da DFLP, que não realizara nenhuma acção armada nos territórios israelitas nas últimas décadas desde 1948, é notável" (Junge Welt, 7.11.2023). Então é notável quando uma organização supostamente marxista participa num massacre anti-semita! Estes fósseis 'anti-imperialistas', completamente anacrónicos e odiosos, não são mais de esquerda ou marxistas do que Lavrenti Beria era um grande humanista! No entanto, segundo Reinisch, "a esquerda marxista de Gaza, da Cisjordânia e do Líbano não perdeu obviamente a fé num futuro socialista" (ibid.). Em que consiste esse futuro socialista? Se olharmos para a 'biografia' destas seitas terroristas anti-esquerda, o seu 'principal campo de actividade' é o terrorismo contra Israel. Aqui desempenha um papel central um anti-semitismo libertador, quando a destruição de Israel é vista como um pré-requisito para o 'socialismo', porque "só através da vitória armada da resistência contra a ocupação29 pode ser colocada a pedra basilar para a continuação da luta por uma Palestina socialista" (ibid.), diz Reinisch citando um partidário da DFLP. Através do terror anti-semita para o futuro socialista! Sim, "vergonha e desonra para aquele que semeia a hostilidade contra os judeus, o ódio contra as outras nações" (Lenine)!30 Vergonha e desonra para vós, pseudo-esquerdistas, que conseguis 'compreender' o massacre de judeus e não conseguis dizer uma palavra sobre o carácter anti-semita da seita terrorista Hamas e dos seus aliados! O que pensar de alguém que afirma com toda a seriedade que os ataques a casas de refugiados ou o assassínio de pessoas com 'antecedentes de imigração' são 'resistência legítima' do povo alemão? Qualquer pessoa no seu perfeito juízo chamaria – sem qualquer dúvida – a esse indivíduo um idiota racista, e muitos antifascistas sentiriam provavelmente pouca pena se ele levasse um murro na tromba. No entanto, quando os judeus são chacinados por terroristas, alguns 'esquerdistas' têm padrões completamente diferentes! Que também se pode proceder de outra maneira é o que mostra a Rote Hilfe, por exemplo.31

A minimização e a ignorância do anti-semitismo por parte dos chamados 'esquerdistas' e outros não é de modo nenhum a única área temática que uma esquerda digna desse nome é obrigada a denunciar impiedosamente sem "ses" nem "mas"! Outras32 são a 'preferência' pelas tradições locais e pela identidade e autenticidade a elas ligadas: Esoterismo e 'idílio de aldeia', bem como rejeição generalizada da tecnologia e do desenvolvimento ou, inversamente, afirmação generalizada dos mesmos, como se pode encontrar particularmente na ideologia misantrópica e social-darwinista do transhumanismo, ou entre os evangelistas da tecnologia e os estalinistas do desenvolvimento. Do mesmo modo, uma posição acrítica em relação aos 'deslocamentos da hegemonia' globais, em particular uma atitude generalizadora (negativa/positiva) em relação à China: tanto uma crítica do eurocentrismo, do 'bater na China', duma visão selectiva e distorcida ou ignorante da China,33 duma instrumentalização dos direitos humanos para interesses económicos e geopolíticos (i.e. a famosa 'avaliação com dois pesos e duas medidas', ou o 'criticar aos outros o que o próprio faz' etc.), como uma crítica da paranóia e da propaganda ('o perigo amarelo') e do racismo anti-chinês/anti-asiático34 são completamente justificadas e absolutamente necessárias, por muito problemático que seja se a República Popular da China, capitalismo de Estado autoritário, for vista com toda a seriedade como uma alternativa 'não-capitalista/socialista' aos regimes neoliberais de administração da crise do Ocidente.35 Wolfram Elsner, por exemplo – por muito informativos que os seus livros também possam ser – não menciona os aspectos repressivos do "socialismo ao estilo chinês" (Xi Jingping), ou estes são minimizados (supostamente tudo é mais ou menos propaganda ocidental). Elsner e outros jornalistas de esquerda sobre a China (Michael Brie, Uwe Behrens e outros) por vezes parecem porta-vozes do PCC quando se entusiasmam com a China moderna. Ralf Ruckus mostra que há outro caminho no seu livro Die Linke in China [A esquerda na China] (Berlim 2023). O facto de os esforços hegemónicos da China poderem muito bem ser classificados como imperialistas (ainda que o conceito de imperialismo seja discutível)36 é ignorado pelo clube de fãs de esquerda da China, mesmo que a República Popular da China deva ser creditada por não ter liquidado nenhum governo desagradável nem invadido nenhum país (pelo menos até agora) – em contraste com o imperialismo de estilo ocidental. A China não é, portanto, nem o "Condado" nem "Mordor".37

Já se passaram 20 anos desde a primeira edição da exit! A necessidade e a importância de uma crítica radical do capitalismo continuam a ser óbvias; uma crítica do capitalismo que não se satisfaz com o facto de já ter compreendido o que é decisivo na 'classe' ou na 'desigualdade' (especialmente no sentido do rendimento). Pelo contrário! Tendo em conta o facto de que sectores significativos da esquerda estão a tornar-se cada vez mais populistas e retrógrados, na melhor das hipóteses, a regredir para um 'normal' de classe operária e, na pior, a mostrar solidariedade com os assassinos de judeus como parte do pântano anti-semita, é necessária uma crítica fundamental do capitalismo, que não seja apenas 'especializada' em certos tópicos, como crítica do trabalho, crítica do anti-semitismo e do racismo, crítica da democracia burguesa e da liberdade burguesa, do androcentrismo etc, mas é mais necessária do que nunca uma crítica da forma da dissociação e do valor como um todo, uma crítica da constituição do fetiche capitalista e dos seus múltiplos contextos e formas. Como é habitual nesta altura, pedimos donativos para que a exit! possa continuar a contribuir para a crítica de toda esta porcaria no futuro. A subscrição de uma assinatura também contribui para o apoio.

 

O texto de Tomasz Konicz "A crise da hegemonia. Perante o esgotamento dos mecanismos de adiamento da crise neoliberal, tanto nos centros como na periferia – pode a esfera financeira constituir ainda uma forma estável de reprodução do sistema mundial capitalista tardio na crise sócio-ecológica manifesta?" procura descrever – com enfoque no sistema financeiro mundial – a nova fase de crise em que o sistema mundial capitalista tardio está a entrar após o esgotamento das formas neoliberais de adiamento da crise. A primeira secção analisa as mudanças na esfera financeira dos EUA, incluindo as implicações de longo alcance para a política de crise nos centros ocidentais do sistema mundial, enquanto a segunda secção se centra nos desenvolvimentos na República Popular da China e na periferia e semiperiferia do sistema mundial.

Com o início das dinâmicas inflacionistas nos centros do sistema mundial, os seus bancos centrais viram-se obrigados a pôr termo à política monetária expansiva, que esteve na base da longa bolha de liquidez em que a esfera financeira se encontrava desde a transferência de bolha na sequência do rebentamento da bolha imobiliária transatlântica em 2007-2008. Mas a política monetária restritiva que conseguiu reduzir a inflação também está a desestabilizar a superestrutura financeira que tinha sido inflacionada na era neoliberal, como ficou evidente na crise bancária de Março de 2023. A política de crise nos centros encontra-se assim num impasse manifesto, que foi protelado pelas economias de défice da era neoliberal: A política monetária restritiva conduz à estagnação económica e à desestabilização do sector financeiro, enquanto a política monetária expansionista alimenta a inflação. Assim na próxima fase de crise – como resultado das manobras da política monetária – a estagflação deverá estabelecer-se como condição permanente.

A República Popular da China é vista como parte do sistema capitalista global, que na sua concorrência de crise está exposta aos mesmos processos de crise que o 'Ocidente'. São abordadas as crises económicas e financeiras internas e externas, que o capitalismo de Estado chinês conseguiu retardar durante anos através da intervenção e do dirigismo: a crise da dívida e do imobiliário na China, que assumiu dimensões muito superiores às da bolha imobiliária que rebentou nos EUA e na UE em 2007, bem como a crise da dívida na periferia e semiperiferia do sistema mundial, que eclodiu devido ao fracasso do projeto hegemónico chinês da "Nova Rota da Seda". O projeto de grande escala de Pequim para estabelecer um sistema hegemónico chinês através de um programa de crédito e desenvolvimento falhou, devido à crise global do capital sufocando na sua produtividade.

Com base nestas explicações, o artigo argumenta que o estabelecimento de um novo sistema hegemónico sob a liderança chinesa, que substituiria os EUA em declínio, já não é possível, devido à falta de mecanismos para adiar a crise na fase de crise manifesta que agora se desenrola. Em vez disso existe a ameaça de colapso dos Estados autoritários, de instabilidade geopolítica, em particular na periferia, e de avanço das aspirações fascistas – entendidas como uma forma autoritária e, em última análise, terrorista de dominação capitalista de crise – num sistema mundial que está a passar para a desglobalização.

O artigo de Leni Wissen "Propensão masculina para a violência e o amoque no contexto do agravamento da dinâmica da crise capitalista" baseia-se numa conferência por ela proferida no Fórum Social de Koblenz na Primavera de 2023. O objectivo é analisar os fenómenos (globais) de crescente brutalização e propensão para a violência. Pretende-se mostrar como é precisamente em contextos de crise social que surge uma dinâmica que torna as pessoas cada vez mais dependentes dos processos de crise global, levando-as a defender a sua própria autonomia e liberdade de forma ainda mais feroz face à pressão para se adaptarem. O sujeito (masculino), que se crê livre e autónomo, mas que na realidade se torna cada vez mais impotente, sente-se ainda mais compelido a provar a sua própria liberdade e independência – mesmo recorrendo à violência se necessário. Não é por acaso que os homens são mais frequentemente 'perpetradores' e as mulheres mais frequentemente 'vítimas' da violência.

Na Alemanha, apesar do aumento da violência de motivação racista, sexista e anti-semita, a crescente vontade de usar a violência é mais evidente numa retórica cada vez mais agressiva (por exemplo, entre os pensadores transversais e os ideólogos da conspiração). Nas regiões mais pobres e ainda mais afectadas pela crise, pelo contrário, a violência assume formas cada vez mais evidentes e já há muito que faz parte do quotidiano das pessoas. Os relatos de feminicídios são recorrentes, sobretudo no Brasil, no México, na Índia e na África do Sul. Mas os excessos violentos dos conflitos entre bandos na América Central e as acções brutais do Hamas, que atingiram um clímax temporário no massacre anti-semita de 7 de Outubro, são também provas de uma violência manifesta crescente. No entanto há que ter em conta as diferenças: A criminalidade dos gangues caracteriza-se sobretudo por lutas por mercados ilegais, ao passo que nos feminicídios a violência dos homens irrompe mais ou menos sem qualquer objectivo imediato, ou as mulheres são assassinadas por causa de uma honra ofendida. O anti-semitismo eliminatório, tal como demonstrado nas mais recentes escaladas, é ainda outra questão. E, no entanto, estes fenómenos estão ligados através da dinâmica global da crise e de um processamento da crise de tom masculino, no qual a violência e a propensão para a violência constituem no seu conjunto uma dimensão que não deve ser subestimada.

Alienação & reificação não eram tema na era pós-moderna. A individualização, patrocinada pelo Estado social e mais tarde financiada a crédito, era amplamente discutida e apreciada, como em Ulrich Beck. Esta situação mudou radicalmente nas últimas duas décadas. Chlada et al. resumem: "Um [...] ponto de referência do mais recente discurso da alienação são as experiências individuais de sofrimento que determinam a vida quotidiana de muitas pessoas, causadas pela pobreza, desemprego, condições de vida precárias, planos de vida inseguros, aumento da pressa e da intensificação do trabalho, e pela pressão cada vez maior da concorrência, pela insegurança emocional" (Chlada et al.: Entfremdung Identität Utopie [Alienação Identidade Utopia], 5s.). Na sequência do crash financeiro de 2008, mas sobretudo no contexto da crise climática, da crise do coronavírus, da guerra na Ucrânia e mais recentemente do ressurgimento do conflito no Médio Oriente, espalha-se hoje (de novo) um sentimento de impotência, incapacidade de agir e resignação entre muitos (da esquerda). A sociedade é vivida como um aparelho acabado e pronto a usar, do qual se está 'alienado' e que dificilmente se pode influenciar. Nesta situação, alguns da esquerda voltam-se para as teorias da conspiração e para o pensamento transversal. Depois de uma era de desconstrucionismo, procura-se estabilidade. Neste contexto, Roswitha Scholz, no seu texto "Alienação hoje", analisa criticamente as recentes teorias da alienação de Rahel Jaeggi e Hartmut Rosa, na perspetiva da teoria da dissociação e do valor.

Assolada pela crise "a democracia precisa da religião". Esta proposta terapêutica resulta da teoria da ressonância de Hartmut Rosa, que ele quer ver como "sociologia da relação com o mundo" e pretende ser um desenvolvimento da teoria crítica. Ele interpreta as crises sociais como crises de ressonância. São alimentadas pelo facto de as sociedades modernas se estabilizarem estruturalmente através da compulsão para o crescimento. O que traz consigo relações com o mundo 'mudas' em vez de 'sonantes', ou seja, alienantes e reificantes em vez de ressonantes, numa relação de chamada e resposta. A conversão de relações com o mundo mudas em relações com o mundo ressonantes deve permitir processos de transformação social. Isto aplica-se sobretudo à democracia, uma vez que esta encarna o primado da política sobre as outras esferas da sociedade. E "a democracia precisa da religião" porque ela é um recurso para a experiência da ressonância e, portanto, para os processos de transformação social. Rosa junta-se assim ao apelo à religião que se torna cada vez mais forte na crise.

O texto de Herbert Böttcher torna claro que o conceito de ressonância de Rosa – sobretudo na sua referência a Heidegger – é ontologicamente fundamentado e baseia-se em experiências intemporais de ressonância, bem como em constantes antropológicas. Isto equivale a uma "revolução afirmativa" (Rosa). Não pode nem quer negar a forma capitalista da sociedade, porque teme que isso produza desesperança. Para o seu 'pensamento positivo' Rosa precisa de uma religião afirmativa e dos seus recursos de ressonância, que por sua vez são obtidos através da abstracção dos contextos de dominação. Assim as abordagens teológicas socialmente críticas são ignoradas por serem obviamente demasiado 'negativas' e, por isso, incapazes de ligação. No entanto elas revelam-se adequadas para uma visão social e religiosamente crítica da tentativa de Rosa de 'continuar a desenvolver' uma teoria crítica numa teoria afirmativa.

A reedição do texto de Robert Kurz "Tabula Rasa – Até onde é desejável, obrigatório ou lícito que vá a crítica ao iluminismo?" (primeira publicação em 2003, in: Krisis nº 27) é motivada pela questão da relação entre os chamados "artefactos da história", isto é, as forças produtivas, as tecnologias, mas também a arte e a filosofia etc., e a constituição de fetiche capitalista. Kurz argumenta, sobretudo no que diz respeito às "forças produtivas", que estas não podem ser globalmente positivadas nem abstractamente negadas. Nem o fetichismo das forças produtivas do marxismo do movimento operário, nem o seu contrário: forma e conteúdo não coincidiram aqui. A situação é diferente com a forma de sujeito burguesa, enquanto forma de acção e de consciência do sujeito burguês, e com as suas apologias filosóficas – as de Immanuel Kant, por exemplo. De acordo com Kurz, nada pode ser preservado ou justificado aqui. Neste texto Kurz critica a posição e a atitude de evitar teoricamente a crítica do iluminismo burguês ou de a desarmar e assim a retrair (mesmo que seja devido a mal-entendidos ou a aporias previamente não resolvidas) antes de ela ter sido realmente abordada.

O pano de fundo foi a crítica do iluminismo burguês iniciada pela Krisis na altura e o debate daí resultante. A 'causa' foi sobretudo o 11 de setembro de 2001 e a apologética anti-alemã dos 'valores ocidentais' e das 'guerras de ordenamento mundial' (estas foram as 'operações militares especiais' "Operação Liberdade Duradoura" em 2001 e "Operação Militar dos EUA" em 2003).38

A crítica do eurocentrismo, dos 'valores ocidentais' e da 'democracia burguesa' (cuja lógica intrínseca pode ser observada nas fronteiras externas da Europa e dos EUA) continua a ser necessária, até pelo pano de fundo dos actuais conflitos geopolíticos e proteccionistas, em que o chamado 'Ocidente livre', que se considera sempre 'antitotalitário',39 se julga em absoluta oposição a regimes autoritários de todo o tipo, como a Rússia e a China (embora o próprio 'Ocidente livre' seja cada vez mais autoritário e de direita). Aqui continua a ser preciso insistir nos pontos comuns a todos os regimes capitalistas (independentemente da forma como se autodenominam) – sem ignorar as diferenças na crítica –, ou seja, referir as formas e a (não-)lógica dos modos de produção capitalistas e da forma de sujeito subjacente, bem como a crítica de todas as construções ilusórias de um 'reino do mal' externo (não importa de que lado), que 'desestabiliza' ou mesmo 'infiltra' 'a nossa' sociedade supostamente 'harmoniosa'.

No texto "Tabula Rasa da tecnologia moderna? – Adenda e suplemento a 'Artefactos da História' e 'Muro Energético do Capital'", Thomas Meyer analisa o livro Le mur énergétique du capital: contribution au problème des critères de dépassement du capitalisme du point de vue de la critique des technologies, de Sandrine Aumercier. Esta análise é precedida de alguns aspectos do movimento de valorização fetichista D-M-D', que constituem, por assim dizer, o 'pano de fundo' das considerações que se seguem. O ponto central da crítica de Meyer é a equação que Aumercier faz entre forma e conteúdo da tecnologia moderna desde a industrialização. A sua conclusão é, por assim dizer, uma tabula rasa da tecnologia moderna. O fetichismo das forças produtivas do marxismo do movimento operário é aqui apenas invertido, em vez de ser ultrapassado. Além disso, Meyer critica Aumercier pelo facto de, ao rejeitar a tecnologia moderna em si mesma, limitar a humanidade aos modos de produção locais. Uma vez que esta limitação não é realizável para uma grande parte da humanidade, segundo Meyer esta posição tem, em última análise, consequências assassinas e darwinistas sociais.

O artigo "A ignorância é indivisível – O Estado alemão cumpriu o seu papel como organizador da acumulação de capital mesmo durante a pandemia" de Thomas Ebermann (publicado pela primeira vez em: Konkret n.º 4/2022) é reimpresso com uma pequena nota prévia de Roswitha Scholz. Este artigo resume alguns aspectos importantes dos debates sobre a época do coronavírus.

Roswitha Scholz no seu artigo "Uma metateoria das teorias da conspiração? – Réplica às reflexões de Sandrine Aumercier sobre o debate em torno do coronavírus – na exit!", Roswitha Scholz comenta um artigo de Sandrine Aumercier sobre o editorial da exit! n.º 20. O ponto principal da crítica é o insuficiente reconhecimento do conteúdo do conflito na exit! durante o período do coronavírus e das críticas feitas a Andreas Urban & F. Alexander von Uhnrast e a Anselm Jappe.

Este número da exit! termina com um ensaio-recensão de Thomas Meyer, "Crise, distúrbios e que mais?", sobre o livro Riot, Strike, Riot – The New Era of Uprisings, de Joshua Clover.

Por último, importa referir algumas publicações: Foram publicados em francês: L'Honneur perdu du travail – Le socialisme des producteurs comme impossibilité logique,40 e La Montée aux cieux de l'argent – Limites structurelles à la valorisation du capital, capitalisme de casino et crise financière globale41 de Robert Kurz e também La double nature du racisme – La "race" comme mythe de la société capitaliste en crise,42 de Justin Monday. Em espanhol, uma antologia da obra de Moishe Postone: La teoría crítica de Moishe Postone, publicada por Prometeo Libros (Buenos Aires/Argentina), que contém também um ensaio de Roswitha Scholz: El valor y los "otros" – Correcciones desde la crítica de la disociación del valor a la Teoría de Moishe Postone. Além disso, uma tradução parcial de O Sexo do Capitalismo de Roswitha Scholz em grego: ?? ???? ??? ?????????u?? (que pode ser encontrada em athens.indymedia.org).

Johanna Berger deixou a redacção.

 

Thomas Meyer pela redacção da exit! em Janeiro de 2024.

 

 

1. O termo proprietarismo faz muito mais sentido. Cf. Kemper, Andreas:  Proprietarismus: Eine neue Form von Faschismus? [Proprietarismo: Uma nova forma de fascismo?], in: Graswurzelrevolution Nr. 11/2023.

2. Cf. e.g. Kurz, Robert: A Guerra de Ordenamento Mundial. O Fim da Soberania e as Metamorfoses do Imperialismo na Era da Globalização, online: http://www.obeco-online.org/a_guerra_de_ordenamento_mundial_robert_kurz.pdf, p. 105ss. e Buckel, Sonja; Kopp, Judith: Fluchtursachen – Das Recht nicht gehen zu müssen und die Politik Europas [Causas da fuga – O direito de não ter de partir e a política europeia], Berlin 2022.

3. https://correctiv.org/aktuelles/neue-rechte/2024/01/10/geheimplan-remigration-vertreibung-afd-rechtsextreme-november-treffen/.

4. É preciso não esquecer que Spahn queria distribuir máscaras inutilizáveis aos sem-abrigo e aos beneficiários de Hartz IV em 2021.

5. https://www.zdf.de/nachrichten/politik/gauck-bundespraesident-migration-fluechtlinge-100.html.

6. Cf. Kemper, Andreas: Björn Höcke's fascist flow – The AfD politician's national Machiavellianism [A fluência fascista de Björn Höcke – O maquiavelismo nacionalista do político da AfD], in: Graswurzelrevolution Nr. 9/2018.

7. É preciso lembrar que Gauck é um dos que conseguiram comparar ou mesmo equiparar a ditadura nazi à RDA. Quem o faz está basicamente a afirmar que o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial não podem ter sido assim tão maus. Tal posição não passa de um revisionismo que banaliza os nazis. Cf. Heni, Clemens; Weidauer, Thomas (eds.): Ein Super-GAUck – Politische Kultur im neuen Deutschland [Um super-GAUck Cultura política na nova Alemanha (GAU em alemão: iniciais de “Größter Anzunehmender Unfall”, o maior desastre em cadeia numa instalação nuclear: Nt. Trad.)], Berlim 2012.

8. O filme "Don't look up", de 2022, aborda esta atitude ignorante e o facto de acabar por ser apanhado e esmagado pela realidade. Para uma análise e crítica deste filme, ver a análise cinematográfica de Wolfgang M. Schmitt, https://www.youtube.com/watch?v=qZIZUTYqyLc.. [Em português: https://pt.wikipedia.org/wiki/Don%27t_Look_Up]

9. Winter, Jens: Zurück zu den Völkermördern [Voltar aos genocídios], jungle.world de 26.10.2023.

10. Cf. Bünger, Clara: Die Situation queerer Geflüchteter ist Spiegel des Rechtsrucks [A situação dos refugiados queer é um espelho da viragem à direita], queer.de de 24/11/2023.

11. https://www.rnd.de/politik/sigmar-gabriel-im-interview-er-will-eine-asyl-wende-wie-in-daenemark-WSOBVQIXH5G5TBVPF62KGTVH6E.html.

12. O facto de os 'social'-democratas também contribuírem avidamente para a viragem à direita não é uma coincidência nem uma surpresa, e certamente não se trata de 'casos individuais'. É o que mostra Peter Kratz no seu livro pouco conhecido ou há muito esquecido Rechte Genossen – Neokonservatismus in der SPD [Camaradas de direita – O neoconservadorismo no SPD], Berlim 1995.

13. Cf. Böttcher, Herbert: Com o terror do Hamas desencadeia-se o anti-semitismo em todo o mundo, online: http://www.obeco-online.org/herbert_bottcher30.htm

14. Entre as vítimas também havia israelitas árabes e tailandeses, homens e mulheres.

15. Ver também: Glazer, Hilo: Vergewaltigung und Verstümmelung von Frauen war Auftrag der Hamas-Terroristen [A violação e mutilação de mulheres era a missão dos terroristas do Hamas], freitag.de.

16. Die Causa Aiwanger und der deprimierende Umgang mit Antisemitismus [O caso Aiwanger e o deprimente tratamento do anti-semitismo], belltower.news de 4 de setembro de 2023.

17. Dietl, Stefan: Faschistische Iran-Connection – Im Bundestag betätigt sich die AfD als Lobbyorganisation für das Mullah-Regime [Ligação fascista com o Irão – A AfD actua como organização de lobby para o regime dos mulás no Bundestag], in: Konkret No. 11/2023.

18. Cf. por exemplo: Wistrich, Robert: Muslim Anti-Semitism – A clear and present danger, 2002, https://ajcarchives.org/ajcarchive/FileViewer.aspx?id=13663, Matussek, Carmen: Der Glaube an eine 'jüdische Weltverschwörung': Die Rezeption der 'Protokolle der Weisen von Zion' in der arabischen Welt [A crença numa 'conspiração mundial judaica': A receção dos 'Protocolos dos Sábios de Sião' no mundo árabe], Münster 2012, Küntzel, Matthias: Djihad und Judenhass [Jihad e ódio aos judeus], Freiburg 2003, bem como Jikeli, Günther: Muslimischer Antisemitismus in Europa – Aktuelle Ergebnisse der empirischen Forschung [Anti-semitismo muçulmano na Europa – Resultados actuais da investigação empírica], in: Grimm, Marc; Kahmann, Bodo (Hg.): Antisemitismus im 21. Jahrhundert – Virulenz einer alten Feindschaft in Zeiten von Islamismus und Terror [O anti-semitismo no século XXI – a virulência de uma velha hostilidade em tempos de islamismo e terror], Berlin/Boston 2020, 113-133.

19. Cf. sobre este assunto: Steinke, Ronen: Terror gegen Juden – Wie antisemitische Gewalt erstarkt und der Staat versagt: Eine Anklage [Terror contra os judeus – Como a violência anti-semita está a crescer e o Estado está a falhar: uma acusação], Berlim 2020.

20. Cf. sobre este assunto, por exemplo: Ertugrul, Ali Tonguç: Nicht allein – Wie der Kampfbegriff der "Islamophobie" gesellschaftliche Probleme verschleiert und die vom Islam Bedrohten im Stich lässt [Sozinho não – Como o termo de combate "islamofobia" obscurece os problemas sociais e deixa em apuros os que são ameaçados pelo Islão], in: Vukadinovic, Vojin Sasa (ed.): Freiheit ist keine Metapher – Antisemitismus, Migration, Rassismus, Religionskritik [A liberdade não é uma metáfora – Anti-semitismo, migração, racismo, crítica da religião], Berlin 2018, 273-292.

21. Cf. B.: Elbe, Ingo: "... it's not systemic" – Antisemitismus im akademischen Antirassismus, in: Amelung, Till Randolf (ed.): Irrwege – Analysen aktueller queerer Politik [Caminhos errados – Análises da actual política queer], Berlin 2020, 224-260.

22. Vukadinovic, Vojin Sasa: Das rassistische Bedürfnis – Gender-Theorie, xenophile Projektion, narzisstische Kränkung [A necessidade racista – teoria do género, projecção xenófila, ofensa narcisista], in: Amelung, Till Randolf (ed.): Irrwege – Analysen aktueller queerer Politik [Caminhos errados – Análises da actual política queer], Berlim 2020, 309-349.

23. Martini, Tania: Sobre "Philosophy for Palestine – Mainstream der Avantgarde [Filosofia para a Palestina – Mainstream da vanguarda]", taz.de de 10.11.2023.

24. Jikeli, Günther: Antisemitismus an US-Eliteunis – Nicht ein Wort über die Hamas [Anti-semitismo nas universidades de elite dos EUA – Nem uma palavra sobre o Hamas], taz.de de 5 de dezembro de 2023.

25. Cf. B.: Bilanceri, Serena: Gewalt im Westjordanland – Angst in den Olivenhainen [Violência na Cisjordânia – Medo nos olivais], taz.de de 17.11.2023.

26. Cf. sobre este assunto: Berendsen, Eva, et al. (eds.): Extrem unbrauchbar – Über Gleichsetzungen von links und rechts [Extremamente inútil – Sobre a equiparação entre esquerda e direita], Berlim 2019.

27. Cf. Hammel, Laura Luise: "... und sie ziehen seit über hundert Jahren die Fäden auf diesem Planeten" – Antisemitische Verschwörungstheorien in gegenwärtigen Protestbewegungen: Das Beispiel der Mahnwachen für den Frieden ["... e eles têm puxado os cordelinhos neste planeta há mais de cem anos" – Teorias da conspiração anti-semitas em movimentos de protesto contemporâneos: O exemplo das Vigílias pela Paz], in: Grimm, Marc; Kahmann, Bodo (eds.): Antisemitismus im 21. Jahrhundert – Virulenz einer alten Feindschaft in Zeiten von Islamismus und Terror [O anti-semitismo no século XXI – A virulência de uma velha hostilidade em tempos de islamismo e terror], Berlin/Boston 2020, 367-387. Cf. também: Moment mal!: Vom "Querdenken" zur Querfront – Coronaproteste als Podium für Antisemitismus [Um momento!: Do "pensamento transversal" à frente transversal – os protestos contra o coronavírus como plataforma para o anti-semitismo], 23.11.2020, https://www.youtube.com/watch?v=M42feyqOFxA.

28. Cf. B.: Wolters, Lea: Islamismus lebt vom Leid der Palästinenser*innen – Islamwissenschaftlerin Amina Aziz im Interview [O islamismo vive do sofrimento dos palestinianos e palestinianas – Entrevista com a académica islâmica Amina Aziz], belltower.news, 27 November 2023

29. Uma vez que a Faixa de Gaza não está ocupada por Israel, deve concluir-se que 'ocupação' significa o próprio Estado de Israel. Afinal de contas, as manifestações anti-semitas pró-Palestina dizem: 'From the river to the sea', ou seja, do Jordão ao Mediterrâneo. Ver: https://en.wikipedia.org/wiki/From_the_river_to_the_sea.

30. In: Fetscher, Iring (ed.): Marxisten gegen Antisemitismus [Marxistas contra o anti-semitismo], Hamburgo 1974, 170.

31. Nowak, Peter: Verbote von Hamas und Samidoun: Keine Solidarität mit Antisemiten [Proibição do Hamas e do Samidoun: nenhuma solidariedade com os anti-semitas], Telepolis.de de 12.10.2023.

32. A lista que se segue não pretende ser exaustiva nem hierárquica.

33. Felizmente, já foram publicadas algumas antologias muito interessantes. Por exemplo: Chinesisches Denken der Gegenwart – Schlüsseltexte zu Politik und Gesellschaft [Pensamento chinês contemporâneo – Textos-chave sobre política e sociedade], traduzido e anotado por Daniel Leese e Shi Ming, Munique 2023.

34. Cf: Leutner, Mechthild; Lu, Pan; Suda, Kimiko (eds.): Antichinesischer und antiasiatischer Rassismus [Racismo antichinês e anti-asiático], Berlim 2022 e Nguyen, Hami: Das Ende der Unsichtbarkeit – Warum wir über anti-asiatischer Rassismus sprechen müssen [O fim da invisibilidade – Porque é que temos de falar sobre o racismo anti-asiático], Berlim 2023. Sobre o racismo anti-asiático/anti-chinês galopante durante a era do coronavírus, ver também https://www.ichbinkeinvirus.org/.

35. Cf. em contraste: Dillmann, Renate: China – Ein Lehrstück über alten und neuen Imperialismus, einen sozialistischen Gegenentwurf und seine Fehler, die Geburt einer Kapitalistischen Gesellschaft und den Aufstieg einer neuen Großmacht [China – Uma lição sobre o velho e o novo imperialismo, uma alternativa socialista e os seus erros, o nascimento de uma sociedade capitalista e a ascensão de uma nova superpotência], 11ª ed. acrescentada e actualizada, Berlin 2022.

36. Cf. e.g. Stengl, Anton: Chinas neuer Imperialismus – Ein ehemals sozialistisches Land rettet das kapitalistische Weltsystem [O novo imperialismo da China – Um antigo país socialista salva o sistema capitalista mundial], Viena 2021.

37. Solty, Ingar, Im Reich der Mittelschicht – Warum wir die weltgeschichtliche Bedeutung Chinas in Zeiten der Klimakatastrophe erkennen müssen [No reino da classe média – Porque devemos reconhecer a importância histórica global da China em tempos de catástrofe climática], in: Konkret n.º 12/2023.

38. Cf. sobre este assunto: Kurz, Robert: Die antideutsche Ideologie – Vom Antifaschismus zum Krisenimperialismus: Kritik des neuesten linksdeutschen Sektenwesens in seinen theoretischen Propheten [A ideologia anti-alemã – Do antifascismo ao imperialismo de crise: crítica da novíssima essência sectária alemã de esquerda nos seus profetas teóricos], Münster 2003.

39. Kurz, Robert: Quem é que é totalitário? Os abismos de um conceito ideológico para todo o serviço, online: http://www.obeco-online.org/rkurz35.htm.

40. A honra perdida do trabalho, online: http://www.obeco-online.org/rkurz109.htm. Primeira publicação 1991, in: Krisis Nr. 10.

41. A ascensão do dinheiro aos céus, online: http://www.obeco-online.org/rkurz101.htm. Primeira publicação: 1995, em: Krisis Nr. 16/17.

42. Die doppelte Natur des Rassismus [A dupla natureza do racismo], publicado pela primeira publicação em 2013, em: exit! Nr. 11.

 

 

Original “Editorial der exit Nr. 21” em www.exit-online.org, 14.02.2024. Tradução de Boaventura Antunes

 

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