Marxismo – Feminismo – Teoria Crítica hoje ... e a Crítica da Dissociação-Valor

 

Sobre a problemática insistência em experiência, práxis, empiria, sujeito, classe e "realidades vividas" das mulheres na decadência do patriarcado capitalista

 

Roswitha Scholz

 

 

Introdução * 1. Marxismos tradicionais e suas modificações em concepções feministas * 1.1 Lise Vogel: O marxismo e a opressão das mulheres* 1.2 Cinzia Arruzza: Marxismo e Feminismo * 1.3 Silvia Federici: Feminismo e colonização * 1.4 Tove Soiland: Esboços de um feminismo marxista no século XXI * 1.5 Gabriele Winker: A revolução dos cuidados * 2. Beatrice Müller: Uma reinterpretação marxista tradicional da teoria da dissociação-valor? Abjecção-valor versus dissociação-valor * 3. Teoria crítica e feminismo hoje * 3.1 Lisa Yadhoshara Haller: Capital, género, Estado * 3.2 Sarah Speck: Sociologia, teoria crítica e feminismo * 3.3 Barbara Umrath: Teoria crítica e estudos de género nas ciências sociais * 4. O sujeito político mulher, as realidades vividas das mulheres e a "experiência" como base da política feminista. "Outside the Box": A queda de uma revista? * 5. Resumo: Feminismo, marxismo, teoria crítica e dissociação-valor como contraditório contexto de socialização em decadência. A insistência na experiência, na "realidade vivida", no marxismo tradicional, na classe e afins em tempos incertos * Bibliografia

 

 

Introdução

Na última década têm vindo a florescer o feminismo marxista e o tema teoria crítica e feminismo. Foram organizados muitos congressos e publicadas muitas antologias; várias revistas feministas tiveram como tema "feminismo materialista" (em 2022 vai ser publicado pela Suhrkamp o volume "Teoria crítica e feminismo", editado por Karin Stögner e Alexandra Colligs). O desconstrucionismo até agora hegemónico tem sido acusado de "não ser materialista" (ver, por exemplo, Trumann 2018). As tentativas de casar mais ou menos Butler com o Marx tradicional ainda existem, embora as premissas de ambos sejam de facto incompatíveis (ver, por exemplo, Meißner 2010, Adamczak 2017, 2018, Colligs 2021). No entanto, de um modo geral verificou-se uma oscilação no sentido do materialismo. As discussões de hoje giram tanto, se não mais, em torno de cuidados, classe, sujeito e afins; mesmo desconstrucionistas ou teóricas do ponto de vista bem sucedidas não podem evitar dar ao "material" um lugar central. Aqui também está de novo a levantar a cabeça um anacrónico marxismo do movimento operário, que vê a contradição social fundamental na oposição entre a classe trabalhadora e a classe capitalista.

Em geral, há um entusiasmo por práxis e movimento, em torno do movimento climático, da questão da habitação, do feminismo (queer) etc. A teoria e os pontos de vista estruturais abrangentes foram relegados para segundo plano, ou movem-se frequentemente à partida no horizonte interpretativo dos movimentos sociais e da política. Com isto, dizer que estamos perante "uma forma em si mesma ambivalente, que é contestada e cuja configuração também é resulta de relações sociais de força" (Scheele/Wöhl 2018, ver também a minha discussão com Beatrice Müller abaixo), também está contra uma teoria que determina a dissociação-valor como forma social basilar. A qual, consequentemente, teria de ser modificada ou rejeitada na sua radicalidade.

Após uma moda do fetiche na esquerda – mediada sobretudo pela "Nova Leitura de Marx" – o marxismo da luta de classes está a regressar, na continuada decadência do capitalismo, não obstante o declínio do marxismo do bloco de Leste desde 1989. As tendências retrógradas e autoritárias estão a evidenciar-se, não só à direita, mas também à esquerda. Nem há inibição em relação a uma referência ao desbotado socialismo de Estado, a Lenine etc. E também grupos feministas que (antigamente) se ligavam à teoria crítica estão hoje a enfatizar a empiria, a experiência, a práxis (política), tentando reavivar um feminismo da luta de classes, como vou mostrar. A esquerda e as feministas de esquerda também contribuíram assim para as teorias da conspiração na pandemia de coronavírus, ao verem como problema fundamental as relações personificadas de dominação, em termos de "classe dominante". Do ponto de vista da crítica da dissociação-valor, vou agora debater algumas destas novas concepções do feminismo marxista surgidas desde os anos noventa. (1)

 

1. Marxismos tradicionais e suas modificações em concepções feministas

 

1.1 Lise Vogel: O marxismo e a opressão das mulheres

De momento Frigga Haug é provavelmente a mais influente feminista alemã vinda do marxismo tradicional e das classes. Mas é preciso criticá-la da perspectiva da dissociação-valor, como eu também já fiz (Scholz 2011/2000). Por conseguinte, gostaria de discutir aqui a concepção de Lise Vogel, que é comparável à de Haug, tal como exposta na tradução do seu livro “Marxismo e Opressão das Mulheres”, que ultimamente faz concorrência a Haug (Vogel 2019). Vogel já desenvolveu a sua teoria no início dos anos oitenta. Mas esta só foi agarrada no decurso do debate feminista sobre Marx nos últimos anos, e apresenta-se sob a etiqueta "social reproduction theory" (SRT), uma designação colectiva que também engloba várias outras concepções teóricas do feminismo marxista.

Numa perspectiva do marxismo das classes, Vogel quer incluir sistematicamente na análise do capitalismo a reprodução da força de trabalho, a "componente doméstica do trabalho necessário" em grande parte invisível, que permaneceu na sombra em Marx e não cria "valor", mas que, no entanto, tem uma importância essencial para a produção de mais-valia. Trabalho assalariado e trabalho doméstico estão, portanto, relacionados um com o outro. Ambos são indispensáveis para a "reprodução social no capitalismo". Trata-se aqui também de substituir trabalhadores que morreram por novos trabalhadores. Além disso, na esfera da reprodução também são atendidos, para além das crianças, os doentes, os idosos etc. Os capitalistas esforçam-se por poupar "trabalho necessário" (no sentido da mais-valia relativa), bem como trabalho doméstico, uma vez que a redução do trabalho doméstico liberta força de trabalho adicional (processos de racionalização da lida da casa, educação nas escolas etc.). Em geral, "os processos de reprodução da força de trabalho são um terreno em disputa". Assim, as pessoas que trabalham lutam pelas melhores condições possíveis para a sua própria renovação, o que pode incluir uma certa medida ou uma certa forma de trabalho doméstico. Uma vez que tanto o capital como a classe trabalhadora estão geralmente fragmentados em diferentes estratos, não são alcançados os mesmos resultados a todos os níveis" (ibid.: 265).

Vogel também aborda a dimensão política relativa à reprodução da força de trabalho, que, segundo Marx – assim diz Vogel –, reside no cruzamento da produção com a circulação. Os donos da mercadoria força de trabalho e os capitalistas são iguais no mercado, enquanto que as mulheres são desiguais. Apenas "as mulheres das classes subordinadas (realizam) trabalho doméstico, mas todas as mulheres são afectadas pela desigualdade nas sociedades capitalistas" (ibid.: 266). Vogel, com Althusser, preocupa-se com a estrutura abstracta do capitalismo; os processos, contextos e acontecimentos históricos concretos têm de ser também examinados. A reprodução da força de trabalho também pode ser assumida por migrantes, escravos etc., não está ligada à família, parentesco, heterossexualidade etc., mas normalmente em todas as sociedades de classes tem lugar em tais contextos sob administração masculina. Vogel apresenta os seguintes factos, entre outros, como razão para tal: "Da perspectiva das classes dominantes, a procriação pode, portanto, ser dispendiosa, uma vez que o trabalho das mulheres grávidas e daqueles que cuidam delas poderia fazer parte do mais-trabalho. Por outro lado, a procriação nas classes subalternas renova a força de trabalho e é, portanto, benéfica para as classes dominantes. Da perspectiva das classes subalternas, podem surgir outras contradições. A maioria das formas em que a reprodução da força de trabalho é organizada fazem uso de relações entre mulheres e homens baseadas na sexualidade e no parentesco [...] Tais arranjos são normalmente legitimados pela supremacia masculina e sustentados por estruturas institucionalizadas de opressão das mulheres" (ibid.: 259s.).

É perfeitamente óbvio que falta em Vogel um entendimento global da forma da dissociação-valor, que não só abranja ambas as classes (históricas!), mas também estruturas racistas e anti-semitas para além da relação hierárquica de género, sem colocar cada uma das dimensões numa relação de derivação linear com a dissociação-valor como meta-relação fechada, mas também permitindo que estas estruturas existam na sua própria lógica.

Aqui, para Vogel, o trabalho doméstico não é realmente outra coisa, mas apenas um diferente dentro da forma do valor (mais-valia). Vogel apenas dá assim uma pincelada no conceito de reprodução de Marx. Deste modo, ela ontologiza e desistoriciza a produção/reprodução e a relação de género.

Dück/Hajek acusam Vogel de uma limitação estruturalista, de estreitamento económico, de esquecer o sujeito e de esquecer a história. O mesmo pode fazer a crítica da dissociação-valor. No entanto, Dück/Hajek, por seu lado, estão limitadas em termos político-gramscianos. Elas não têm um conceito de crise e também querem apontar para a classe, apenas contra um pano de fundo teórico diferente do de Vogel. Dück/Hajek hipostasiam assim a dimensão da acção e da política, numa limitação à teoria da regulação (cf. Dück/Hajek 2019). Dizem, com razão, que as discussões dos últimos anos não podem ser ignoradas, mas então teríamos de ir além da teoria de Gramsci e da regulação, e avançar para a crítica da dissociação-valor.

 

1.2 Cinzia Arruzza: Marxismo e Feminismo

Também Cinzia Arruzza está preocupada com a compatibilidade de marxismo e feminismo no sentido do marxismo tradicional (Arruzza 2017). Ela sublinha que eles não se poderiam passar um sem o outro, mesmo havendo diferenças e conflitos. Ela traça várias fases desta relação, tanto na história do movimento como na produção da teoria feminista, até às tendências interseccionais e queer. Aqui ela ataca noções de um sistema duplo, segundo o qual o patriarcado e o capitalismo devem ser entendidos como lógicas separadas, devendo a partir daí ser estabelecida a ligação entre os dois. E conclui que, em vez disso, o capitalismo, o capital, é dominante, e que a opressão das mulheres hoje em dia é causada principalmente por ele: "Ao contrário da hipótese de que a relação entre homem e mulher deve ser vista em categorias de exploração, o patriarcado como forma de organização de parte da produção sobreviveu durante algum tempo e o que dele resta passou para segundo plano no capitalismo. Este processo não tem sido de modo nenhum linear, sendo que o capitalismo, por um lado, rompeu os laços económicos baseados no patriarcado, mas, por outro, preservou as relações de poder e a ideologia patriarcal, utilizando-as de maneira diferente. Destruiu a família como unidade de produção, reformulou-a completamente e transformou-a, para assegurar a reprodução da força de trabalho. Aqui as relações de poder patriarcais desempenharam um papel útil: o capitalismo foi forçado a transferir a actividade de reprodução para a família, para o que a subordinação das mulheres era vista como um garante, e ao fazê-lo colocou o fardo sobre as mulheres, explorando as relações de opressão entre homem e mulher" (ibidem: 130s.). O seu objectivo é "compreender o contexto global em que o capitalismo toma relações de poder pré-capitalistas e as utiliza para criar hierarquias no seio dos explorados e oprimidos, para desenhar trincheiras e erguer barreiras. O mesmo se aplica à relação das mulheres com o trabalho, que se tornou uma questão central com o aumento constante do trabalho feminino, e requer um estudo aprofundado da teoria da divisão do trabalho por género, que não se ocupe exclusiva ou predominantemente da actividade de reprodução. A raça e o género têm sido e continuam a ser instrumentos importantes da divisão do trabalho" (ibid.: 131). É verdade que Arruzza se opõe à tese da contradição primária e secundária, mas o que é senão isso, quando ela vê o capitalismo como um princípio estrutural avassalador e o género e a raça como INSTRUMENTOS da divisão do trabalho? Ela preocupa-se aqui principalmente com o "surgimento da consciência de classe" e a este respeito com a tomada em consideração da "importância fundamental da ideologia patriarcal e das relações de poder patriarcais [...] Pois não se trata apenas da desvalorização implícita ou explícita do trabalho das mulheres, que é constantemente considerado subordinado e complementar ao trabalho dos homens, mas também dos efeitos e dos problemas que surgem na formação da consciência de classe, que muitas vezes impedem a mobilização e a iniciativa das mulheres. Subestimar ou ignorar a interacção das condições económicas e da opressão ideológica faz perder de vista a complexidade crescente dos problemas da construção de um novo movimento de trabalhadores e trabalhadoras, face à crescente inclusão do trabalho das mulheres na classe trabalhadora" (ibidem: 131s.). Para que tal aconteça, segundo Arruzza, é necessária uma "renovação do marxismo" e a inclusão do género e da raça no seu sentido (ibid.: 132).

Embora as tensões entre o movimento das mulheres e o movimento operário sejam descritas na história, em última análise tanto Vogel como Arruzza querem integrar o feminismo no marxismo ou no movimento operário. Assim a declaração de Heidi Hartmann: "O feminismo e o marxismo são um só. E este um é o marxismo" também se aplica às "novas" concepções delas (ver sobre o debate de Arruzza com Hartmann (ibid.: 118ss.)). Aqui está um cavalo de Tróia do marxismo tradicional. O marxismo androcêntrico e os camaradas masculinos são hoje basicamente retirados da linha de tiro.

Arruzza faz a distinção entre um feminismo operaista, que assume que o trabalho doméstico também cria mais-valia, e um feminismo materialista, que implica que não só os capitalistas lucram com a opressão das mulheres, mas também os homens.

"Os resultados são parcialmente os mesmos: tenta-se decifrar o género com os instrumentos da crítica da economia política, e no final o género torna-se classe, num caso a classe trabalhadora, no outro a classe patriarcal especialmente criada. Deste modo a esfera da reprodução é também subsumida sob a esfera da produção e ignora-se o seu carácter específico" (ibid.: 98s.).

No entanto, no final, Arruzza também assume que a reprodução e as actividades de cuidados estão localizadas dentro do universo da mais-valia, e o seu Outro, necessário precisamente para que a esfera da produção exista de algum modo, é basicamente deixado de fora. Neste sentido, Arruzza escreve: "Qualquer pessoa que já tenha tido actividade política conhece os problemas que as mulheres têm em falar, [...] o que se deve, por um lado, à internalização da opressão de género e à auto-subestimação que a acompanha, e, por outro lado, aos mecanismos de opressão e às relações de poder que emanam dos membros masculinos da organização" (ibid.: 132s.). Arruzza não inclui sistematicamente esta dimensão; ela permanece ao nível de uma descrição da situação. No entanto, todos sabem que os camaradas políticos e teóricos geralmente tratam a raça e o género como meras contradições secundárias, e que é necessária uma luta, mesmo em contextos de esquerda, para afirmar tais dimensões como importantes e essenciais. Em vez disso, Arruzza preocupa-se com a harmonia na "constituição de um novo movimento operário". Mas Arruzza não tem problemas reais com teorias da contradição secundária de qualquer maneira, como tentei mostrar. Arruzza insiste que a relação de género não deve ser concebida a-historicamente, mas à luz de um velho marxismo das classes. O materialismo vulgar manda cumprimentos.

Isto torna-se ainda mais claro no manifesto "Feminismo para os 99%", que Arruzza escreveu juntamente com Nancy Fraser e Tithi Bhattacharya (que segue Vogel) (Arruzza et al. 2019). Não entrarei nisso aqui, porque estou preocupada principalmente com o nível teórico (mas ver: Scholz 2020).

Para Fraser, as relações hierárquicas de género são apenas um "aspecto" da crítica, como se afirma no próprio manifesto (Arruzza et al. 2019: 81). Olhar em termos histórico-sociais no contexto de crítica do trabalho para a problemática do fetiche e para a dissociação-valor como contexto basilar, ou seja, mercadoria, valor, dinheiro, capital, dissociação – Vogel e Arruzza estão longe disso (o que também se aplica a D'Atri 2019, a propósito).

 

1.3 Silvia Federici: Feminismo e colonização

Em contraste com Arruzza e Vogel (esta última vinda de um canto estruturalista), a abordagem de Silvia Federici move-se numa tradição operaista, sendo Rosa Luxemburgo a verdadeira autoridade para ela. Com Mariarosa Dalla Costa, ela assume que as actividades reprodutivas femininas também produzem "valor", na forma da produção da mercadoria força de trabalho (Federici, 2012: 39s.). Para Federici, a acumulação original não é um acontecimento passado isolado, mas um princípio básico do capitalismo, uma parte do processo de acumulação capitalista que é essencial para a sua expansão. A separação entre o produtor e os seus meios de produção molda assim essencialmente a sociedade até aos dias de hoje. O resultado são expropriações maciças, crises económicas e guerras na era da globalização (cf. ibid.: 40s.). De acordo com Federici, a teoria da luta de classes de Marx deve ser alargada. "Acima de tudo, devemos reconhecer que a história da acumulação original não pode ser compreendida do ponto de vista de um sujeito universal abstracto. Pois um aspecto importante do projecto capitalista foi a desarticulação do corpo social, tendo as pessoas sido forçadas sob vários regimes disciplinares, que produziram uma acumulação de 'diferenças' e hierarquias". Esta história deve também ser "escrita do ponto de vista dos escravizados, dos colonizados, dos povos indígenas, cujas terras são o alvo principal dos cercamentos" (ibid.: 42). Para Federici, a caça às bruxas também desempenhou um papel fundamental no processo de acumulação original nos séculos XVI e XVII, designadamente porque permitiu ao Estado apropriar-se do corpo das mulheres, criminalizando a contracepção (ibid.: 43). Assim deverá ter sido multiplicado o proletariado, segundo Federici (ver também Federici 2012 a).

O surgimento da "dona de casa a tempo inteiro" e de uma esfera da reprodução correspondente foi consequência da mudança de um "modo de exploração do trabalho baseado no espremer da ‘mais-valia absoluta’ para outro baseado no espremer da mais-valia relativa" (Federici 2012: 30), ou seja, o encurtamento do dia de trabalho, através da utilização da tecnologia, com o aumento associado da intensidade do trabalho. O salário médio do trabalhador masculino aumentou; mais trabalho e dinheiro foram então investidos na reprodução dos trabalhadores e trabalhadoras. Nas últimas décadas, verificou-se então um aumento da actividade remunerada das mulheres, embora as actividades da mulheres se situem frequentemente na escala salarial mais baixa. Deve-se "notar que a entrada das mulheres no trabalho assalariado ocorreu na altura de um ataque histórico aos direitos e reivindicações dos trabalhadores, uma vez que o redimensionamento, a externalização de partes do processo de produção e a flexibilização das disposições da legislação laboral levaram a uma diminuição dos salários [...] e tornaram o trabalho precário [...]" (ibid.: 72). Neste contexto, as mulheres são frequentemente empregadas em actividades no sector dos serviços que anteriormente eram realizadas a título privado. Além disso, elas têm de retomar os serviços que desapareceram devido a cortes nos benefícios sociais. É verdade que, nos centros capitalistas, partes consideráveis da lida da casa foram externalizadas e comercializadas. Embora as tecnologias tenham levado a uma reorganização da produção, segundo Federici isto não se aplica à esfera reprodutiva, apesar da utilização do computador também neste domínio. Entre outras coisas, as compras e o trabalho sexual podem ser feitos desta maneira, são utilizados robôs de cuidados, são estabelecidas redes sociais via Facebook etc. No entanto, o trabalho de cuidados tem um carácter diferente, que não pode ser coberto pela tecnologia, porque tem uma componente afectiva e uma lógica de tempo que se opõe à execução técnica (cf. ibid.: 75s.). As mulheres do Sul, em particular, têm de suportar as consequências negativas da globalização. Têm de trabalhar mais para obter alimentos, têm de cuidar dos doentes, e assim por diante. As mulheres recorrem frequentemente ao trabalho feito em casa para obterem mini-salários, a fim de melhor responderem às exigências da família e da profissão.

Federici entende agora a globalização como uma série de medidas políticas, através das quais o capital internacional respondeu às crises internacionais do trabalho e da acumulação dos anos sessenta e setenta. Segundo Federici esta foi também alegadamente uma reacção a lutas anticoloniais, movimentos de direitos civis e ainda outras lutas, cada uma das quais emanada de outros sujeitos, incluindo mulheres. Federici vê a globalização como uma "recolonização" (ibid.: 60s.). Demarca-se aqui das posições que pressupõem que um tipo de acumulação baseada na produção de mercadorias foi substituído pela financeirização, e daquelas que pressupõem uma transição de uma sociedade da produção para uma sociedade do conhecimento, com o trabalho a tornar-se cada vez mais imaterial. Critica também as referências ao fragmento das máquinas dos Grundrisse e as hipóteses de um "fim do trabalho" (cf. ibid.: 52). Em vez disso, é mais significativo para ela que o capital tenha baixado o custo da força de trabalho, através de uma expansão em grande escala do mercado de trabalho mundial. Aqui ela assume o aumento constante do trabalho precisamente na era da globalização. Segundo Federici, a globalização minou os movimentos anticoloniais e o movimento das mulheres e restaurou as hierarquias. Para ela, as antigas colónias são centros estratégicos de acumulação original. Foram o local da escravatura; há séculos que têm sido exploradas como fornecedoras de matérias-primas. Na opinião de Federici, a reorganização económica e social das colónias ou das antigas colónias foi uma condição básica para a reestruturação do mercado de trabalho mundial à escala global. A "desindustrialização" e o desmantelamento das comunidades de trabalhadores resistentes no Ocidente não teria sido possível se os locais de produção não tivessem sido deslocalizados para o "Terceiro Mundo", baixando assim o custo da trabalho. Não foi por acaso que os processos mais brutais de desapropriação e empobrecimento tiveram lugar nas colónias, com ataques violentos contra as populações locais. As guerras na América Central nas décadas de 1980 e 1990, entre outras, bem como as da Somália e do Iraque, também devem ser vistas neste contexto. "De facto", diz Federici, "a violência foi mais uma vez a parteira de uma nova forma de acumulação" (ibid.: 60). Deste modo foram abertas novas oportunidades para a extracção de petróleo, diamantes, lítio e coltan. "As remoções de terra que a acompanham criaram uma diáspora, conduzindo milhões de pessoas do campo para as cidades, que cada vez mais se assemelham a campos de refugiados" (ibid.: 60s.). Os produtos locais foram exportados, muitos países foram forçados a fazer ajustamentos estruturais por instituições como o FMI e similares. Em África, isto também leva a uma nova caça às bruxas, entre outras coisas porque as mulheres mais velhas se recusam a abandonar as suas áreas de cultivo próprias – segundo Federici (cf. ibid.: 63).

Os benefícios do Estado social também foram cortados nos países ricos. Na Grécia, Itália, Espanha, EUA, também há tendências para o empobrecimento de uma grande parte da população. Segundo Federici, a nível mundial a figura do trabalhador está a tornar-se a do imigrante, do trabalhador migrante, do refugiado (cf. Federici 2013: 48). Contra isto, diz Federici, a resistência faz-se sentir em todo o mundo, uma ilusão quando se considera, por exemplo, o que aconteceu com a rebelião árabe.

 

E mesmo as opositoras às alterações climáticas só querem uma "revolução" imanente. O principal inimigo é o "capital". É perfeitamente óbvio que para Federici não há obsolescência do trabalho abstracto, com a dessubstancialização do capital e a desvalorização do valor, mediada pela contradição em processo (cf. Ortlieb 2009). À maneira tipicamente operaista, ela vê na globalização, pelo contrário, uma recolonização como contra-revolução, no sentido de um entendimento subjectivistamente modificado das classes. Ela contrapõe a eterna acumulação de capital a posições que descobrem um novo tipo de acumulação na financeirização. O capital pode mobilizar a força de trabalho mal remunerada à escala global e tomar terras até ao fim dos tempos. Para Federici, simplesmente tem de haver uma expansão do trabalho, na medida em que as actividades reprodutivas femininas, actividades de subsistência dos camponeses, actividades na economia subterrânea etc. também devem ser consideradas como trabalho e criar "valor". As actividades reprodutivas femininas tornam-se relevantes para ela, especialmente tendo por fundo a reprodução da força de trabalho, sem considerar a sua lógica própria, como no contexto da crítica da dissociação-valor.

É impressionante que Federici preste pouca atenção à anomia e aos processos de asselvajamento enquanto tais. Para ela, não são o produto de uma lógica de valorização no sentido da teoria da dissociação-valor e de um correspondente processo de decadência. Para ela, a miséria do mundo é antes resultado do capital, no sentido de uma classe capitalista personificada. Para ela, a coisa verdadeira é uma perspectiva de “commons”, ou seja, uma economia de solidariedade a partir de baixo em pequena escala. Neste contexto, ela apela mesmo a um "re-encantamento do mundo" (2020).

 

1.4 Tove Soiland: Esboços de um feminismo marxista no século XXI

Tove Soiland é na verdade uma representante feminista do marxismo lacaniano. Mas também tenta uma concepção feminista da economia política em sentido estrito. Soiland, em sua dissertação "A base do iceberg. Esboços de um feminismo marxista para o século XXI" (2018), segue ainda Federici. Ela também se refere a Bennholdt-Thomsen (as chamadas mulheres de Bielefeld, Maria Mies, Veronika Bennholdt-Thomsen e Claudia von Werlhof também têm Federici como teórica de referência) para criticar Marx. Bennholdt-Thomsen assume, com Rosa Luxemburgo, que o capital só pode acumular-se através de formas não capitalistas, e que está decisivamente dependente delas. Transfere agora este pressuposto para a esfera da reprodução no Norte capitalista. O trabalho de subsistência seria, em certo sentido, uma espécie de base do capitalismo, que suporta o trabalho assalariado. Bennholdt-Thomsen assume então uma "massa marginal" no capitalismo avançado, que não se reproduz exclusivamente através do trabalho assalariado. De acordo com Bennholdt-Thomsen, esta "massa marginal" é agora a normalidade. Não se refere ao exército de reserva marxiano, mas antes "reproduz-se gratuitamente da perspectiva do capital [...] [estando] contudo disponível para ele de acordo com as necessidades [...], assumindo assim uma função que é altamente importante para a manutenção global do sistema capitalista". Uma vez que a própria produção de subsistência pertence ao capitalismo, Bennholdt-Thomsen fala também de "subsunção marginal". "No caso da reprodução, então, não é só que o capitalismo produz o seu próprio exterior. Ele também tem um grande interesse em manter esse exterior" (ibidem: 11). Isto também se refere às existências precárias de hoje, que ao mesmo tempo vivem da produção de subsistência e, consequentemente, têm de fazer "trabalho extra" para além do trabalho assalariado. "Por conseguinte, aquilo a que Bennholdt-Thomsen chama 'subsunção marginal' não é sobre a questão de uma mudança de forma entre trabalho remunerado e não remunerado, mas precisamente sobre a preservação do trabalho não remunerado, que é necessário para o regime de acumulação fordista, ou, mais precisamente, sobre a inter-relação, que é constitutiva das relações pós-fordistas, entre trabalho remunerado e trabalho não remunerado, ambos subsidiando em conjunto 'o trabalho assalariado normal'" (ibidem: 11, ênfase no original). Soiland resume: "Com uma teoria clássica da mais-valia e a atitude clássica do movimento operário não se chega a lado nenhum aqui [...], uma vez que estamos a lidar com formas de trabalho completamente diferentes" (ibid.: 12). Tal como Federici, Soiland não partilha a fé no progresso nem o optimismo do movimento operário sobre o desenvolvimento das forças produtivas como condição prévia para a emancipação. Em vez disso, ela acredita que são necessárias teorias feministas que possam dar uma "contribuição significativa para a discussão sobre a persistência" (ibidem: 3). Neste contexto, de acordo com Soiland, só hoje é que a actividade reprodutiva (feminina) pode tornar-se uma questão importante, porque se tornou escassa, devido à actividade profissional das mulheres no decurso da socialização capitalista avançada.

Soiland não quer optar por uma perspectiva de subsistência e uma política de pequenas redes como Federici e Bennholdt-Thomsen. Pelo contrário, ela vê a contradição entre o trabalho assalariado e o trabalho de cuidados como uma espécie de nova contradição principal. Basicamente, está reformistamente interessada numa revalorização maciça do trabalho de cuidados, num recuo da motivação do lucro e das esferas e áreas correspondentes. Em contraste com a crítica da dissociação-valor, a abolição da divisão do trabalho por género não é particularmente importante para ela. Ao contrário de Federici, ela não lida com a colonização e exploração no chamado Terceiro Mundo, ou fá-lo apenas implicitamente. O seu foco são os trabalhos femininos de cuidados.

Soiland parte de um conceito ontológico de trabalho, que também transfere para as actividades reprodutivas. Estas e as actividades de subsistência em geral são para ela a base do capitalismo. Em contraste com a crítica da dissociação-valor, ela assume que o "trabalho" está a expandir-se cada vez mais, em vez de ver que está a tornar-se cada vez mais obsoleto. Soiland não consegue ver que não são apenas o valor e o trabalho abstracto que estão em crise, mas também os domínios dissociados. Isto é evidenciado pela crescente profissionalização dos serviços sociais, que justamente não geram mais-valia e têm de ser patrocinados pelo Estado, mas cujo financiamento em si mesmo está a enfrentar limites (Scholz 2013). O capitalismo não se perpetua, mas as crises tornam-se visíveis em muitos aspectos, de modo que em muitos lugares se fala do possível fim do capitalismo ou do pós-capitalismo (cf. Scholz 2017). Soiland, por outro lado, partilha a opinião de Bennholdt-Thomsen sobre a formação de uma "massa marginal" e de um "pós-capitalismo", no contexto de um capitalismo indestrutível. Não diz uma palavra sobre a financeirização, quer em termos da superestrutura especulativa, quer em termos de orçamentos familiares. Ignora também a estratégia de shareholder-value das empresas e afins, que entre outras coisas desencadeou o crash de 2008, bem como uma dívida pública que tem financiado o inchaço dos serviços sociais profissionais desde os anos setenta. Tais tendências, contudo, fazem com que seja provável que ocorram grandes crashes num futuro próximo. No entanto, Soiland pelo menos admite que já não há muito a fazer com as antigas classes.

Assim, Soiland não vê que os domínios "fortes na criação de valor" também caíram em crise no decurso da desvalorização do valor, pelo que basicamente vê a tensão entre as esferas de produção e reprodução como a nova contradição principal, no contexto de um "capitalismo eterno" que é sempre capaz de se regular a si próprio. Deste modo as mulheres representam para ela um novo sujeito revolucionário. Mas não são os cuidados e as actividades reprodutivas que constituem a base do capitalismo, pelo contrário, o valor (mais-valia) e a dissociação são mediados dialecticamente, constituindo como tais o contexto basilar do patriarcado capitalista.

 

1.5 Gabriele Winker: A revolução dos cuidados

Gabriele Winker queixa-se, como de costume, que Marx não teve em conta as actividades reprodutivas das mulheres, não pagas e pagas, e pretende "integrá-las na teoria do valor do trabalho de Marx". O valor da força de trabalho inclui tanto o custo da reprodução da força de trabalho como o de uma "nova geração" (Winker 2018: 102). O que é necessário para a reprodução é aqui objecto de luta renhida. O capitalista apropria-se da mais-valia, ou seja, do que vai para além destes custos de reprodução, ignorando o trabalho não remunerado de cuidados no domínio da reprodução como trabalho necessário. Assim, a actividade reprodutiva não é trabalho que cria mais-valia, mas contribui quando muito indirectamente para a obtenção de mais-valia.

Na fase fordista nas metrópoles, no entanto, o modelo de sustento da família está obsoleto desde os anos setenta. Isto aconteceu por razões de concorrência internacional, da crise económica e porque os movimentos de mulheres protestaram. Os salários reais caíram então e o modelo de dona-de-casa / sustento-da-casa foi privado da sua base económica. Com Marx, Winker afirma que "à medida que a participação das mulheres na actividade remunerada aumenta, o salário médio diminui, uma vez que já não é necessário um salário familiar e são dois membros da família a contribuir para cobrir os custos da subsistência de uma família. Mesmo que tal família, devido à falta de tempo para parte do trabalho reprodutivo anteriormente não remunerado, compre mais bens e serviços, e tenha assim de ser pago mais salário a dois membros da família do que anteriormente a uma pessoa, isto melhora as condições de valorização, uma vez que dois trabalhadores assalariados fornecem uma quantidade significativamente mais elevada de trabalho excedente" (ibid.: 104s.).

Para a valorização do capital, o emprego remunerado de ambos os membros vale a pena, uma vez que a mais-valia criada é maior. Isto é especialmente verdade se o trabalho reprodutivo também for feito gratuitamente. "Isto diminui o valor da força de trabalho e aumenta assim a mais-valia. O trabalho reprodutivo não remunerado não cria, por si só, mais-valia. No entanto, influencia indirectamente a quantidade de mais-valia em sentido positivo, ao reduzir os custos médios de reprodução da força de trabalho, uma vez que não têm de ser incluídos nos custos de reprodução certos bens, como explicações por uma empresa educativa, a alimentação num restaurante ou a limpeza por um(a) empregado(a) doméstico(a). Pelo contrário, se todo o trabalho reprodutivo fosse assumido por trabalhadores remunerados, os custos de reprodução da força de trabalho poderiam aumentar significativamente. Tal aumento é maciçamente combatido pelas políticas de saúde, educação e família, por exemplo, ao forçar a poupança do pessoal de enfermagem nos hospitais, ao aceitar emprego irregular sem seguro social a baixos salários por hora em lares privados, e ainda ao continuar a atribuir o cuidado não pago de crianças e familiares às mulheres, incluindo as que têm actividade remunerada, nas famílias. Para a valorização do capital, é por isso importante não só que a força de trabalho seja reproduzida, mas também que essa reprodução se faça o mais barato possível" (ibid.: 105s.). Esta situação resultou numa enorme sobrecarga de quem presta os cuidados, na sua maioria mulheres. Uma análise de classe (sic!) explica os baixos salários dos trabalhadores em part-time e precários de hoje. No que diz respeito às diferenças de desempenho, as pessoas com deficiência, por exemplo, recebem salários mais baixos, embora precisem de mais recursos para manter a sua força de trabalho. Os salários mais baixos das mulheres e dos migrantes são legitimados pelas diferenças naturais e étnicas. Winker defende aqui a inclusão de concepções (des)construcionistas. A minimização dos custos de reprodução também é conseguida através da reatribuição de actividades reprodutivas às mulheres sem remuneração,ou através de migrantes mal pagos(as) que assumem estas actividades.

Winker assume hoje uma crise da reprodução: "Na medida em que a intensificação da contradição entre a maximização do lucro e a reprodução da força de trabalho afecta a disponibilidade quantitativa e qualitativa do trabalho, de tal modo que, prospectivamente, isso implica uma deterioração significativa das condições de valorização do capital, falo de uma crise da reprodução social, que deveria ser muito mais considerada nas análises da crise [...] Actualmente, a política empresarial e estatal está a fazer tudo o que está ao seu alcance para aumentar a extensão do trabalho de reprodução dos/as trabalhadores/as assalariados/as e para impor diferentes níveis de reprodução através dos crescentes diferenciais salariais. No entanto, a valorização do capital está longe de estar assegurada” (ibid.: 108). Os e as migrantes devem, portanto, ser utilizados para trabalhos de cuidados, o que agrava as crises nos seus próprios países.

Winker vê um rendimento básico e uma redução do horário de trabalho como pré-requisito para poder investir mais tempo no trabalho de cuidados e no trabalho político e da sociedade civil. Isto teria de ser acompanhado por uma redistribuição das actividades estruturadas em função do género. Os trabalhos de cuidados teriam de tornar-se mais relevantes nos debates. Teria de haver uma "democratização de todos os domínios dos cuidados" (ibid.: 110). Estes teriam de ser retirados do processo de valorização e teria de ser revertida a privatização nos sectores da saúde, cuidados e educação, na medida em que tivesse ocorrido, porque as actividades de cuidados não podem ser subordinadas à lógica do lucro. A participação, planificação e organização devem ter lugar a nível comunitário e distrital, por exemplo, em assembleias distritais e através de grupos de assistência e conselhos de cuidados. Isto deveria ser feito, portanto, a um nível descentralizado. Winker assume a necessidade de uma "revolução dos cuidados" (2015). Com base numa reorientação no sector dos cuidados, a "produção de bens e serviços" deve também ser redesenhada em função da necessidade e do valor de uso. No entanto, o trabalho de cuidados não deve tornar-se um constrangimento para os indivíduos. Winker, referindo-se a Habermann, é de opinião que já estamos a experimentar "formas embrionárias de tal coexistência [...] em projectos concretos de produção ponto a ponto com base nos ‘commons’". O trabalho remunerado e não remunerado e a economia capitalista devem ser abolidos. Apenas o trabalho e o lazer devem ainda estar sujeitos a uma distinção, a favor do lazer, sendo que Winker assume com Marx um "reino da necessidade" e um "reino da liberdade" (Winker 2018: 112). Deste modo, uma sociedade de solidariedade deve ser estabelecida para lá de classe, raça, género e padrão de desempenho (físico).

Mais uma vez, Winker subsume a lógica das actividades de reprodução e cuidados sob a lógica do valor (mais-valia); o dissociado feminino não deve ser algo independente em mediação dialéctica com o valor, mas o valor está sempre presente e é o primeiro. Para Winker, não existe uma metalógica da dissociação-valor que vá para lá do económico, nem com ela uma perspectiva que torna possível a hierarquia de género precisamente através disso, não deixando de forma barata o valor e o homem a dominarem sobre o feminino e o domínio da reprodução. É precisamente assim que se constitui a dominação capitalista patriarcal.

Os custos da dimensão da reprodução são o verdadeiro critério da definição de Winker dos cuidados no capitalismo. Ao fazê-lo, ela está no caminho da ontologia do trabalho. Tanto o trabalho remunerado como as actividades de cuidados são supostamente "trabalho", razão pela qual ela também determina ideias de uma futura sociedade emancipada (reino da necessidade – reino da liberdade) dentro de critérios de ontologia do trabalho. A crise da reprodução, porém, teria de ser determinada a partir da lógica da dissociação-valor e não a partir da necessidade de o capital recrutar novas forças de trabalho. Neste contexto, a contradição em processo entre matéria e forma, combinada com a dissociação do feminino, cria hoje mais desclassificados, excluídos, supérfluos e marginalizados do que trabalhadores assalariados para o capital (cf. Scholz: 2018). A crise desde os anos setenta teria de ser vista neste continuum, em vez de ser interpretada na imanência do valor (mais-valia). Desde então toda a sociedade da dissociação-valor tem estado a ficar fora de controlo. Se as mulheres têm vindo a trabalhar profissionalmente cada vez mais desde a crise dos anos setenta, tal facto já não pode ser desterrado para figuras de argumentação "bem sucedidas" a concluir pela mais-valia, mas testemunha desde há muito tempo a crise da constelação da dissociação-valor como um todo, na medida em que as mulheres estão cada vez mais envolvidas na esfera do emprego, mas esta esfera em si está a derreter cada vez mais, e com ela a massa de mais-valia que poderia ser redistribuída a financiar serviços profissionais. Assim, as actividades de cuidados são cada vez mais necessárias (razão pela qual são recrutados cada vez mais prestadores de cuidados estrangeiros), até porque podem ser prestados cada vez menos pelas mulheres, mas também cada vez menos podem ser financiados, daí também as taxas fixas por caso e afins.

Winker determina as suas visões utópicas a partir da perspectiva dos cuidados. A partir daqui deverá ter lugar uma remodelação de toda a sociedade, independentemente do facto de os cuidados terem sido sempre imanentes ao patriarcado capitalista. O rendimento básico, a redução do horário de trabalho e afins esbarram nos limites da viabilidade financeira. Escusado será dizer que a divisão do trabalho por género deve ser discutida numa perspectiva de dissociação-valor. No entanto, as ideias de democratização, de retirada do trabalho de prestação de cuidados da lógica da valorização, e da criação de conselhos de prestação de cuidados equivalem praticamente a uma nacionalização e municipalização do trabalho de cuidados, situação em que os e as assistentes sociais, gestores de projectos, prestadores de serviços pessoais poderiam esperar – dentro das actuais condições precárias – um posto elevado na administração da crise e nas suas instituições, que reconhecidamente teriam de ser patrocinadas pelo Estado social, mas já não o podem ser devido à falta de geração de mais-valia relativa. Donde se conclui que os cuidados devem ser retirados da lógica da valorização…

Winker apela à consideração da dimensão psicossocial como uma dimensão importante da sua abordagem dos cuidados, sem se alongar sobre isso. Beatrice Müller assume este nível numa modificação da minha teoria da "dissociação-valor" como “abjecção-valor”. Ao fazê-lo, no entanto, ela junta psicologia social e teoria social em termos de lógica da identidade.

 

2. Beatrice Müller: Uma reinterpretação marxista tradicional da teoria da dissociação-valor? Abjecção-valor versus dissociação-valor

Durante muito tempo a crítica da dissociação-valor foi ignorada ou omitida. Beatrice Müller é aqui uma das poucas excepções. Contudo, ela quer remodelar a dissociação-valor na abjecção-valor: "Parece necessária uma reconceptualização teórica porque Scholz, por um lado, representa uma variante de Marx que não permite repensar os actores e as relações de poder e, por outro lado, não teoriza suficientemente o contexto psicanalítico. Como resultado do deslocamento por mim efectuado, o contexto das relações de género patriarcais e do modo de produção capitalista surge na minha visão como forma de abjecção-valor (abjecção significando rejeição)" (Müller 2013: 33, cf. entretanto em detalhe: Müller 2016).

Pretende-se assim que a teoria e crítica da dissociação-valor seja tornada compatível com um certo entendimento do marxismo tradicional – alargado pela psicanálise. A ideia central de Müller será agora apresentada e criticada, a fim de esclarecer a diferença em relação à crítica de dissociação-valor e os seus contornos.

Para melhor entrar no plano psicanalítico Müller agarra-se principalmente a Julia Kristeva e vira-a em termos de “abjecção-valor” para explicar a inferioridade das actividades de cuidados: "O que é abjecto é o signo persistente da relação necessária do sujeito com a animalidade, com a materialidade e, em última análise, com a morte. ... Estas ameaças têm de ser negadas e descartadas", diz Müller, com base em Grosz (ibid., 36). Onde a "abjecção" é para ela um modus fundamental da ordem simbólica. "O (trabalho de) cuidados [...] é o trabalho relacional necessário de base corporal, que é excluído, tornado invisível e rejeitado em condições patriarcais capitalistas, porque desestabilizaria económica e culturalmente a sociedade capitalista patriarcal" (Müller 2016: 80).

Para Müller os cuidados e o trabalho de cuidados são pressupostos da forma económica do capitalismo. Ela baseia-se principalmente em Marx e no entendimento de fetichismo de Joachim Hirsch, que ela contrapõe à "crítica do valor fundamental": "Um entendimento do valor como forma social... proporcionado por uma abordagem analítica da forma, no entanto, permite a análise dos limites estruturais, por um lado, e das lutas e actores sociais, por outro. Além disso, com tal perspectiva pode ser percebida muito claramente a limitação do alcance da abordagem teórica. Esta reside na ‘determinação geral das formas sociais'... e não na análise das condições históricas concretas. No entanto, a análise das formas sociais pode servir como base e pré-requisito para análises concretas. Segundo Joachim Hirsch... ‘as formas sociais são formas reificadas e fetichizadas, a serem decifradas apenas através da sua crítica teórica, assumidas na relação recíproca entre indivíduos sociais de uma maneira independente da sua vontade e acção conscientes, e que moldam as suas percepções imediatas e orientações de comportamento: mercadoria, dinheiro, capital, direito, Estado." (Müller 2013: 41). Müller asume então as suas explicações em termos de abjecção-valor como base para estudos empíricos no sector dos cuidados ambulatórios (Müller 2016).

Müller empreende aqui a "colonização" da crítica da dissociação-valor com a teoria da regulação. Os limites internos do patriarcado capitalista, tal como afirmados centralmente por uma crítica do valor fundamental / crítica da dissociação-valor, são rejeitados com referência a Michael Heinrich, e assume-se uma processualidade no sentido da teoria da regulação, que não conhece nenhum colapso do capitalismo, mas assume por princípio que pode ser sempre encontrada de algum modo uma possibilidade de acumulação, portanto que o capitalismo é no fundo infinito.

Assim, a crítica da dissociação-valor é transferida para um contexto teórico contra o qual ela se vem demarcando há anos, para não dizer há décadas, e na realidade em discussões aprofundadas e em muitos lugares (ver, por exemplo, Kurz em relação à teoria da regulação, 2005, p. 423s.; Kurz, 2012, em relação a determinados entendimentos da análise da forma do valor à la Michael Henrich e Kurz/Lohoff, já em 1989, em relação a um "fetiche da luta de classes" de esquerda, cf., no entanto, a crítica em Scholz, 2008).

Assim o trabalho abstracto, como combustível e conteúdo da produção de mais-valia, é por ela referido às relações de classe, dependendo ele para Müller em última análise de um contexto de "luta" (ver sobre isso Kurz, que também afirma uma "substância material abstracta do fetiche do capital", mas duma perspectiva da crítica da dissociação-valor – Kurz, 2012, p. 192).

A crítica efectuada pela crítica radical do valor a outras abordagens marxistas é intencionalmente ignorada por Muller. Ignorado é também que uma despropositada confusão entre psicanálise e teoria social crítica é problemática, e que é descartada pela crítica da dissociação-valor, na tradição da crítica da identidade de Adorno. Uma vez que psicanálise e teoria social crítica pertencem a dois planos diferentes, têm de ser separadas como tais e simultaneamente pensadas em conjunto em termos de dialéctica negativa, no metaplano da dissociação-valor como princípio formal social, no entanto sem que as premissas (epistemológicas) sejam equiparadas (ver Scholz, 2011, espec. p. 124s.). A este respeito, pode ser constatada em Müller uma "fobia da lacuna" (Christine Kirchhoff).

 

No fundo a relação de género é psicologizada e mais uma vez deslocada para dentro do sujeito. Corre-se aqui o risco, portanto, de uma psicologização gritante não só da teoria / da crítica social em geral, mas especialmente, mais uma vez, da relação assimétrica de género. Central para Müller é a troca de mercadorias com base em Brentel e Heinrich, com as pessoas interagindo no mercado. O valor surge, no entanto, apenas dentro de uma relação social. Com recurso a Brentel escreve ela: "As categorias da economia burguesa, assim, ‘contrariamente à aparência de relações DE COISAS pré-dadas, devem ser decifradas como DETERMINAÇÃO DA RELAÇÃO ESPECIFICAMENTE SOCIAL e HISTÓRICA DOS SERES HUMANOS ATRAVÉS DOS SEUS TRABALHOS'" (Müller 2013: destaque no original). Ela refere-se aqui nomeadamente a Kannankulam, quando põe em agenda as relações de classe como relação central: "Marx analisou as relações sociais por trás da rigidez de formas naturais rígidas. Numa formulação mais concreta analisou as relações de classe que podem ser descritas como "combustível" e "conteúdo" da produção de mais-valia" (ibid.: p. 39).

É crucial para Müller que o processo de valorização do valor não só ignora as relações de classe, mas também os cuidados. A abjecção do trabalho de cuidados para Müller, portanto, é um pressuposto para a produção de mais-valia, sendo ela própria concretizada pelas relações patriarcais capitalistas. Müller escreve: "Sendo assumida a abjecção permanente dos cuidados e do trabalho de cuidados para fora da produção de valor, então há também – e isso parece-me ser central – uma estrutura fundamental da sociedade decididamente concebível de modo diferente. Porque, como consequência deste deslocamento pode ser assumido como combustível para a forma patriarcal-económica não apenas um antagonismo com base nas classes, mas sim um antagonismo de classes e um antagonismo entre os Outros abjectos e os não-abjectos" (ibid., p. 39, destaque no original). E ainda: "Esta forma (do capitalismo patriarcal, R. S.) em última análise apenas pode ser rompida pelas lutas comuns das classes e dos Outros abjectos." (ibid, p. 41).

Para Müller, no entanto, segundo sugerem as suas observações, quando ela parte de "contradições" sobretudo orientada em termos de teoria da regulação e gramscianos, trata-se sobretudo de "lutas" e "forças e contra-forças" contra o pano de fundo de uma determinação relacional vazia, de modo que o valor seria uma relação social, à qual depois se subordinaria exteriormente uma existência corporal. Tais teorias foram e são sempre aduzidas para evitar a possibilidade de colapso no contexto do "sujeito automático". Assim a forma, como entendida por Müller (ou Hirsch), na verdade significa “estrutura", que é separada dos processos sociais concretos, mesmo que, em seguida, estes sejam reconduzidos a esta forma/estrutura. Assim as categorias marxianas não são categorias reais, que tentam perceber um processo real e, assim, conceptualizá-lo como PROCESSO, mas primeiro está a estrutura, sobre cujo pano de fundo então a história real se pode reproduzir. Por outras palavras, não se vê que esta "forma"/estrutura já existe como tal EM PROCESSO pela sua própria natureza.

Torna-se assim claro que aqui se pretende que a crítica da dissociação-valor, como "ideologia hostil ao capitalismo", para usar as palavras de Boltanski/Chiapello (2006), entre mesmo em abordagens neomarxistas pós-modernas que não se atrevem a abalar a hipótese da continuação do patriarcado capitalista, mas na verdade se preocupam com a sua manutenção, para assim poderem continuar a civilizar melhor o "sistema" de maneira reformista até à sua suposta irreconhecibilidade, não obstante este "sistema" em decaimento realmente objectivo lhes gorar os planos.

 

3. Teoria crítica e feminismo hoje

 

3.1 Lisa Yadhoshara Haller: Capital, género, Estado

Para além das tentativas de casar diferentes variantes do marxismo tradicional com a crítica feminista, o tema teoria crítica / feminismo também está em plena expansão, na senda de uma viragem materialista. De seguida gostaria de abordar algumas concepções proeminentes que se encontram neste espectro. Começo pelas reflexões de Lisa Yadhoshara Haller sobre capital, Estado e género. De modo diferente de Müller, Lisa Yadhodhara Haller tenta compreender de novo o problema da análise da forma e das relações de género examinando a relação entre capital, Estado e género, a fim de prosseguir contra este pano de fundo a análise dos problemas da "parentalidade no capitalismo" em estudos empíricos. "Se nos servirmos do método de análise da forma de Marx e o utilizarmos para analisar actividades para além da forma do valor – tais como serviços de assistência – podemos imaginar como, através da rotina de realização de actividades, são adquiridas qualidades ou capacidades que numa perspectiva macro se parecem com características de género, por exemplo, as mulheres aparecem como cuidadoras [...] Assim, a divisão dos domínios de actividade é acompanhada pela formação de uma divisão de trabalho entre os dois sexos. Os domínios de actividade, que estão necessariamente divididos a nível macro devido ao seu diferente potencial de criação de valor, sugerem uma divisão complementar do trabalho com a coordenação de trabalho de cuidados e trabalho remunerado" (Haller 2018: 85).

À semelhança de Müller, ela recorre a Hirsch, Bentel, Backhaus etc. para depois determinar a relação entre o nível da estrutura (do valor) e o nível da acção, tendo em conta o Estado (Haller 2018a: 17ss.). Em primeiro lugar, a relação entre a acção e a estrutura: "Embora a produção intersubjectiva da diferença de género ocorra em inúmeras acções entre indivíduos, a sua multiplicação na acção quotidiana gera um certo conhecimento e transfere-o para uma relação: a relação de género". Seguindo Meißner, ela escreve ainda: "A invisibilidade do acto de produção dá uma indicação de que a produção da diferença de género 'não pode (ser) entendida simplesmente como uma intervenção intencional e propositada, mas como uma intervenção cujos motivos, e também efeitos, nunca são totalmente acessíveis e controláveis' [...] Embora as diferenças de género sejam generalizadas nas relações de género, estas só adquirem validade quando o público em geral se orienta efectivamente por elas. A institucionalização das relações consuma-se 'nas costas dos sujeitos'. O ponto de partida do processo em que os sujeitos se localizam em termos de género é formado por transferências de valores que, através dos direitos a benefícios, conduzem a uma separação entre os serviços privados de assistência e as formas públicas de troca" (Haller 2018: 86s.).

Ergo: "Porque esta ordem de género não é negociada colectivamente, mas generalizada no decurso de uma variedade de interacções, parece aos sujeitos uma ordem externa e, portanto, objectiva. Assim, as relações de género vividas pela maioria dos sujeitos, baseadas numa divisão rígida do trabalho, generalizam-se e tornam-se independentes como relação de género caracterizada pela desigualdade" (ibidem: 87).

Neste contexto, o Estado, uma vez que tem sempre de mediar entre a sociedade e os indivíduos, deve ser a instância que também regula o familiar e a sua relação com a sociedade e, portanto, também está envolvido na divisão do trabalho por género. Haller refere-se aqui ao debate sobre a derivação do Estado nos anos setenta e a Eva Genetti. "A forma que o Estado assume em condições na forma do valor, segundo Genetti, configura o enquadramento macroestrutural em que se constituem as relações de género [...] Para responder como isto acontece em detalhe, a análise da forma do Estado oferece outros pontos de contacto: Através do estabelecimento, financiado pelo Estado, de uma esfera privada, regulada soberanamente pelo direito privado, o Estado separa um do outro dois domínios de actividade, que constituem uma unidade para lá das formas económicas na forma do valor, e que também dependem necessariamente um do outro sob condições na forma do valor. Assim, a redistribuição de valor cria espaços livres para lá da forma do valor, nos quais a força de trabalho pode ser produzida, restaurada e mantida" (ibid.: 81s.).

Assim para Haller não há hoje uma crise do Estado, no máximo ela é implicitamente sugerida. Basicamente, as dificuldades da "parentalidade no capitalismo" são entregues à política (que está ela própria em crise!), em vez de ver que o próprio Estado tem um carácter primariamente patriarcal, e que isto mesmo é um problema.

No que diz respeito ao entendimento da sociedade, ela remete para Adorno e, neste contexto, para Becker-Schmidt e outras, que já tinham incluído o nível de acção e da estrutura per se: O "teorema de uma dupla socialização das mulheres engloba, por conseguinte, relações macro-estruturais contraditórias, combinadas com o recurso a uma teoria do sujeito de base psicanalítica, com os conflitos internos dos sujeitos que têm de se debater com as condições [...] No contexto dos processos de socialização, o aspecto do 'trabalho', entendido como uma actividade com o objectivo de formar uma subjectividade, assume um significado central" (Haller 2018: 49). Aqui, "assume-se uma relacionalidade entre o nível macro e o nível micro [...], segundo a qual as actividades necessárias para a reprodução social são divididas. Mas estas, por sua vez, estão reciprocamente relacionadas com as interacções com as quais os sujeitos produzem diferenciações de género" (ibidem: 50).

Ao contrário das suas afirmações de que inclui contradições, Haller coloca a estrutura e o nível estrutural de acção / psicológico numa relação harmoniosa (mesmo vendo ela certamente que tal estrutura é insustentável em relação à família e à dupla socialização das mulheres), contra o pano de fundo das comuns determinações da forma de Hirsch, Bentel etc., os quais não podem realmente deixar esta forma como está, mas têm como pré-requisito uma possibilidade imanente de acção dentro dela para a rebentar. Adorno, porém, escreve: "A verdade do todo está na unilateralidade, não na síntese pluralista; uma psicologia que não quer ouvir nada sobre a sociedade e ideossincraticamente insiste no indivíduo e na sua herança arcaica fala mais sobre a fatalidade social do que de uma que se adapta tendo em conta 'factores' sociais ou uma abordagem holística da ‘universitas literarum’ já inexistente" (Adorno 1998: 45).

Em vez de psicologia, poderíamos também falar aqui de interaccionismo simbólico. Haller também escolhe o que gosta das várias teorias para poder entrelaçar facilmente os níveis da acção e da estrutura, o que quase faz lembrar o funcionalismo estrutural, por exemplo, quando descreve uma característica comum "actividade" no marxismo e em abordagens micro, tais como o interaccionismo simbólico e a etnometodologia, como sendo uma base comum. Contudo, nestes últimos, actividade significa interacção simbolicamente mediada, o que é algo bastante diferente de em Marx. Gildemeister/Wetterer ainda em 1992 se distanciam polemicamente de uma teoria da divisão do trabalho por género e vêem a "produção" do género em micro-processos interactivos como a base da dupla sexualidade, em que mesmo as instituições ainda desempenham um papel subordinado (cf. Gildemeister/Wetterer 1992). Mais tarde, Gildemeister também pressupõe o nível interactivo como primário, embora ela tenha em conta pressupostos de normalização e processos de institucionalização na interacção. Contudo, a "defesa da teoria social" ainda está presente nela, constata também Becker-Schmidt (cf. Becker-Schmidt 2013: 36s.). Haller, no entanto, não aborda tais diferenças, uma vez que o seu interesse está principalmente na prática da investigação no que diz respeito a investigações empíricas, e as questões metodológicas só limitadamente entram no seu campo de visão.

Um interaccionismo simbólico não pode proceder senão em termos de individualismo metodológico, e a este respeito também pode ser tornado frutuoso enquanto tal. No entanto, é problemático quando Haller ignora as contradições entre a forma e o nível de acção e, em última análise, as deixa dissolverem-se em interacções, para deste modo chegar à independência das relações sociais. Mais uma vez a citação feita acima: "Porque esta ordem de género não é negociada colectivamente, mas generalizada no decurso de uma variedade de interacções, parece aos sujeitos como uma ordem externa e, portanto, objectiva. Assim, as relações de género vividas pela maioria dos sujeitos, baseadas numa divisão rígida do trabalho, generalizam-se e tornam-se independentes como relação de género caracterizada pela desigualdade" (Haller 2018: 87).

Becker-Schmidt e outras são por ela interpretadas como se estivessem conscientes de uma forma social, mas em vez disso elas equiparam-na a banais conceitos sociológicos. Mesmo quando são mencionados conceitos como mercadoria, valor etc., eles levam uma existência marginal, como pano de fundo. Também poderiam ser eliminados sem afectar a argumentação global e sem perda de substância. A forma / o nível macro é para elas uma "referência objectiva a actividade" ontologicamente concebida, ou seja, trabalho (Haller 2018a: 45). Deste modo, a história e o conteúdo são perdidos e escondidos, nomeadamente na medida em que Becker-Schmidt, mas também Gudrun-Axeli Knapp em particular, estiveram envolvidas numa desdramatização sociológica da relação hierárquica de género e forneceram fórmulas ocas para a sua determinação sem a trazer ao conceito, sendo esta determinação da forma (no seu caso: a troca) acrescentada apenas externamente. Na essência, entregam-se à relacionalidade vazia das relações, que só formalmente tem um fundo de forma, que Haller agora lhes imputa. Adorno, designadamente no seu ensaio sobre a sociedade, deu um pouco aso a isso (Adorno 1998a); contudo, a sua obra como um todo não deixa dúvidas de que teria desaprovado uma abordagem tão analítica da forma e acanhadamente sociologista, embora Adorno também tivesse de ser corrigido em termos de dissociação-valor. De facto, Becker-Schmidt e Knapp movem-se assim num nível sociológico meso, que não faz justiça à "forma" nem às "dimensões micro" (e de facto para lá das referências afirmativas aos pseudo-sujeitos com as correspondentes necessidades que caíram nas condições reais). Em vez disso, a dissociação-valor teria de ser determinada como o nível macro, o nível interaccionista como o nível micro, e o nível da "dupla socialização das mulheres", com Regina Becker Schmidt, como o nível meso.

É verdade que Haller se limita: "E aqui, ao lidar com as relações económicas, a coisa torna-se realmente complicada para nós, feministas materialistas. Pois os domínios divergentes de actividade remetem uns para os outros, mas não são conciliáveis sob o capitalismo" (Haller 2018: 87).

Contudo, isto não é simplesmente um problema de conteúdo, mas teria de ser abordado em si a um nível fundamental para determinar os níveis micro e macro. No caso de Haller, existe também uma "fobia da lacuna" em relação aos níveis da estrutura e da acção, como já vimos com Müller em relação ao nível psicossocial, o que em princípio funde ambos os níveis e ainda atribui um nível macro a Becker-Schmidt & Cª.

Ela não chega assim a uma dissociação do feminino, em oposição à forma do valor e em cruzamento dialéctico com esta como forma da ausência de forma, que é o que constitui a dissociação-valor como princípio da forma em oposição àquela, razão pela qual também tem de ser pensada não como hermética, mas como fragmentária desde o início. Neste contexto, Haller não vê uma crise fundamental objectiva do capitalismo. Assim também não pode ver que toda a harmonia de estrutura e acção, que ela no fundo pressupõe, está hoje ainda mais a rebentar pelas costuras. A ideia de uma contradição em processo no sentido da crítica da dissociação-valor é-lhe estranha. Por outras palavras, Haller não está consciente da "funcionalidade disfuncional" (Stückler 2019) do patriarcado capitalista de hoje. Isto também é evidente no facto de ela não colocar as suas pesquisas no contexto de um "asselvajamento do patriarcado", em que as instituições de trabalho remunerado e família estão hoje em erosão.

É de notar que Haller, ao contrário de Vogel, Winker e outras, não se limita a subsumir actividades de cuidados sob a geração do valor (mais-valia), mas agarra-as na sua própria qualidade e, nisso estando dialecticamente ligadas ao valor. No entanto, fá-lo – como já foi mencionado – definindo actividades (também no sentido do interaccionismo simbólico) e trabalho como factos ontológicos, não ascendendo assim à dissociação-valor como o verdadeiro nível da forma.

Ora o que é que Haller quer alcançar como consequência? Ela quer uma valorização das actividades de cuidados!

Haller está positivamente preocupada em primeiro lugar com o que imanentemente parece ser transcendente. Ela ignora por completo o facto de que os cuidados também são algo completamente imanente, e não só não têm de ser divertidos (independentemente de serem feitos por mulheres ou homens), mas a sua dissociação ou a divisão de esferas em valor e actividades de cuidados também já significa em si uma reificação. Isto é algo que ela menciona mas a que não dá realmente seguimento. No fundo, as actividades de cuidados – e mesmo num sentido antropológico – são para ela o centro da socialidade em geral, o que ela tem em conta contra a dominação do "valor". Aqui ela junta descomplicadamente o nível da forma e o lado psicossocial à semelhança de Müller, "estrutura e acção" estão agora juntas sem complicações. Em todo o caso, para Haller, uma classe personalizada de capitalistas não é a raiz de todo o mal. No entanto, também não chega a falar de um patriarcado capitalista, também para ela tudo se passa no "capitalismo".

 

3.2 Sarah Speck: Sociologia, teoria crítica e feminismo

Sahra Speck, por outro lado, não quer saber de nenhuma forma. Para os seus estudos empíricos, também ela retoma a visão sociológica de Becker-Schmidt, e chega à conclusão banalmente correcta de que o homem já não é o ganha-pão da família e a mulher já não é uma mera dona de casa. Ignora-se completamente que Becker-Schmidt & Cª celebraram a "dupla socialização" das mulheres (a sua responsabilidade pela família e pelo trabalho) como não idênticas, apesar de todos os lados negativos que também enumeram e dos quais a resistência aumentaria. O escândalo do duplo fardo, que Speck também aborda e que é típico das condições pós-fordistas, foi escrito em letras pequenas, enquanto que as "resistências" foram escritas em letras grandes. Becker-Schmidt/Knapp não foram, portanto, pioneiras de uma crítica social radical de maneira crítica e feminista, mas sim, com um Adorno reducionista, executoras da pós-modernidade no espírito do tempo, no contexto de uma ética do trabalho e de uma lógica patriarcal capitalista imanente, com um desajeitado disfarce sociológico "sério", que deste modo ainda legitimava "criticamente" o espírito do tempo pós-moderno. As mulheres são levadas a sério no seu ser-assim limitado e tomadas pelo valor nominal, e em vez de as verem como imanentemente limitadas, vêem a família e o trabalho remunerado como premissas inelutáveis da sua "emancipação" (cf. Scholz 2011: 73ss.).

De acordo com Speck, a teoria crítica é central para o feminismo, na medida em que põe o foco tanto em "contextos sociais globais" como na dimensão psicológica, numa perspectiva interdisciplinar. Neste contexto, um "pensamento dialéctico em contradições, tensões e paradoxos" deve ser tornado fecundo na ciência feminista, uma vez que a empiria e os diagnósticos do tempo testemunham precisamente tais contradições, sendo que eles – muito justificadamente – são exigidos por uma "confrontação com o próprio ponto de vista crítico" na tradição da teoria crítica (Speck 2018: 64s.): O nível fundamental, a dissociação do feminino no sentido categorial de uma contradição em processo, que teria de ser redefinida qualitativamente na sua dimensão teórica nesse sentido, não só é deixado de fora, como é sufocado no sociologismo. Nisso tal crítica acaba por permanecer sem conceito. Só nos últimos anos é que surgiu de algum modo uma crítica do fetiche em Becker-Schmidt (ver, por exemplo, Becker-Schmidt 2016: 91), provavelmente desencadeada por uma moda do fetiche no debate da esquerda desde cerca de 2005 (cf. Scholz 2014). É significativo que Becker-Schmidt escape geralmente sem qualquer crítica em toda a discussão (feminista) e seja considerada a grande representante de uma teoria crítica feminista. A universidade tenta assim dar-se ares de crítica radical como instituição fossilizada mesmo na crise fundamental. O pensamento mal abstracto em contradições, tensões, paradoxos etc. é também característico de outras teóricas feministas, como mostrarei depois, sobretudo com referência a Tina Jung.

Não deve ser negado que Haller, Speck, e também Müller desenterraram valiosos conhecimentos de estudos empíricos (que não serão aqui discutidos porque estamos a lidar com hipóteses teóricas fundamentais), mas que, contra o pano de fundo de hipóteses "mais transversais" de divisão-(dissociação)-valor, hoje não fazem justiça à crise global da sociedade da dissociação-valor, que não deve ser reduzida a um contexto de "cuidados". As mulheres não são apenas enfermeiras e mães duplamente socializadas e parceiras de relacionamento! Neste contexto, deve ser visto que a dissociação-valor representa o contexto basilar, e não apenas de "capitalistas", mas sim de relações patriarcais capitalistas, para lá de uma caracterização construída das mulheres que hoje (têm de) fazer o seu serviço como administradoras da crise "duplamente socializadas" na decadência do patriarcado capitalista. A lógica da dissociação-valor determina a estrutura da sociedade como um todo.

 

3.3 Barbara Umrath: Teoria crítica e estudos de género nas ciências sociais

O estudo sistemático da ligação entre relações hierárquicas de género e teoria crítica tem sido até hoje um desiderato. Esta lacuna está agora a ser preenchida por Barbara Umrath no seu livro "Género, família, sexualidade: O desenvolvimento da teoria crítica na perspectiva dos estudos de género nas ciências sociais" (Umrath 2019). Ela também trata da ligação entre "modo de produção e relação de género" (ibidem: 16), onde entende "materialismo" no sentido da teoria crítica, em termos da sociedade como um todo, ou seja, os níveis culturais e subjectivos também são incluídos. A teoria crítica, contudo, é também associada ao "materialismo histórico"; como se esta não se tivesse constituído como entidade separada em relação ao marxismo tradicional e não tivesse incluído a dimensão psíquica e cultural (cf. ibid.: 29). Como o título do livro sugere, a sua investigação tem lugar ao longo dos campos temáticos do género, da família e da sexualidade (evidentemente que não pode ser aqui tida em conta toda a complexidade das exposições de Umrath). Ela contradiz leituras feministas que criticam a teoria crítica (por exemplo, a "Dialéctica do Iluminismo") por apenas produzir clichés de género, e a literatura secundária por não ter em conta as questões de género, ou por não as ter suficientemente em conta. E demonstra que o problema do género foi investigado em muito maior medida na teoria crítica, e que ainda há nela um pouco que continua por superar na teoria feminista, mesmo que este problema não tenha sido sistematicamente investigado. "A crítica da teoria crítica [...] não é 'apenas' dirigida ao capitalista, mas também ao carácter patriarcal da sociedade burguesa. A 'emancipação da mulher' [...] requer nada menos do que uma mudança fundamental de toda a formação social a nível macro, e uma mudança profunda dos sujeitos socializados e da sua composição psíquica a nível micro. Característica da teoria crítica é assim um pensamento conjunto de várias relações de poder, desigualdade e dominação, que só analiticamente podem ser separadas, bem como a percepção de que estas, por sua vez, estão constitutivamente ligadas a certos modos de subjectivação [...]. No entanto, os teóricos e teóricas críticos lutam com a questão de saber até que ponto a emancipação significaria a adesão à diferença de género, ou uma 'superação' no sentido de androginia" (ibidem: ênfase no original). Umrath também entrou nos arquivos, trazendo à luz muitas coisas desconhecidas, ou que não receberam atenção suficiente. Além disso, dá voz a autores pouco divulgados, como Ernst Schachtel, que já tematizou relações jurídicas, relações de género e classe (ibid.: 203ss.).

Globalmente, Umrath conseguiu dar um novo olhar à teoria crítica, diferente das leituras anteriores no feminismo, que se agrupavam principalmente em torno do sujeito feminino. Ela constata que, dependendo do ponto de vista, assume-se que a teoria crítica tem um centro: Crítica da economia, relações de classe ou dominação da natureza (ibid.: 66).

Mas, pelo menos para Adorno, a troca é um "facto fundamental" da sociedade, como ele deixa claro em vários lados, por exemplo na Polémica do Positivismo, no texto "Sociedade" ou na "Dialéctica Negativa". Isto significa que, a um nível mais profundo de análise social, ele está preocupado com o problema da forma social e da sua independência. Na minha opinião, Umrath presta muito pouca atenção a este problema. Em vez disso, seguindo Neupert-Doppler, ela critica: "A força de uma teoria da sociedade como 'totalidade' e relações sociais autonomizadas reside em 'apontar não possibilidades de emancipação, mas as suas dificuldades' [...], como Alexander Neupert-Doppler tão apropriadamente escreve, tendo em conta a forma e a crítica do fetiche segundo Marx, em cuja tradição a teoria crítica também se move. Ao fazê-lo, preserva indirectamente ao mesmo tempo a ‘utopia de uma possível libertação futura’, que se agarra a uma ‘saudade do inteiramente Outro’ para além das formas da sociedade actual" (ibidem: 262). Neste contexto, ela critica a teoria crítica: "Ao dirigir o seu foco para a representação das mulheres, a recepção feita pelos estudos das mulheres apontou assim simultaneamente para um limite fundamental do entendimento da teoria crítica da sociedade, que é característico da teoria crítica: uma teoria da sociedade como 'totalidade' e relações sociais autonomizadas tende a não perceber suficientemente a 'lógica própria' nas práticas dos actores sociais, e a não dar espaço suficiente aos seus auto-entendimentos. Neste sentido, a teoria crítica também está pouco inclinada a atribuir aos movimentos a possibilidade de uma mudança emancipatória do todo em momentos especiais" (ibid.: 261s.). No final, embora Umrath concorde com a teoria crítica em que não pode haver emancipação sem a emancipação da sociedade, ela está na orientação subjectiva. Em vez disso, teria de ser colocada no centro a forma fetichista de socialização e a sua autonomização, que é produzida pelos próprios indivíduos, para que as orientações subjectivas e de movimento não sejam degustadas na sua abstracção, como foi e é amplamente o caso na esquerda e no feminismo, que de um modo geral pouco querem saber de um contexto fetichista. No entanto, o foco aqui não deve ser a troca, mas a dissociação-valor como contexto social basilar e, em relação com isto, os níveis material, cultural-simbólico e psicossocial, na sua separatividade e simultânea mediatidade.

Umrath, pelo contrário, favorece as perspectivas de Erich Fromm e especialmente de Herbert Marcuse (ver abaixo), que sugerem perspectivas práticas, e ao fazê-lo, tomam as mulheres e o feminino em conotação positiva como instância utópica, por assim dizer extrateoricamente.

É também problemático que Umrath tome os estudos de género, que determinaram a orientação dos estudos das mulheres desde os anos noventa, como padrão para avaliar a teoria crítica, ou que queira mediá-los com a teoria crítica. Os estudos de género têm sido desacreditados em ampla frente no contexto feminista desde a última década (não posso entrar aqui em detalhes – ver, por exemplo, os trabalhos de Tove Soiland). Muitas vezes pretende-se hoje em dia mediar entre si os estudos de género e a questão da classe. A problematização da teoria do género nos últimos anos é mencionada pela Umrath, mas não é explorada em pormenor.

Umrath vê a força da teoria crítica no facto de ela analisar as relações multidimensionais de dominação, não só capitalista e patriarcal, mas também "dominação da natureza e anti-semitismo moderno [...] Segundo a teoria crítica, tudo isto forma um complexo de dominação", pelo que se trata de "um todo marcado por disparidades e contradições [...]" que precede o indivíduo e, no entanto, também tem de ter em conta a constituição dos sujeitos na sua intersubjetividade, sem cair na "personalização, moralização e voluntarismo". Em vez disso, as perspectivas interseccionais são muitas vezes limitadas a questões subjectivas individuais de discriminação, não representação etc., sem análises estruturais. Aqui, no entanto, as dimensões globais da desigualdade e da dominação também teriam de ser (teoricamente) incluídas (ibid.: 378ss., ênfase no original).

Marcuse recebe um reconhecimento especial neste contexto. "Marcuse desenvolve o que é provavelmente o esboço mais abrangente de emancipação [...] no seu envolvimento com o novo movimento de mulheres: A emancipação é entendida por ele como um processo, no decurso do qual os modos de trabalho e o objectivo da produção mudariam, tal como mudariam a sexualidade e as relações de género, o sentimento sensível e a razão", o que incluiria um "potencial queer". Umrath também refere o debate marginal sobre homossexualidade, que segue a abordagem de Marcuse (ibid.: 45ss.).

Ela preocupa-se assim em utilizar a teoria crítica para "desenvolver novamente a coragem para o pensamento utópico" (ibidem: 381). Embora Umrath esteja ciente das disputas de Bovenschen/Schuller com Marcuse (1978 – não podemos entrar aqui em detalhes), ela refere-se a ele positivamente no que diz respeito à sua problemática construção da feminilidade como ideia de utopia.

Os trabalhos da crítica da dissociação-valor, em que uma dissociação-valor que automaticamente se relativiza funciona como um nível macro, são mencionados fugazmente por Umrath, mas não há nenhum debate com eles. Talvez isto se deva também ao carácter de uma tese de doutoramento, onde o quadro académico é mais importante do que o envolvimento com argumentos (Andrea Maihofer e Regina Becker-Schmidt, juntamente com Heike Brunkhorst, foram as orientadoras do doutoramento).

 

3.4 Tina Jung: Crítica e política na teoria crítica e na teoria feminista

Se Umrath chega directamente à variante da práxis da teoria crítica com Marcuse, Tina Jung faz aqui um desvio através do caminho teoricamente pesado de Adorno e Horkheimer, especialmente da "Dialéctica do Iluminismo" (Jung 2016). No seu livro, compara tanto a anterior teoria crítica (especialmente de Adorno/Horkheimer) como a "crítica reconstrutiva" de Jürgen Habermas & Cª (ibid.: 128s.) com as teorias feministas e com a sua relação com a crítica e a política/práxis. Ignorarei a "crítica reconstrutiva" nas minhas observações, uma vez que não é o tema deste artigo. De resto Jung também a rejeita em grande parte. Basicamente, ela afirma: "A actividade científica e a teoria crítica não são, portanto, um fim-em-si, mas situam-se num quadro de referência à sociedade". Esta é a diferença relativamente a um "entendimento tradicional da ciência" (ibid.: 255). A teoria feminista também critica o androcentrismo da ciência. "A ciência e a elaboração da teoria crítica são entendidas como uma actividade política e social que visa normativamente o desmantelamento das relações de dominação. Já em Horkheimer e Adorno, e ainda mais na teoria feminista, as específicas condições de possibilidade da teoria social crítica entram numa visão auto-reflexiva e autocrítica – e tornam-se assim objecto de uma política da verdade, que visa mudar ou mesmo revolucionar o campo da ciência num sentido material (por exemplo, restaurar as condições de possibilidade de 'comportamento crítico') [...] A política da teoria pode consistir, por exemplo, em desenvolver uma abertura, activando e possibilitando perspectivas sobre a realidade, ou em instigar reflexões que permitam às pessoas formar uma 'atitude crítica' ou 'comportamento crítico', que seja a base para moldarem as suas próprias vidas" (ibid.: 256). Jung admite, contudo, que a teoria crítica mais antiga não se concebeu como "política" no sentido do conceito comum de política; quase nunca comentou a política. Isto é diferente com a teoria feminista: a crítica feminista "submete [...] o objecto 'política' a uma dissolução explícita das fronteiras [...] A democracia, o Estado, as formas convencionais e não convencionais de participação e os/as protagonistas políticos tornam-se a ocasião e o objecto da crítica feminista. Ao mesmo tempo, porém, a dimensão da política que compreende teoria e política como uma forma de política é também objecto de uma reflexão crítica e de uma discussão feroz" (ibidem: 257). Jung resume: "Os limites e as diferenças entre ciência e política não devem ser demasiado descuidados em nome da sua 'unidade' e inter-relação mútua, como se pode argumentar seguindo a teoria crítica mais antiga e as abordagens feministas que lhe são próximas neste ponto. Aqui, a ciência e a elaboração teórica parecem estar desobrigadas da acção, e podem ou devem permitir-se uma tolerância ambivalente, que não é necessariamente sustentável sob a pressão da acção na prática. Pelo contrário, a diferença entre ciência e política deve ser trabalhada com intenção crítica, de acordo com um argumento feminista" (ibidem: 257). No entanto, Jung aponta para os diferentes contextos em que surgiram a teoria crítica mais antiga (nacional-socialismo/Holocausto) e a teoria feminista. Ela vê uma "política de distanciamento" especialmente na "Dialéctica do Iluminismo" (ibid.: 259).

No movimento de mulheres mais recente, a unidade da ciência e da política foi inicialmente enfatizada. No entanto, há já algum tempo que há queixas de que a teoria feminista se tem distanciado cada vez mais da política e, simultaneamente, da "academização e profissionalização da ciência feminista" e de uma conexa desradicalização final. Jung não quer concordar com isto sem reservas: "No entanto, a ciência feminista não perdeu completamente a sua dimensão prática – continua a funcionar como um quadro de referência, como fonte de palavras-chave e como produtora de conhecimentos concretos sobre o género em várias formas de prática feminista. Verifica-se que o conteúdo político da teoria feminista [...] também já é produzido pelo método da crítica, pela sua orientação, pelo tipo de problema – e produz a construção do objecto – e não apenas por um momento de imediata proximidade à práxis ou pela 'aplicabilidade' de estratégias políticas feministas extrateóricas" (ibid.: 261).

Por princípio Jung constata: "Em geral, no caso de teorias sociais críticas, é importante aplicar um conceito amplo de política, que não só seja capaz de tematizar diferentes dimensões da política / do político, mas também vá além dos aspectos dos objectos clássicos da teoria política (como o Estado, a democracia, a política constituída) para fazer perguntas sobre dominação e emancipação em geral como formas de teorização política. Perspectivas de investigação baseadas numa compreensão estreita da política passam sistematicamente ao lado do conteúdo político da crítica nas teorias críticas e feministas" (ibidem: 262).

Segundo Jung, tanto para a teoria crítica como para o feminismo trata-se de uma "crítica da razão, da sociedade e do sujeito" (ibidem: 264). Em contraste com o pessimismo da teoria crítica mais antiga, a teoria feminista é mais positiva: trata-se para ela da "questão da ligação e diferença, continuidade e mudança na estruturação autoritária das sociedades modernas". Aqui, as análises feministas apontam para constelações contraditórias (por exemplo, entre a ordem moderna do género e as visões modernas de emancipação), das quais surgem concretamente as rupturas a que os movimentos feministas podem ligar-se" (ibidem: 265).

Com Gudrun-Axeli Knapp, ela apela a "suportar realidades ambivalentes" (Knapp citada em Jung: ibid.: 267). Ao fazê-lo, a teoria feminista tem de questionar-se sempre sobre o seu enredamento nas condições dadas. Aqui, Jung volta a diferenciar-se da teoria crítica mais antiga, que rejeita uma ligação à prática política. Ela fala contra uma postura de "mensagem na garrafa" e, em vez disso, defende o "lançamento de tomates", ou seja, a acção política. "No entanto, a elaboração teórica feminista está consciente da tensão entre 'dissidência e participação' [...] em que entra [...] A participação aparece como um pré-requisito precário para a mudança. Não é a retirada, mas uma ofensiva política de localização, que clarifica criticamente a própria localização, é que constitui a resposta feminista à percepção do carácter social e político da ciência". Além disso, seguindo Knapp, ela escreve: "É precisamente esta (auto-)reflexividade, a possibilidade de dissidência e de lidar com fundamentos aporéticos no 'nós' feminista que é vista como o motor central da capacidade inovadora e da dinâmica produtiva da elaboração teórica feminista" (ibid.: 269s., ênfase no original).

Jung vê o terreno comum entre a teoria crítica mais antiga e a teoria feminista, registe-se, na seguinte constelação: ambas "insistem num entendimento da crítica como comportamento político crítico, que ainda não corresponde aos seus próprios conceitos, tendo em conta os elementos que possam conter de exclusão dos sempre 'Outros', dos desvalorizados, dos considerados desviantes e objecto de desconfiança. A crítica é condicionada pela experiência histórico-social e tem por objectivo apontar possibilidades alternativas de acção. Ambas as variantes teóricas defendem um certo conceito de verdade, ou a ideia de que pode ser defendida a reivindicação de um "geral" ou de uma "razão geral". No entanto, ligam isto ao momento da prática cooperativa e da "verdade partilhada" do maior número possível, que tem necessariamente de permanecer aberta ao que é considerado ‘particular’". Deste modo, "[visam] iluminar contextos complexos e contraditórios da experiência e, para isso, partem do campo de tensão entre o real e o possível" (ibidem: 264).

 

Em Jung, pode reconhecer-se uma ontologia de resistência, contradição e ambivalência (em contraste com Haller, que confunde diferentes níveis e faz deles uma "concepção" compacta e manejável). O "carácter contraditório ou ambíguo da realidade social é o ponto de partida decisivo tanto para a teoria crítica como para a teoria feminista" (ibid.: 265). Consequentemente, ela refere-se a Becker-Schmidt/Knapp no seu livro (ibid.: 189ss.). Assim permanecendo como estas no nível sociológico da aparência. Ela não conhece uma forma social nem a sua crítica, e define as relações sociais não por último como um complexo, no sentido de uma ligação relacionalista de diferentes esferas e relações de género, da qual resultariam então, por princípio, contradições, ambivalências, não-simultaneidades e diferenças.

É assim estranho a Jung um contexto social basilar como a dissociação-valor, contexto do qual emergem então tais tendências na superfície social, no desenvolvimento desde a modernidade até à pós-modernidade. Deve também notar-se que um entendimento da sociedade como uma estrutura contraditória não dá necessariamente origem a um potencial de resistência e emancipação. Como é bem sabido, também existem, por exemplo, mulheres com orientação de direita, que querem voltar às relações tradicionais de género por causa do duplo fardo, há também gays e lésbicas na AfD, migrantes que são nacionalistas alemães etc. que se mostram na actual estrutura contraditória da socialização da dissociação-valor em decadência. A natureza anti-sistémica da teoria crítica de Adorno é determinada na e através da crítica do princípio da troca, ou seja, contradições, ambivalências, não-simultaneidades não se sustentam, por assim dizer, simplesmente por si. Neste contexto, a crítica do princípio da troca, na perspectiva aqui representada, teria naturalmente de ser substituída por uma crítica da dissociação-valor como contexto basilar, como já foi dito repetida vezes. É precisamente a relação assimétrica de género que necessita de um conceito, pois é a relação de dominação mais obscura de todas, em vez de a tornar à partida ainda mais confusa, através de determinações sociológicas e de uma complexidade nebulosa.

Em Jung esta ontologia da resistência inclui também uma ideologia do progresso. A era pós-moderna do feminismo, especialmente na década de 1990, com os seus processos de adaptação às condições existentes e ao empreendimento académico, bem como as respectivas críticas, são amplamente discutidas. No entanto, estas últimas acabam por ser relativizadas, até surgir uma narrativa de resistência e contradição que, depois de muito pingue-pongue dialéctico, acaba por ir parar à mediação de uma relação teórico-prática com inclinação prático-política, hipostasiando esta como a última palavra em sabedoria. Assim, as observações de Jung equivalem na realidade a uma falsificação da história. As objecções das críticas feministas, que têm resistido e continuam a resistir à adaptação, são de facto irrelevantes. Afinal, a teoria feminista é também alimentada por perspectivas políticas, e há também transferências de pessoal da esfera científica para a política e vice-versa. Também o feminismo estatal há muito que tem sido alvo de críticas, como a própria Jung deixa claro. A teorização feminista extra-académica, como a crítica da dissociação-valor, por maioria de razão está ausente no trabalho de Jung. Quando ela insiste na autonomia da teoria, refere-se sempre à produção académica da teoria crítica no feminismo, sem realmente problematizar a sua submissão ao empreendimento académico.

É mencionado o facto de que a teoria crítica de Adorno e Horkheimer queria escapar às restrições da universidade, mas finge-se que as suas descendentes feministas ainda estão nessa viagem, como se a teoria crítica só tivesse batido no fundo com Habermas & Cª e não também com as suas filhas e netas social-democratas e verdes no feminismo. Jung esboça basicamente um cenário de resistência apenas dentro de um empreendimento científico e político institucionalizado. Resistência e tendências para além disto não lhe ocorrem de todo. A este respeito, um tédio da teoria e da prática feministas ainda recebe aqui a sua consagração dialéctico-teórica. Jung sugere também que tais abordagens, mesmo marginalizadas, constituíram ainda essencialmente o feminismo nas últimas décadas. Nem uma palavra sobre o facto de que a crítica social radical já não contava para o desconstrucionismo, também por ela bem apreciado e que determinou o discurso hegemónico.

Também é preciso salientar aqui que as Meninas Alfa frequentemente incriminadas, os media burgueses como "Die Zeit" e também as actrizes de Hollywood foram os primeiros a oferecer novamente resistência feminista na prática, e as orientações feministas e de esquerda nesse sentido apenas depois os seguiram ou em grande parte se formaram. Isto também contradiz uma narrativa de resistência e progresso em grande parte ininterrupta do feminismo de esquerda. Em muitos aspectos, o novo "feminismo materialista" teve mesmo de ser forçado à sua sorte noutro lugar.

Além disso, Jung utiliza um conceito inflacionário de política, que supostamente abrange toda a resistência, no sentido de "o privado é político". Mesmo um confronto com o nacional-socialismo, tal como se encontra em Adorno/Horkheimer, tem agora de ser declarado político. Aqui o conceito de democracia é para ela sacrossanto. A democracia já não precisa de ser examinada mais de perto e criticamente como conceito central, no sentido de que é a forma correspondente de governo da socialização da dissociação-valor, mas é entendida como algo por si só positivo.

Mas, entretanto, outro desenvolvimento já se tornou notório desde a publicação da obra de Jung. Embora ela ainda apresente a relação entre desconstrucionistas e feministas sócio-críticas como harmoniosa, estalou abertamente uma disputa entre estas perspectivas – ver, por exemplo, a discussão em torno do volume "Reflexões mordazes" (l'Amour laLove 2017), mas também a disputa entre as professoras Sabine Hark/Paula Irene Villa e a investigadora feminista Barbara Holland-Cunz, que levou à demissão desta última da universidade, bem como à interrupção de todo o departamento da Universidade de Giessen porque, segundo Hark/Villa, trabalhavam não cientificamente (cf. Rukaj 2020).

 

4. O sujeito político mulher, as realidades vividas das mulheres e a "experiência" como base da política feminista. "Outside the Box": A queda de uma revista?

Hoje também está a experimentar um renascimento (e também na obra de Jung) o conceito de experiência, que já no passado tinha desempenhado um papel importante no feminismo. Que hoje se insista novamente na "experiência" (feminina) deve-se provavelmente também ao facto de agora o "materialismo" estar de novo a erguer a cabeça, após os tempos de chumbo do desconstrucionismo. O último número da revista feminista "Outside the box", que até agora tem estado muito próxima da teoria crítica e de um feminismo teórico, por assim dizer, distanciado, também faz deste tema o seu foco (Outside the box, 2019). O meu objectivo de seguida não é rever toda esta edição, mas apresentar e criticar a referência geral que percorre como um fio condutor toda a edição, referindo-me a artigos seleccionados.

Num debate com textos de Laura Penny e Margarete Stokowski, Constanze Stutz opõe-se a uma hipóstase da experiência na cultura pop feminista. "Penny e Sokowski criam narrativas e classificações para ilustrar as suas experiências de dor, sofrimento ou insucesso, como multiplamente partilhadas e socialmente mediadas. No seu trabalho, porém, o sujeito político mulher é substituído pela condensação das experiências individuais numa subjectividade feminina de sofrimento [...] Outros objectos ou campos de batalha, fora do próprio narcisismo corporal e sexual na luta pela capacidade de agir, tais como a diferenciação salarial, a distribuição desigual do trabalho ou do acesso aos recursos, desaparecem na lista interminável de campos temáticos que ainda têm de ser abordados e combatidos, mas não são objecto de análise" (Stutz 2019: 11). Stutz critica o facto de as considerações da teoria social estarem em grande parte ausentes daqui. "Não se desenvolve um entendimento da razão pela qual o ódio às mulheres concretas e a tudo o que é feminino continua a abrir caminho, e de onde provém a perpétua compulsão à repetição na história feminista" (ibidem: 13). O capitalismo e o patriarcado não são tematizados. Com "compulsão à repetição", um conceito que Stutz adopta de Karina Korecky, ela significa que até hoje "as feministas [têm de] lutar uma e outra vez para encontrar as suas próprias respostas a experiências em grande parte não reconhecidas. A compulsão à repetição é impulsionada pela dificuldade fundamental da historiografia feminista e pelo esquecimento social dos conhecimentos já adquiridos e conquistados [...] Assim, apesar de toda a flexibilização, o velho permanece no novo" (ibid.: 10). Por muito correcto que seja tudo o que Penny e Stokowski escreveram, segundo Stutz, elas queriam principalmente fazer do "feminismo um estilo de vida" (ibid.: 14).

Num certo sentido, Stutz critica assim um equivocado recurso à "experiência", que acaba por deixar de fora a teoria social e a política. No seu texto "A outra mulher. Experiências feministas como base da política feminista", Koschka Linkerhand tenta colocar a experiência, a teoria e a política numa apropriada relação (de tensão), insistindo numa "mulher sujeito político" como "conceito de luta". Ela também traça a história do segundo movimento de mulheres, e aborda particularmente o feminismo queer, em que a "experiência feminina entre igualdade e diferença" lhe parece particularmente relevante (Linkerhand 2019: 20).

Também faz uma breve passagem pela história do movimento femininista desde 68. Enquanto no início estavam no centro o "nós" e o sujeito político mulher, bem como a experiência feminina de sofrimento da opressão, rapidamente se fizeram notar as diferenças no movimento das mulheres. Lésbicas, transfeministas, mulheres judias, mulheres negras e, após a queda do Muro de Berlim, as mulheres do Leste afirmaram a sua própria visão das coisas. "Parte da dor que as feministas infligiram umas às outras nestas lutas resultou da dificuldade em estabelecer a experiência feminina como base da sororidade feminista, sendo porém confrontadas com as diferenças entre as mulheres. A Outra provou não ser simplesmente uma mulher, mas outra mulher" (ibid.: 21, destaque meu). Linkerhand culpa por esta situação uma mudança nas relações de produção. A dona-de-casa e o homem como ganha-pão da família estavam agora obsoletos. As leis foram alteradas em conformidade (por exemplo, as mulheres eram agora autorizadas a trabalhar sem a permissão dos maridos). De acordo com Linkerhand, as exigências feministas eram compatíveis com o sistema. Foram implementadas pelo Estado e o feminismo institucionalizou-se.

Após o colapso do Bloco de Leste, o sujeito político mulher foi posto em causa, tal como o sujeito movimento operário. As diferenças entre mulheres brancas e mulheres de cor faziam-se agora sentir fortemente. Além disso, um sujeito neoliberal cada vez mais normativo estava submetido a "coerções de autoconfiguração e auto-optimização" (ibid.: 23). O feminismo queer e com ele uma política da linguagem instalaram-se. "Como não há uma crítica materialista das relações de género patriarcais baseada na teoria do sujeito, o ser-mulher torna-se um dos muitos géneros possíveis, e a afirmação própria torna-se o único critério para saber quem e o que deve ser considerado mulher ou feminino" (ibidem: 23). E ainda: "A experiência individual é assim estabelecida como parte de uma pluralidade de mundos da experiência, que não podem ser mediados uns com os outros nem ligados uns aos outros em termos de teoria social. A outra mulher torna-se apenas a Outra, que é para ser aceite reconhecida na sua diferença e inquestionavelmente. O desejo de a compreender na sua socialização concreta e nas suas experiências quotidianas, bem como nas suas opiniões políticas – ou seja, abordá-la com perguntas e com vontade de discutir – é considerado desrespeitoso" (ibidem: 24, ênfase no original). De acordo com Linkerhand, o problema entre diferença e igualdade percorre assim a história do movimento das mulheres no que diz respeito à "mulher sujeito político".

À luz da concepção de produção e reprodução de Haug, em que as mulheres são cumulativamente responsáveis pela "produção da vida" – sendo que o patriarcado capitalista se espalhou por todo o mundo – Linkerhand nota cultural e historicamente, com Gayle Rubin, "uma variedade infinita e uma semelhança monótona" das relações de género. Linkerhand defende agora que se examine o que é comum e o que é separador, tendo por fundo a práxis de vida comum. "O interesse pelo conhecimento de uma teoria feminista materialista deveria ser avançar, a partir das próprias experiências e da troca delas, para a análise do patriarcado capitalista. A análise, por sua vez, tem de permitir-se ser questionada pelos relatos de outras mulheres sobre as suas experiências e ser novamente mediada com elas. Centra-se num sujeito político mulher com o qual o maior número possível de mulheres pode relacionar-se, e ligando-se ao qual podem situar e descrever as suas lutas feministas. O objectivo prático da elaboração teórica feminista deveria ser o de permitir às mulheres libertarem-se das coerções patriarcais. Isto envolve tanto melhorias dentro das sociedades existentes como a transformação do patriarcado capitalista global, numa situação social em que o género e a sexualidade deixariam de ser categorias de dominação. Ambas as perspectivas têm de ser dialecticamente mediadas uma com a outra na teoria feminista". Ela toma para si a reivindicação de Rosa Luxemburgo de uma "Realpolitik revolucionária" (ibid.: 25). A experiência feminina tem de incluir também o racismo e a transfobia. Aqui também é preciso reflectir sempre sobre a cumplicidade. Neste contexto, ela também se pronuncia contra um feminismo radical que recai no biológico e torna impossível a cooperação com mulheres trans (não posso entrar aqui em mais pormenores) (cf. ibidem: 26).

Linkerhand resume: "A coisa só se torna verdadeiramente interessante quando estas disposições de um feminismo materialista são expostas em campos de crítica concretos: por exemplo, uma crítica detalhada da socialização feminina, que faz justiça aos pontos comuns globais, mas também às imensas diferenças; ou uma análise da luta feminista em muitos países pelo direito ao aborto [....] Para além de uma sóbria aliança de conveniência, com base no sofrimento partilhado, daqui resultam possibilidades que as feministas também devem considerar no interesse de uma vida mais bela: a solidariedade empática, o impulso para aprender umas com as outras, e o enriquecimento através da simultânea proximidade e estranheza da outra mulher". Ela própria, pelo contrário – diz Linkerhand – se terá "movimentado em grande parte por caminhos metateóricos" (ibidem: 27).

Depois de algumas autoras de "Outside the box" basearem as suas análises na teoria crítica e na crítica da dissociação-valor (razão pela qual esta revista recebe aqui um pouco mais de atenção), parecem agora estar a ser cada vez mais assumidas as posições marxistas tradicionais e praxiológicas, por exemplo a de Frigga Haug (cf. Posster 2018), em que a "experiência" das mulheres se torna uma categoria basilar; no entanto, continua a não ser completamente claro o que realmente se entende por isso. Parece que este conceito tem uma plausibilidade ad hoc sem pressupostos, mesmo que as mudanças históricas também sejam reflectidas.

Continua sem se reflectir sobre as tradições problemáticas deste conceito ou de conceitos relacionados, como, por exemplo, da filosofia de vida ou da sociologia do conhecimento. É de suspeitar que Linkerhand segue aqui o conceito marxista tradicional de Haug de "trabalho de memória". Na sua concepção global, Haug refere-se a Gramsci, entre outros, no contexto de um politicista marxismo das classes.

De acordo com isto, trata-se de "começar pelo entendimento do quotidiano e ao mesmo tempo compilar no colectivo de trabalho o estado da teoria que entrou na consciência do quotidiano". O trabalho de memória "relaciona-se criticamente com o movimento de mulheres e com os estudos de mulheres (entre outros)" (Haug 2018: 31). Ligado a isto, "as formas mudam da análise para o relatório, da experiência subjectiva para as propostas, da crítica para a esperança" (ibid.: 24, nota 1).

Esta concepção de "experiência" parece estar agora a ser expandida interseccionalmente, por assim dizer, pela esquerda. É agora suposto apadrinhar um movimento de mulheres diferenciado hoje em dia, em vez de tomar como ponto de partida para a análise e a crítica "práticas"uma dissociação-valor que a si mesma se relativiza, com a sua referência a uma "totalidade concreta", e que, aliás, já em 2000 defendeu seguir os pontos comuns e as diferenças entre as mulheres (cf. Scholz 2011: 44s.) Neste contexto, o nível da forma está largamente ausente no trabalho de Linkerhand quando se afirma o pressuposto abstracto da "experiência".

A "experiência" e a subjectividade são também pontos de partida centrais para Katharina Lux na mesma edição de "Outside the box". Para além de posições no movimento das mulheres dos anos setenta, que se referem positivamente à auto-experiência no feminismo, ela adopta uma abordagem particularmente crítica da anterior revista feminista "A mensageira negra". "Não é, portanto, surpreendente que A Mensageira Negra encontre o seu metier na crítica da literatura, da filosofia e da arte – um campo em que a consciência feminista se pode manter pura da suja prática colectiva dos grupos de encontro" (Lux 2019: 70, ênfase no original). No entanto, talvez as autoras da "Mensageira negra" estivessem cansadas de serem constantemente afectadas como mulheres e feministas, e de terem de se conformar com as atribuições e clichés de sensibilidade feminina, e simplesmente tomaram a liberdade de adoptar uma visão de crítica teórica, distanciada dos ditames de preocupação nos contextos das cenas feministas da época! Isto é claro a partir das citações feitas por Lux da Mensageira Negra. Ela opõe-se tal ponto de vista: "Nos grupos de encontro, formaram-se amizades, quem não ousava falar falou, quem se tinha sentido inferior desenvolveu auto-confiança. A prática do encontro foi também uma tentativa de moldar a vida de uma forma auto-determinada e colectiva, e de estabelecer relações entre mulheres" (ibid.: 70s., ênfase no original). Qualquer pessoa que estivesse em tais grupos de encontro nessa altura (como eu) sabe que as hierarquias informais rapidamente se desenvolveram ali, e que a articulação era um pré-requisito para se expressar em tais grupos, que normalmente consistiam em mulheres (brancas) da classe média; em breve toda a organização se fundiu num "movimento psicológico" em que se tratava de "trabalhar a si mesmo" e formar um "eu empresarial" (Ulrich Bröckling), indispensável para o "novo espírito do capitalismo" (Boltanki/Chiapello). Lux também sabe isso quando escreve que "a autotransformação [...] tornou-se a auto-optimização da mercadoria força de trabalho" (ibid.: 72). No entanto, há nela uma certa romantização dos grupos de encontro no anterior movimento das mulheres.

Lux tenta clarificar a ideia de encontro com referência a Ute Daniel como se segue: "À semelhança da propriedade privada, que na realidade se baseia no trabalho social, o encontro – por muito pessoal que seja – também está embutido no processo de interpretação social. É verdade que as experiências não podem ser feitas e as interpretações não podem surgir fora do horizonte da sociedade capitalista. No entanto, não estão completamente determinadas". Ela cita como exemplo grupos de encontro no feminismo! E termina o seu texto: "Pode ser importante reflectir sobre a socialidade da experiência e fazer experiências colectivas" (ibid.: 72, ênfase no original). O que aqui permanece insuficientemente reflectido e reavaliado são as experiências históricas com grupos de encontro no feminismo por parte das "preocupadas" da época, que agora, de algum modo, estão de novo a ser colocadas no coração por Lux, contra o seu melhor julgamento. A razão pela qual estes grupos, se eram tão fantásticos (na sua suposta dicção feminista sócio-crítica), desapareceram de novo tão rapidamente, não é respondida por Lux. No entanto, é precisamente a dimensão histórica da experiência em "Outside the box" que deve ser tida em conta! (cf. Posster 2018). É possível que este seja um problema geracional, mas teria de ser esclarecido no contexto da dissociação-valor.

Ao mesmo tempo, estão a surgir novos constrangimentos de cena. Enquanto em "Reflexões mordazes" (Patsy l'Amour laLove 2017, ver acima) um autoritarismo na cena queer foi veementemente e muito justamente denunciado, Linkerhand & Cª pregam agora uma nova moral de cena em "Outside the box", que é estabelecida por uma necessidade de ser político. Tanto quanto uma crítica ao feminismo individualizado do estilo de vida, como por exemplo em Stutz, pode ser justificada – isto expressa um desconforto com a existência individualizada da mulher de hoje, que como tal representa um desconforto geral de "ser mulher"; tal desconforto individual diz frequentemente mais sobre as estruturas sociais do que um forçado entrar na política e na estrutura, embora isto também deva ser diversamente relativizado; especialmente desde que uma fase pós-moderna do estilo de vida em si já desapareceu há muito tempo. Contudo, isto também tende implicitamente a denegrir uma distância crítica e um pensamento teórico crítico, que contradiz as certezas da cena política e é indispensável para permitir que a teoria e a prática feministas se tornem auto-reflexivas e não caiam nas condições mesmo na aparente crítica, como foi demonstrado no passado, por exemplo, na medida em que um feminismo pós-moderno ajudou o neoliberalismo. A crítica "política" de esquerda ao feminismo do estilo de vida torna-se assim um programa anacrónico, que ainda quer estabelecer um regime político em incertos tempos de decadência – por outras palavras, em formulação polémica, anseia mais uma vez pelas "insígnias partidárias e fardas dos coronéis" (Umberto Eco): a teoria é basicamente suposta andar de novo de mãos dadas com a prática e a política, apesar de todas as subtilezas dialécticas e da alegada consideração de particularidades.

Na minha opinião, a resistência feminista mostra-se precisamente ao resistir a um ditame absoluto e potencialmente autoritário de práxis, e ao permitir-se tratar a relação assimétrica de género como uma variável filosófica e distanciada, no sentido da teoria da dissociação-valor, que, como disse, não exclui de modo nenhum um compromisso teórico-social prático, mas não se identifica à partida com ele.

Por exemplo, já escrevi antes: " [...] contrariaria o próprio conteúdo da teoria da dissociação-valor afirmar a totalidade negativa como um ponto de referência teórico e também prático ‘de cima’, por assim dizer. O feito, que não é de modo nenhum fácil de alcançar, consiste [...] em suportar a tensão entre o geral, o particular e o individual, entre pontos comuns e diferenças, precisamente ao nível do compromisso de prática social. Assim, mais uma vez: nem a dissolução da totalidade nas diferenças, nem a dissolução das diferenças na totalidade. E, praticamente falando, tanto no quadro regional como no quadro global" (Scholz 2005: 264). Isto é verdade não só no contexto mais estreito das "mulheres" e do feminismo, mas também para as diferenças e disparidades sociais no contexto da sociedade da dissociação-valor como um todo. No entanto, Linkerhand faz frente nas organizações contra a minha alegada total hostilidade à práxis. Seria sem dúvida cínico insistir apenas numa teoria abstracta hoje em dia, mas é bastante errado tomar como algo imediato, no sentido de um marxismo tradicional modificado, a relação hierárquica de género; em vez disso, esta tem de ser erguida a um nível devidamente elevado de abstracção, para finalmente chegar a um entendimento assim (quebrado) (também) da prática, tendo por fundo a teoria da dissociação-valor. A este respeito, a "mensagem na garrafa" (Horkheimer/Adorno) é indispensável para o feminismo, e hoje mais necessária do que nunca. Além disso, as mulheres em particular sempre foram proibidas de entrar em paisagens abstractas e distanciadas; as mulheres sempre foram consideradas práticas per se, e um feminismo pós-pós-moderno à la Koschka Linkerhand ainda segue o exemplo, por muito elaborado e teórico que seja e pseudo-dialecticamente pretenda contradizer um postulado de preocupação (cf. Linkerhand, 2018). Neste contexto, também na "Outside the box" as contradições são, por assim dizer, o bem teórico mais elevado, no qual tudo pode ser resolvido, mas que em última análise desemboca na teoria da práxis.

Decisivo aqui seria reflectir que a própria experiência já é o resultado do processo social de socialização da dissociação-valor, que não existe em abstracto, mas que tão pouco pode ser estabelecida em falsa concretude. A este respeito, é de esperar que a posição de Koschka Linkerhand & Cª não dure muito tempo. Também problemático é que em Linkerhand, com Frigga Haug, sejam determinadas "relações de género como relações de produção"; em contraste, da perspectiva da dissociação-valor, as mulheres e as actividades dissociadas são precisamente o Outro da produção; assim, também não podem ser derivadas das relações de produção, por assim dizer como "base".

A crise fundamental do patriarcado capitalista e a sua decadência são completamente deixadas de fora por Linkerhand. Quando Linkerhand fala das "realidades vividas das mulheres", isso não é mais explicado. Mas torna-se claro, quando ela diz com Federici, entre outras coisas, que nas favelas do "Terceiro Mundo" as mulheres se juntaram na sua miséria para assegurar a reprodução da família e da comunidade, e também cooperaram com os homens desta comunidade para este fim, sendo que as mulheres, por outro lado, resistiram à violência no casamento e na família. A partir desta constelação, é agora suposto ganharem a necessidade de sair da miséria de administradoras da crise (Linkerhand 2020). Involuntariamente vem-me à ideia que o vento sopra do lado operaista. Isto tem muito a ver sobretudo com o pathos do movimento de esquerda, mas tem pouco a ver com as "realidades vividas" destas mulheres de carne e osso. Estas "realidades vividas" das mulheres tornam-se uma frase. Linkerhand refere-se aqui a uma feminista do círculo (crítico) do Islão e transfere isso para as condições locais (cf. ibid.).

As fundamentalistas islâmicas são deixadas de fora. Hoje em dia, seria mais apropriado perguntar até que ponto a exigência de solidariedade das mulheres e de um sujeito político feminino vai ao encontro das condições sociais de decadência em que as mulheres têm de unir forças, simplesmente devido à erosão do trabalho remunerado e da família, para gerir a sua vida quotidiana, quando os homens estão a tornar-se cada vez mais incertos. As mulheres só podem emancipar-se para lá da subjectividade política e da política de identidade, unindo forças para se defenderem contra elas.

Neste contexto, uma teoria feminista "separada" deve ser defendida precisamente em nome da efectiva abolição prática das relações patriarcais capitalistas, sobretudo na crítica da vida quotidiana, da "vida real" e da normalidade (secretamente desejada por muita gente) que não quer mais do que uma vida monótona nos moinhos de degraus e na família. Só assim pode a teoria feminista, em aliança dialecticamente mediada com a práxis, realizar o seu objectivo. Sim, a questão é se a TEORIA tem um carácter transcendente, especialmente numa situação como a actual, em que prevalece um entusiasmo geral pela prática e pelo movimento, e se uma teoria feminista não deveria aqui aprender alguma coisa com Adorno, para depois ir além dele na crítica da dissociação-valor. Mesmo que esta última saiba que a própria teoria é uma componente da sociedade capitalista patriarcal, isto pode ser urgentemente exigido hoje, especialmente também na decadência do patriarcado capitalista (e não só depois do nacional-socialismo). Nisto, como disse, numa atitude feminista de mensagem na garrafa se mostraria, a meu ver, uma verdadeira actividade subversiva de partisans do feminismo nos dias de hoje. Uma crítica social que não se limite a uma falsa práxis e a determinações de agit-prop da vida supostamente real (das mulheres) tem de fazer avançar tal necessidade no sentido de uma "crítica imanente", contra o pano de fundo de tendências sociais realmente contraditórias hoje em dia. Tratar-se-ia de relações de género "a longo prazo" e não apenas de uma perspectiva no aqui e agora, que no seu reducionismo provavelmente não vai durar muito tempo.

Adorno também sabe que a teoria crítica não pode simplesmente ignorar a experiência, mas não faz dela o ponto de partida abstracto da sua "dialéctica negativa". No entanto, são-lhe estranhas considerações praxiológicas e a insistência numa "imediatidade imediata". As suas observações seguintes são válidas, mesmo que ainda tivessem de ser colocadas num contexto de crítica da dissociação-valor (para mais sobre isto, ver Scholz 2011): "No entanto, quanto mais criticamente se compreende a autonomia da subjectividade, quanto mais ela se torna consciente de si enquanto algo por sua parte mediatizado, tanto mais imperativa se torna a obrigação do pensamento de confrontar-se com aquilo que lhe proporciona a firmeza que não possui em si mesmo. De outro modo, não haveria nem mesmo aquela dinâmica com a qual a dialéctica movimenta o peso daquilo que é firme. Não se deve recusar pura e simplesmente toda experiência que se apresenta de maneira primária". Mas é tanto mais verdade que a própria imediatidade deve ser entendida como mediada: "Para a dialéctica, a imediatidade não permanece como aquilo pelo que ela se apresenta imediatamente. Ela se transforma em momento ao invés de ser fundamento" (Adorno 1966: 49s. [2009: 41]). Isto também é verdade em relação ao próprio pensamento: "À tese abstrata da condicionalidade de todo pensamento é preciso lembrar concretamente a sua própria condicionalidade, a ofuscação em relação ao momento supraindividual pelo qual apenas a consciência individual se torna pensamento. Por detrás dessa tese encontra-se o desprezo do espírito em favor do predomínio das relações materiais como a única coisa que conta aí. Em verdade, as perspectivas divergentes possuem sua lei na estrutura do processo social como uma totalidade preordenada" (ibid. 46s. [2009: 38s.]). Em Linkerhand & Cª perde-se ideia de uma socialização fetichista em geral, para já não falar no sentido de uma socialização da dissociação-valor, de uma sociedade que se torna independente em relação aos indivíduos que eles próprios a produziram.

Na ‘Outside the box’ da "experiência", no entanto, existem definitivamente também contradições que apontam para uma relação dividida da relação teoria-práxis apresentada até agora, que se resume à prática política (não posso entrar aqui em mais pormenores). Só se pode esperar que esta divisão não conduza a uma situação em que "Outside the box" se torne completamente "Inside the box", ganhando vantagem o peso da práxis e da experiência, com uma referência nostálgica ao segundo movimento de mulheres e ao marxismo tradicional. É disto que se vai tratar novamente no resumo que se segue.

 

5. Resumo: Feminismo, marxismo, teoria crítica e dissociação-valor como contraditório contexto de socialização em decadência. A insistência na experiência, na "realidade vivida", no marxismo tradicional, na classe e afins em tempos incertos

Do ponto de vista da crítica da dissociação-valor, pode constatar-se nos últimos anos, em contextos feministas de orientações completamente diferentes, uma maior insistência em experiência, "realidade vivida", práxis, marxismo tradicional, classe, sujeito (mais ou menos implicitamente também "trabalho") e afins, após uma fase de desconstrucionismo (ao qual é atribuído frequentemente "distanciamento", ainda que também ele vise de facto particularidades – cf. Scholz 2011): As contradições, ambivalências, diferenças, não-simultaneidades sociais etc. são altamente valorizadas, especialmente nas abordagens que seguem a teoria crítica. Todavia: não são tidas em conta as contradições, ambivalências, diferenças etc. na decadência do patriarcado capitalista, nem a crise fundamental que a acompanha. Tal análise prossegue uma ontologia de contradição e resistência. Permanece completamente no imanente; o facto de estas contradições poderem um dia levar-se a si próprias ao absurdo permanece completamente fora de consideração.

Uma posição agit-prop é apresentada veladamente, por exemplo, no ping-pong dialéctico de Jung entre teoria e prática, mas também em Linkerhand, com as supostas "realidades vividas das mulheres", que não passam de um lugar comum. Até Linkerhand volta a saber isso depois em "Outside the box", quando afirma que a sua invocação do sujeito político mulher é apenas um metanível, situação em que (já) não quer saber nada da crítica da dissociação-valor, que estabelece um metanível na exigência de levar a sério a relação hierárquica de género como dimensão filosófica – agora de forma realmente abstracta.

Neste contexto, seria necessário esclarecer o que significa "metanível" em termos de crítica da dissociação-valor. É o que, de acordo com a forma social, não se funde simplesmente nas categorias marxianas do valor, como pensam as abordagens androcêntricas, pelo contrário, é a dissociação do feminino, no sentido das actividades reprodutivas, e também a subvalorização das qualidades conotadas como femininas (sensibilidade, emocionalidade, cuidado, fraqueza de carácter e de entendimento etc.), e, em termos psicossociais, um tipo de dissociação do feminino em indivíduos masculinos e femininos diferente em cada caso, é isso que constitui este metanível em geral. Não se trata aqui de uma definição formal, puramente epistemológica, de provas filológicas ou de um platonismo de modelos como um super-nível acima de tudo, pelo contrário, a categoria da dissociação-valor é uma categoria real, que tem de ter em conta à partida desenvolvimentos empíricos históricos concretos, no sentido de uma totalidade concreta e da sua processsualidade (cf. Scholz 2009). É isto essencialmente o que se entende quando falamos da dissociação-valor como forma fundamental do patriarcado capitalista, que por sua vez conhece "metateóricamente" a sua própria relatividade, mas tem de afirmar-se absolutamente como tal, para como tal poder existir quebrada.

 

Em contraste, é apenas lógico que "Outside the Box" depois mergulhe na construção de um ponto de vista de classe. "Outside the Box" torna-se "Inside the Fox" quando entrevistam a iniciativa "Solidariedade contra o coronavírus" que se centra na classe (redacção de Outside the Box 2020). Fox deve rimar com box, supõe-se, e em todo este embaraço rimado se mostra que se trata apenas de uma questão de esperteza saloia, que tenta de algum modo encontrar o caminho e orientar-se nas relações contraditórias de dissociação-valor, sendo que Charlotte Mohs tem usado o antagonismo das classes há muito tempo visando uma amálgama de feminismo e socialismo (Mohs 2018). Agarrar a relação hierárquica de género como uma variável filosófica na sua dimensão real é assim mais uma vez evitado e subsumido na categoria da classe, como no apogeu do pós-modernismo/pós-estruturacionalismo queer. De algum modo, apesar de todas as invocações de um "sujeito político mulher", não é obviamente permitido que a hierarquia de género seja um tema central, mas pretende-se que ela seja sempre subsumida sob algo essencialmente anterior, o que aponta para um inconsciente social patriarcal (Scholz 2011).

Seria crucial, em vez disso, conduzir uma investigação inteiramente "materialista" no contexto da teoria da dissociação-valor (!) sobre a razão pela qual o feminismo está a tornar-se novamente relevante hoje em dia e, ao fazê-lo, apontar também as possíveis armadilhas para o feminismo no patriarcado decadente. Por muita que seja a alegria por haver novamente movimentos feministas há alguns anos, não se deve deixar que a distância da teoria ao movimento/política fique fora de controlo (cf. também Böttcher 2020).

Os movimentos têm sempre, inevitavelmente, algo de chamativo e simplificador, que abstrai da complexidade das condições. Apontar isto é tarefa da teoria, que é de facto carregada por um momento somático da crítica social, por amor da coisa e justamente deste momento somático e da "experiência", mas não pode simplesmente entregar-se-lhe.

Aqui também não pode ajudar nenhuma dialéctica entre teoria e prática, por princípio neutra em termos de género; aqui não se pode simplesmente recuar para a "mediação", não se trata de um "trabalho sobre a diferença" (Gudrun-Axeli Knapp), que sempre tivemos no pós-modernismo, mas do trabalho do conceito. O próprio conceito de experiência teria ainda de ser questionado pela sua condicionalidade – também nada limpa – num contexto de filosofia da vida. É preciso salientar que tal conceito só pode subsistir em contextos históricos concretos, na sua limitação dialéctica, e não é por princípio a causa primária da crítica social, como a sabedoria pseudodialéctica nos quer fazer crer. Assim nos aproximaríamos das verdadeiras "realidades vividas" das mulheres e da sua análise, que não pode ser feita sem uma crítica fundamental da dissociação-valor, a qual nem sempre está à espreita das possibilidades de acção. Só assim se pode abrir a porta a uma sociedade diferente, sem falso positivismo. Na medida em que tal caminho não é tomado, a posição ameaça sempre derivar para uma posição de classe, que é aparentemente a raiz de tudo. Aqui Speck defende uma distância científica, em oposição a uma perspectiva política e de preocupação, mas apenas no contexto de uma epistemologia "crítica" sociologicamente limitada, fora da problemática da forma (Speck 2018: 66).

Isto remete-nos para o ponto de partida do ensaio. Não se trata de ensinar pedagogicamente às mulheres uma consciência feminista, um ponto de partida que hoje se refere de novo frequentemente, como outrora se referia ao "Terceiro Mundo", agora às mulheres indisciplinadas da América Latina, cujo ponto de partida, no entanto, é em si mesmo muitas vezes irreflectido. Ou o formam devido às contradições sociais ou não. Uma tal consciência não pode ser determinada "de cima", no sentido de um "sujeito político" tornado anacrónico. É necessário abster-se – por assim dizer – do leninismo feminista. Um impulso pseudopopulista e um correspondente entendimento teoria-práxis, que visa a experiência/prática como entidade, só dificulta e não ajuda nada a ir além das miseráveis condições dadas, especialmente quando são necessários maciços esforços subjectivos – mas para além de um desejo (!) voluntarista.

Além disso, uma perspectiva de trabalho da experiência e de trabalho da memória assume a perspectiva daqueles que supostamente já sabem e só querem ser informados com maior precisão; isto simplesmente nada tem a ver com as "realidades vividas" de facto pelas mulheres; afunda-se numa posição de agit-prop induzida pela classe média, na autopiedade da mulher branca, por assim dizer. Neste contexto, ignora-se também o facto de hoje em dia existirem identidades intermédias, identidades em que é difícil a classificação numa comunidade. Não só existem mulheres de negócios cosmopolitas, por exemplo negras, e "identidades trans", mas também há numerosas "pessoas de cor" masculinas proeminentes, ou "pessoas com antecedentes migratórios" que estão à direita, tais como Ken Jebsen, Xavier Naidoo, Attila Hildmann, o líder dos "Proud Boys" nos EUA é um afro-cubano, mas também podem ser aqui citadas posições de liderança lésbicas femininas na AfD, como Alice Weidel.

Em vez disso, Koschka Linkerhand (que, a propósito, se refere continuamente a concepções com um conceito positivo de trabalho – sobretudo Haug e Federici) escreve a propósito da sua viragem para uma práxis da experiência e do movimento: "A edição da Outside the box sobre o tema do trabalho baseia-se também no facto de todas na redacção terem estado num meio estudantil, terem estudado humanidades e montado o seu plano de vida, mas ainda sem terem como actividade principal o trabalho assalariado. E depois da edição chegou o momento em que muitas foram ameaçadas com o trabalho assalariado e o pânico irrompeu. Depois disso, houve também um confronto com a vida real, que consiste principalmente no terrível trabalho assalariado. Para mim, foi também uma época de mudança radical" (Charlotte e Koschka 2019). Isto é revelador, não só duma determinada geração, mas de toda a esquerda (feminista) numa situação histórica particular, nomeadamente a do declínio do patriarcado capitalista em geral, e porque é que uma crítica radical do valor como tal não abre caminho, mas, se for de algum modo atendida, é imanentemente reinterpretada – e isto acontece muitas vezes; sem ser citada explicitamente, ela é assim simplesmente incorporada e adaptada de acordo com o establishment intelectual. Uma posição que diz que a vida quotidiana e de classe média está em colapso, como a crítica da dissociação-valor, tem assim de ser descartada, porque se pretende manter a todo o custo tal vida quotidiana e tal normalidade.

Assim, é de notar que no decurso da pesquisa se tornou claro que todas elas querem ir para um nível empírico-prático (basicamente apenas com excepção de Vogel, que – mesmo que orientada para a luta de classes – vem do canto estruturalista de Althusser, e é a este respeito que também inclui lutas). Arruzza gostaria de unir o feminismo com o marxismo da classe operária de forma verdadeiramente pacífica e amigável, Federici gostaria disso numa variante operaista, Tove Soiland de facto numa perspectiva da teoria da regulação, que, no entanto, faz dos cuidados e do trabalho assalariado a principal contradição. Gabriele Winker quer que algo de transcendente surja a nível dos conselhos municipais através dos cuidados, os quais, por outro lado, devem ser subordinados ao trabalho da mais-valia. Beatrice Müller, transformando a teoria e a crítica da dissociação-valor numa crítica da abjecção-valor, tenta agora misturar estes níveis com o psicossocial, conduzindo o problema a uma solução de reforma social e tornando esta frutuosa para investigações empíricas.

Não menos é de notar que o político-prático e o empírico constituem o ponto de fuga central das concepções baseadas na teoria crítica. A intenção de Lisa Haller aqui é – basicamente – encontrar uma forma de cruzar as considerações da teoria da dissociação-valor (uma fonte de inspiração que Haller não identifica explicitamente, no entanto) com pressupostos interaccionistas, na empiria da família, das relações pais-filho, sendo que as suas investigações servem mais para o aconselhamento político e sócio-pedagógico do que para a crítica radical. Elas vão assim dar aos cuidados neste sentido ainda como momento sistémico transcendental.

Barbara Umrath fornece uma nova interpretação da teoria crítica contra um fundo feminista, mas rejeita uma abordagem negatória, que na minha opinião seria o pré-requisito para uma abordagem selectivamente prática (!) das relações, e termina com uma interpretação ingénua e patética de Marcuse, apesar de todas as críticas feministas à sua adulação da feminilidade há mais de 40 anos. Tina Jung retoma onde Adorno e Horkheimer pararam, mas quer a todo o custo salvar a dimensão da acção no que diz respeito ao feminismo. Ignorando em grande medida as tendências afirmativas do desconstrucionismo, ela quer construir no feminismo um movimento de resistência que chega até aos dias de hoje e ainda inscreve uma adaptação do feminismo estatal e institucional num continuum de relação dialéctica teórica e prática de um feminismo per se construído como resistente, pelo que, para ela, a causa primária de tudo é uma experiência abstracta que não é mais elaborada (e que de facto também não pode ser elaborada abstractamente).

Koschka Linkerhand e Outside the box postulam de facto a "experiência" pura e simples, embora supostamente queiram ver experiência e conhecimento num contexto, ignorando o facto de que uma socialização fetichista de dissociação-valor já precede sempre o entendimento dos indivíduos.

Assim estão elas hoje em dia em plena sintonia. Na mesma linha, o anúncio de uma antologia "Teoria crítica e feminismo" a ser publicada 2022 afirma: "As contribuições, entre outras de Regina Becker-Schmidt, Seyla Benhabib, Nancy Fraser, Rahel Jaeggi, Sarah Speck e Barbara Umrath, tratam de questões de subjectividade e identidade, ideologia e discriminação, bem como de trabalho e corpo. Por um lado, ligam-se a debates passados e, por outro, iluminam novos aspectos de uma teoria crítica feminista" (Stögner/Collings 2022), tudo isto tendo por fundo "sociólogas de renome", como se diz no texto de apresentação. Aqui se deixa de fora a extra-académica crítica da dissociação-valor da teoria crítica feminista, que, no entanto, formulou esta fundamentalmente em termos de teoria da dissociação-valor e não principalmente em termos de teoria do sujeito.

Em demarcação de tais concepções, é pois necessário insistir na força da negação e não da adaptação ao establishment. Só assim – se funcionar – se poderá mover de algum modo qualquer coisa na Realpolitik, em vez de apelar a uma "Realpolitik revolucionária" com Rosa Luxemburgo, como faz Koschka Linkerhand (ou a um "reformismo radical", a que Joachim Hirsch tem vindo a apelar há décadas com referência ao capitalismo tardio – cf. também Kurz 1994).

Assim, seria de retomar as vantagens da teoria crítica. Mesmo que ela, problematicamente, insista com nostalgia num desbotado sujeito burguês como pré-requisito para a emancipação após a experiência do nacional-socialismo, e insista redutoramente na troca em vez da dissociação-valor como facto fundamental, ela não tem um entendimento sociológica do capitalismo no sentido das classes como o marxismo tradicional, ao qual Becker-Schmidt, no entanto, quer voltar, e no sentido da sociologia burguesa como contexto primário relacionalista, mas agora também no sentido do género.

A relação assimétrica de género continua a ser lavrada também no trabalho de Umrath; em última análise, ela chega a "múltiplas formas de dominação" como consequência da teoria crítica. Continua escondido o fundo teórico da dissociação-valor como contexto social basilar, que permite os níveis macro (dissociação-valor), meso (raça-classe-género) e micro (para determinar o nível dos indivíduos eventualmente muitas vezes divididos) em relação entre si. A propósito, esta crítica também se aplica a um entendimento relacionalista de raça, classe, género e anti-semitismo de Karin Stögner, que não chega à determinação da forma no sentido da crítica da dissociação-valor, mas tem um entendimento mais tradicional da forma, que equivale ao marxismo das classes, e também uma referência afirmativa ao iluminismo. O que não pode ser aqui discutido em pormenor (ver, por exemplo, Stögner 2019).

A crítica da dissociação-valor tem de cuidar de todos os problemas sociais, também para além do "género" e para além de todas as identidades de grupo e individuais (e para além de "mulheres" na assunção de um "sujeito político"). Escusado será dizer que, neste contexto, tem de preocupar-se, entre outras coisas, com melhores salários e condições de trabalho no sector dos cuidados. Umrath possivelmente não chega a uma crítica da dissociação-valor, que sabe do carácter geral da relação de género, e precisamente por isso – porque não pode afirmar o estatuto androcêntrico do sujeito da contradição principal – tem de relativizar-se para poder afirmar-se como geral, o que tem de ter pouca importância particularmente no capitalismo com o seu alto grau de socialização e a dominância da esfera pública; ela permanece aqui ao mesmo nível da "teoria crítica", que integrou a relação hierárquica de género, mas não a inclui sistematicamente; também no seu caso existe um "desmantelamento" (Tove Soiland) com outras formas de dominação, no contexto da primazia de práxis-política-sujeito, em vez de se referir a uma relação de dissociação-valor que a si mesma já sempre se limita e é contraditória. A minha esperança é – como disse – que no processo, pelo menos Outside the box não se torne agora "Inside the box" para quem quer algo semelhante a Umrath.

Na maioria das concepções marxistas feministas mais recentes, a "classe" é mais uma vez tratada como uma categoria central e, portanto, também no fundo subjacente à relação assimétrica de género como categoria de análise. Em contraste, a crítica da dissociação-valor, como categoria basilar em si quebrada, tem em conta a partir da sua lógica interna outras relações sociais de disparidade, porque já não pode pressupor um sujeito masculino epistémico autónomo, que crê ter de se afirmar abstractamente. Precisamente como tal, a dissociação-valor como forma basilar do patriarcado capitalista e a crítica que a acompanha da lógica da identidade têm de afirmar-se radical e absolutamente como uma forma que é em si contraditória e que também se relativiza. Aqui ela também tem de contar com o poder do negativo, numa altura em que o feminismo e a esquerda animados pelo movimento voltam a carecer de distância crítica e de reflexão teórica face às suas acções, e não é raro ver-se hostilidade para com os intelectuais.

Falta uma "Mensageira Negra", especialmente hoje em dia, no clamor pela prática à qual a teoria teria de ser subordinada (cf. a nova edição: Vukadinovic 2020). A conhecida exigência de esquerda: "E onde está o positivo? (Erich Kästner) tem de ser combatida, especialmente hoje em dia, se nada de realmente positivo pode ser identificado. Em muitos casos, o pêndulo balança a favor da prática quando se fala de uma dialéctica teoria-práxis. A teoria é principalmente um apêndice do movimento e destina-se a legitimá-lo. Por mais que a crítica a um estilo de vida feminista seja acertada (ver acima), tão pouco um feminismo contemporâneo, a quem não é permitido ser mau para o espírito do tempo, pode invocar uma desbotada subjectividade política.

A insistência num "sujeito político mulher" é também um anacronismo, na medida em que a política, mas também o próprio sujeito, se encontram agora numa crise fundamental. A este respeito, é errado subsumir sob estas categorias a necessidade de as mulheres unirem esforços para combater as relações capitalistas patriarcais. Uma visão que se move ao nível das ideias de luta e de acção, relativizando a elaboração teórica, paga aqui o preço de ser anacrónica e também "inverídica". O discurso do "sujeito político mulher" obscurece o facto de as mulheres se terem tornado hoje mais relevantes na esfera política como um todo, porque a política e a categoria sujeito há muito que caíram numa enorme crise estrutural, na decadência do próprio patriarcado capitalista.

Neste contexto, hoje em dia é preciso ter centralmente em conta o processo histórico da dissociação-valor, desde a formação da dupla sexualidade até ao asselvajamento do patriarcado. Isto é para ser mantido, para além de todas as conjunturas (políticas). Mesmo que haja uma "compulsão à repetição", isso não deve levar a supor que é sempre o mesmo. As mudanças na pós-modernidade são prontamente esquecidas no "feminismo materialista" de hoje em dia, a fim de poder voltar às categorias clássicas e de longa data. Existem, contudo, modulações históricas como um todo que mostram que também pode ser de outra maneira, ou seja, que a socialização patriarcal capitalista da dissociação-valor também pode estar a chegar ao seu fim (mesmo bárbaro!). Hoje vivemos numa era de restauração. Isto é verdade não só para os programas de direita e de frente transversal, mas também para as esquerdistas e feministas queer (queer de esquerda), que acreditam poder lidar com a realidade de hoje recorrendo ao marxismo tradicional e ao feminismo tradicional com categorias ultrapassadas.

Por outro lado, a insistência na experiência, na realidade vivida, na tradição, no sujeito e na classe, nos cuidados em tempos incertos também traz à cena contra-reacções vitalistas (embora as duas tendências possam também sobrepor-se). A "vida", como contrapólo dialéctico do espírito do tempo à classe e ao marxismo tradicional, é suposto estabelecer "o todo", por exemplo, na obra de Eva von Redecker. Vitalistamente, ela acaba em vida abstracta e "posse material" (von Redecker 2020). Mas isto tem de ser tratado noutro lado e seria um novo tema.

O coronavírus foi apenas um acelerador deste processo, para utilizar aqui esta formulação sem graça, razão pela qual não foi aqui tratado em pormenor, mesmo que uma relativa retoma fosse registada posteriormente, o que, no entanto, resulta apenas das profundidades da queda já medidas. É de notar que na esquerda (feminista) mainstream de várias cores existe hoje um altamente problemático sentimento contra a abstracção, que pode ser favorável justamente às tendências anti-semitas que estão a aumentar bastante (cf. Postone 1988).

 

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(1) Nos meus comentários sobre Silvia Federici, Tove Soiland e Beatrice Müller, recorro a passagens parcialmente revistas de artigos anteriores publicados na exit! (Scholz 2014, 2016, 2020).

 

 

Original “Marxismus – Feminismus – Kritische Theorie heute ... und die Wert-Abspaltungs-Kritik. Zur problematischen Insistenz auf Erfahrung, Praxis, Empirie, Subjekt, Klasse und die „gelebten Realitäten“ von Frauen im Verfall des kapitalistischen Patriarchats” in: www.exit-online.org, 27.02.2022. Tradução de Boaventura Antunes

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