Uma metateoria das teorias da conspiração?
Réplica às reflexões de Sandrine Aumercier sobre a discussão em torno do coronavírus – na exit!
Roswitha Scholz
No seu artigo "Uma metateoria das teorias da conspiração? – Réplica às reflexões de Sandrine Aumercier sobre o debate em torno do coronavírus – na exit!", Roswitha Scholz comenta um artigo de Sandrine Aumercier sobre o editorial da exit! n.º 20. O ponto principal da crítica é o insuficiente reconhecimento do conteúdo do conflito na exit! durante o período do coronavírus e das críticas feitas a Andreas Urban & F. Alexander von Uhnrast e a Anselm Jappe. (Apresentação do texto na exit! nº 21)
No seu texto «Teoria das teorias da conspiração», Sandrine Aumercier critica o editorial da revista exit! nº 20 (2023), no qual justificávamos a não publicação dos textos de pensadores transversais ‘críticos do valor’ de Anselm Jappe e Urban/Uhnrast sobre o coronavírus. Ela acusa-nos de uma abordagem polémica. Com o que ela visa a nossa crítica de que os textos promoviam «interpretações personificadoras da crise», testemunhavam «um anti-semitismo estrutural» e «favoreciam o darwinismo social». Na nossa acusação a Urban/Uhnrast, os «mortos da pandemia» seriam sacrificados a uma «religião estatística». Assim, segundo Aumercier, o fosso seria aprofundado e a «doutrina purificada [...] preservada», com a consequência de que «os dois grupos de ‘irmãos inimigos’ seguiriam caminhos separados». «O narcisismo das pequenas diferenças» seria então enfatizado e desviado de uma «discussão teórica mais exigente» – segundo a simplista interpretação psicológica do conflito feita por Aumercier. Em última análise, tratar-se-ia de «manter uma coerência identitária frágil». É-nos atribuído que «acabámos por optar pela razão de Estado». Aumercier pergunta se o conflito não poderia ter sido evitado. A contradição deveria ter sido suportada. Uma possível escalada teórica teria sido impossibilitada pela nossa recusa (Aumercier 2023a, 14). Por outras palavras, se tivéssemos publicado os textos dos pensadores transversais críticos do valor, o contexto da exit! não se teria desintegrado e, segundo a esperança implícita de Aumercier, teríamos ainda assim chegado a um entendimento. O conflito é assim transferido para um nível relacional, no qual o conteúdo passa a ter um papel secundário. Harmonia, harmonia, para lá de todo o conteúdo. Nesta conversa da harmonia – diga-se de passagem – passa despercebido que Jappe e Urban/Uhnrast, cientes da sua provocação, nos impuseram o confronto e a divisão.
É notável, porém, que a própria Aumercier não aborde explicitamente no seu texto nem as omissões dos pensadores transversais ‘críticos do valor’, nem a nossa avaliação da crise do coronavírus. Nas suas reflexões, além disso, ignora as sobreposições com a posição da exit! e apresenta-as como uma meta-reflexão própria. Num gesto de superioridade presunçosa, age como se tivesse de nos trazer o fogo da civilização. Acresce que o lado dos pensadores transversais tende a ser banalizado em contextos de crítica do valor. Seria de esperar uma discussão substantiva, tendo em conta os textos da homepage, ao fazer «Reflexões sobre o editorial de 2023 da revista Exit!», como diz o subtítulo do seu ensaio. Afinal os nossos textos sobre o coronavírus, publicados na homepage da exit!, somam mais de 40 páginas! Eles poderiam ter constituído a base para uma discussão séria sobre o conteúdo. Mas nada disso acontece. Num editorial e apelo a donativos, porém, só é possível uma formulação sucinta, e justificações mais detalhadas têm de ser omitidas. Já pela forma, tem carácter de declaração. Devido à ignorância de Aumercier, sou obrigada a citar mais extensamente sobretudo os textos de Herbert Böttcher, que se pronunciou com mais detalhe sobre o coronavírus na homepage da exit!, para tornar transparentes as omissões dela e mostrar, pelo menos sucintamente, que a acusação de falta de abordagem do problema do coronavírus é tão infundada quanto a acusação de que, em vez de criticar o conteúdo da política relativa ao coronavírus, a exit! se perde em «difamações morais» (ibid., 13).
Na réplica que se segue ficará claro não só que Aumercier ignorou sobreposições com a posição da exit!, mas também que existem diferenças significativas em relação à sua posição.
1. «Em última análise, decidido pela razão de Estado»?
Uma tese central de Aumercier é a seguinte: «A situação pandémica tem de ser analisada na perspectiva do conflito entre a redução estatística do risco sob a pressão crescente da crise económica e a correspondente exigência da população de que o sistema garanta a sua subsistência, o qual sistema, porém, torna isso impossível a longo prazo, e tudo isto num contexto de desintegração global das antigas garantias. Ela se insere na moderna complementaridade entre o ‘interesse geral’ e os direitos privados [...] A pandemia da Covid-19 ocorre num contexto de aumento global das incertezas e dos riscos, que justificam a necessidade de intervenções para conter esses riscos, ao mesmo tempo que cresce a intolerância da população em relação a eles. Todos os ingredientes para um confronto social agudo estão presentes, independentemente da Covid» (ibid., 5s., ênfase no original).
Para a exit! era fundamental reflectir sobre as intervenções estatais não apenas nas constelações contraditórias de repressão e liberalidade, mas também no contexto da crise do capitalismo, da qual o coronavírus se tornou um acelerador: «Face aos auxílios estatais e às medidas de protecção, alguns sonham com o retorno do primado da política. Na realidade política, contudo, rapidamente se chegou a um confuso ir e vir entre 'confinamentos' e 'relaxamentos' […] Em alguns círculos de esquerda ou liberais de esquerda, o suposto regresso do primado da política foi suspeito de utilizar o coronavírus para implementar objectivos autoritários, até ao estado de excepção. Quando foram feitas referências ao estado de excepção, desvaneceu-se a ligação constitutiva entre capitalismo e democracia, entre repressão e liberalismo [...] na crítica às medidas do coronavírus» (Böttcher 2021a, 2).
Igualmente foi salientado que, mesmo após o suposto fim da pandemia, esta ainda não terminou. Isto aplica-se ao agravamento do problema da dívida, à «prática» de medidas estatais repressivas associadas às medidas contra o coronavírus, mas também a futuras epidemias: «Com isto [com a rejeição do texto de Jappe e Uhnrast, RS] de modo nenhum se encerra a discussão sobre o coronavírus. Mas é preciso encerrá-la na forma como se apresenta nos textos rejeitados para publicação. O facto de que continuará a acompanhar-nos deve-se a que os efeitos político-económicos do coronavírus não teriam desaparecido mesmo que se conseguisse conter o vírus». Böttcher escreve ainda: «A ligação entre o surto de vírus e a produção agro-industrial de alimentos com a criação extensiva de animais seria um tema a ter em conta – também com vista a futuras estratégias de vacinação, políticas sanitárias autoritárias e medidas geralmente repressivas para reforçar a 'resiliência' como medida de precaução, para assegurar que tudo possa continuar como está, ou seja, que tudo permaneça como 'normal' ou se torne novamente 'normal' como o 'filisteu burguês' está acostumado. Uma análise mais aprofundada do coronavírus e dos seus contextos inclui também uma crítica das camadas médias brutalizadas, ou seja, do extremismo do centro, que se encontra não só entre os ideólogos da conspiração, mas também entre os defensores de uma política de saúde autoritária, como de resto também foi referido em textos publicados na homepage» (Böttcher 2022). E noutro local: «Isto reflecte os limites da acção política para reconciliar a proclamada protecção da saúde com as necessidades sistémicas da produção e consumo capitalistas. No decurso da crise do capitalismo, já se tinha tornado evidente, sobretudo no colapso do sistema financeiro, que, dependendo do curso da crise, havia mudanças cada vez mais rápidas e difusas entre as polaridades do mercado e do Estado, da economia e da política, ou seja, da 'liberdade' e da regulação. Aqui torna-se claro que esta 'interacção' também atinge os seus limites e leva a uma acção política cada vez mais difusa» (Böttcher 2021a, 2).
Aumercier ignora portanto, de forma bastante evidente, as reflexões da exit! sobre a complexa relação entre Estado, repressão, liberalismo e as contradições que daí resultam na crise fundamental, e reivindica para si tais análises. Colocamos essas críticas ao coronavírus críticas do valor, desde o início, no contexto de uma crítica ao fetichismo, na qual fica claro que as pessoas produzem elas mesmas as relações sociais capitalistas, através da mercadoria, do trabalho, do (mais-)valor, da dissociação do capital, relações essas que se lhes apresentam como independentes.
No entanto reconhecemos que, nas nossas reflexões sobre o coronavírus, poderíamos ter abordado o sistema de saúde de forma mais aprofundada e precisa.
2. Crítica à estatística
Assumimos uma posição crítica contra o pensamento positivista fixado em estatísticas, tal como expresso nos textos de Urban/Uhnrast, que também Aumercier denuncia: «Este argumento ocupa quase metade do texto [de Urban/Uhnrast, RS]. Admite-se que as estatísticas correm o risco de transformar pessoas em números e de fazer desaparecer o seu sofrimento qualitativo perante as quantificações. Mas a dimensão qualitativa do que as pessoas têm de sofrer sob o coronavírus continua a ser uma dimensão insignificante. Mais ainda, a perigosidade do vírus, incluindo a sua letalidade, é realmente minimizada. Neste contexto, a referência positiva [...] a um alegado recalcamento da morte também parece problemática. Isto pode ser transformado em darwinismo social, o que também foi feito, uma vez que em alguns lugares foi afirmado que, na sua maioria, 'apenas' morreram de coronavírus pessoas idosas, que 'teriam morrido em breve de qualquer modo'. No que diz respeito às estatísticas, admite-se que todas as estatísticas são problemáticas no seu significado. Não parece haver dúvidas sobre a utilização dos próprios dados. São considerados como 'baseados em provas'» (Böttcher 2022).
No que diz respeito a esta relação, uma crítica da estatística e do positivismo, tal como exigida por Aumercier, sempre foi inerente à crítica da dissociação-valor. É um pouco estranho que se exija de nós uma crítica meticulosa da posição assumida por Urban/Uhnrast. Seria de esperar que pessoas que se referem à crítica do valor e à teoria crítica conhecessem a controvérsia positivista da sociologia alemã entre Popper/Adorno e outros na década de 1960, e que tal conhecimento pudesse ser dado como adquirido, sem necessidade de o explicar em pormenor. No caso do coronavírus, isto salta imediatamente à vista! Também não fica claro no argumento de Aumercier por que os dados do coronavírus foram interpretados pelo Estado como perigosos, uma vez que os dados estatísticos são tão insuficientes e flexíveis na sua interpretação. Uma interpretação destes dados a favor da inofensividade do vírus teria levado a que a valorização pudesse continuar alegremente como dantes e as medidas que se lhe opõem simplesmente não teriam sido tomadas. É preciso dizer que a própria Aumercier também cita estatísticas de forma inconsistente. A nossa conclusão, em todo caso, é que o coronavírus não foi de modo nenhum decisivo para o tratamento da contradição. No entanto, o coronavírus pode contribuir para tendências disciplinares, como já escrevemos.
É estranho, neste contexto, que Aumercier não faça nenhuma referência a Urban/Uhnrast, que praticam uma religiosidade estatística. Além disso, tal como já foi referido, ela não aborda nem a posição da exit! nem a dos pensadores transversais ‘críticos do valor’, mas age como se estivesse acima de tudo, pretendendo atribuir à exit!, de forma psicologizante, a culpa pela divisão. Os pensadores transversais críticos do valor acabam por ser defendidos, apesar de toda a sugestão em contrário. Não é por acaso que também falta uma crítica ao texto de Jappe sobre a ditadura da saúde.
3. Dominação da tecnologia em vez de submissão à socialização da dissociação-valor como relação fetichista?
Aumercier escreve: «As funções do Estado não são menos enfraquecidas pela crise do que outros aspectos da vida social e não estão menos sujeitas à automatização e digitalização do que o mundo do trabalho. O resultado final de tal tendência só pode ser, matematicamente falando, a ditadura do sistema técnico. Não se trata da ditadura baseada na vontade ditatorial do soberano de suspender as liberdades civis (como temem os negacionistas do coronavírus), mas da ditadura dos meios técnicos capazes de realizar esse objectivo impossível. Quanto mais inatingível for esse objectivo, mais autoritários serão necessariamente os meios utilizados.» Este raciocínio culmina na «confrontação entre a máquina e o homem nu» (Aumercier 2023a, 7, ênfase no original). Em última análise, as reflexões de Aumercier culminam, no receio de uma «ditadura dos meios técnicos» por meio do Estado. Ela escreve: «A crítica da dissociação-valor não pode continuar a ignorar os efeitos da [...] quarta revolução industrial, que é explicitamente definida pelos seus defensores como a ‘fusão do físico, do digital e do biológico’. Não é a priori conspirativo ver nesta evolução um novo potencial autoritário que, no contexto do aumento global dos riscos sociais e políticos, poderia ser amplamente aceite como a única resposta adequada a crises económicas, sociais, sanitárias e ecológicas cada vez mais incontroláveis» (ibid., 14, ênfase no original).
Aumercier contrapõe às absurdas filosofias/utopias tecnológicas, como as que se encontram hoje em dia, uma hostilidade abstracta em relação à tecnologia. Isso também demonstra a sua ignorância profunda, especialmente em relação a Thomas Meyer: ele analisou as ideologias da «inteligência artificial» e os perigos da digitalização, mas no contexto de uma crítica do fetichismo que não considera a tecnologia em si como a causa fundamental da miséria nem a transforma no verdadeiro ponto de partida da crítica (cf. por exemplo, Meyer 2018). Enquanto Aumercier vê a vacinação como um problema, um confinamento maior e ainda mais repressivo não seria problema. O seu raciocínio em relação às medidas estatais é contraditório. Para ela, a tecnologia parece ser o verdadeiro problema. Consequentemente esta também se torna o ponto central da sua análise da sociedade como um todo.
Excurso: o muro energético do capital
O que Aumercier quer dizer fica claro no seu livro: Le Mur Énergétique du Capital (O muro energético do capital) (Aumercier 2023b). A este respeito, gostaríamos de em excurso fazer algumas observações (cf. o artigo de Thomas Meyer nesta edição da exit!). A tese central é a seguinte: «A análise marxista da composição orgânica do capital mostra [...] como o trabalho vivo é substituído pelo trabalho morto, numa busca incessante por uma mais-valia cada vez mais escassa. A dinâmica historicamente cada vez mais intensa dessa substituição torna visível a impossibilidade do seu desacoplamento na perspectiva de um pós-capitalismo. O capitalismo cria assim uma espiral de entropia crescente, cuja expressão cada vez mais palpável é a crise energética» (texto de badana). Para Aumercier, não há saída desta miséria: essa é a consequência lógica da crítica do valor.
Aumercier vê, pelo contrário, uma solução emancipatória em pequenas unidades locais e na produção de subsistência: «Os próprios afectados devem assumir a responsabilidade pela sua reprodução social, no âmbito de colectivos cuja dimensão permaneça acessível aos cinco sentidos e que deixem de delegar o seu poder. Não é mais aceitável que um trabalhador venezuelano e um trabalhador chinês produzam para um informático num terceiro continente. E não por razões de justiça abstracta, mas porque dessa condição mínima resultam restrições pragmáticas e uma reorientação do modo de vida, sendo possível uma certa divisão do trabalho a nível local. [...] Não precisamos de apelos impotentes por ‘fronteiras’, que são apenas o reverso da ausência de fronteiras do capitalismo. Em vez disso, devemos aspirar a uma organização em que as fronteiras sejam determinadas pela própria organização» (ibid., 203). Aumercier rejeita continuamente a acusação de um romantismo agrário. No final, ela chega a escrever que a sua «crítica radical da tecnologia [...] não deve ser confundida com os discursos ecofascistas, neopaganistas e racistas em voga» (ibid., 216). É significativo que Aumercier tenha de mencionar isso especificamente. No entanto, essa demarcação permanece no plano gestual, não havendo qualquer determinação de conteúdo. Tal como nas concepções ecológicas de direita, também nela se encontra um biocentrismo, um etnopluralismo (o plano simbólico-identitário é importante para ela) com implicações malthusianas. Assim, ela não se preocupa com a forma como poderiam ser alimentados milhares de milhões de pessoas neste planeta. As reflexões de Aumercier, com as suas exigências radicais de dessocialização, não são apenas um prato cheio para a pirataria discursiva da direita. Ela também tem de aceitar a acusação de defender, contra o seu melhor conhecimento, conteúdos comparáveis que, precisamente por um malthusianismo implícito, contêm momentos claramente social-darwinistas.
Isso me parece relevante para a sua crítica ao editorial da exit! contra os pensadores transversais ‘críticos do valor’. Embora não haja aqui personificações em relação ao capital e ao Estado, de onde parte o ataque ao abstracto, para ela a abstracção em si é maligna e deve ser ultrapassada recorrendo-se ao concreto imediato, à cultura, à identidade e ao solo. De resto ela justifica isso antropologicamente, mas não entra em detalhes. Seria supostamente malicioso pensar o mal e concluir que Aumercier poderia estar a encostar-se ao anti-semitismo. Neste contexto, não é de admirar que ela não concorde com as críticas ao pensamento transversal crítico do valor por parte da exit! e exija, em vez disso, uma discussão «objectiva», porque supostamente existe um consenso e se trata apenas do suposto «narcisismo das pequenas diferenças».
4. ‘Dizer as coisas como elas são’: anti-semitismo
Nesse sentido, «é preciso dizer as coisas como elas são» (cf. Aumercier 2023a, 9s.). No entanto, trata-se de «fazer dançar as relações petrificadas, tocando-lhes a sua própria melodia» (Marx), e isto não numa equidistância sóbria em relação à racionalidade instrumental e a irracionais teorias da conspiração, a que corresponde também precisamente um entendimento positivista da ciência. É preciso libertar-se destas alternativas.
O ponto de partida é uma crítica do fetichismo que concebe quer os proprietários de capital quer os trabalhadores como «máscaras de carácter» (Marx), sendo central a lógica abstracta da autovalorização do valor, que se manifesta na obtenção de mais-valia no contexto da utilização do trabalho abstracto como fim-em-si.
Isto não se aplica apenas – o que é decisivo – ao nível do capital individual, mas também ao nível do capital total, onde, mediada pela concorrência, surge uma dinâmica global complexa. Não é por acaso que isto constitui a dominação abstracta do capitalismo, que escapa a personalizações. É um erro pensar que a essência tem de se manifestar no sentido de que existe realmente um poder do capital sobre os trabalhadores, mas um entendimento do capitalismo por assim dizer como fetichismo sistémico implica simultaneamente que todos, incluindo os cidadãos e cidadãs comuns, co-constituem o sistema capitalista.
No nacional-socialismo, a dominação abstracta do capital foi projectada nos «judeus»; não só ela era representada pelos «judeus», mas os judeus eram entendidos como a personificação do valor (cf. Postone 1988). Hoje, tais pontos de vista não se encontram apenas no âmbito de uma crítica do capitalismo reduzida à circulação, no ataque aos especuladores e à esfera financeira, mas também, e em particular, em círculos de pensadores transversais. Eles também se manifestam quando poderes anónimos são responsabilizados pelo coronavírus e as medidas estatais contra a propagação do vírus são interpretadas com teorias da conspiração. Deixámos claro que a acção estatal acarreta o risco de a repressão estatal se tornar tão autónoma que pode ser activada nos mais diversos contextos de crise.
Aumercier pretende superar a crítica da dominação de Postone criando uma «teoria das teorias da conspiração»: Uma crítica às relações fetichistas, à dominação abstracta e à reificação acaba por se tornar afinal primariamente numa crítica abstracta à tecnologia; assim, a vacinação em massa e a obrigatoriedade da vacinação, que nem sequer foi implementada, desempenharam um papel central na sua argumentação.
Em vez de lidar com o anti-semitismo latente e manifesto no pensamento transversal, Aumercier defende superficialmente que também se deve entender os anti-semitas, pois, segundo Freud, também as «alucinações colectivas» têm um «núcleo de verdade» (Aumercier 2023a, 10). O pano de fundo do anti-semitismo actual é a perda da capacidade de acção das instituições políticas, em contraste com a era fordista-keynesiana. Na crença em conspirações, Aumercier quer ver «um núcleo de verdade» no facto de «que o conspirador detecta correctamente uma deterioração social da qual os guardiões da ordem não querem saber, continuando a acreditar que tudo continuará como dantes ou que, pelo menos, tudo voltará à ordem» (ibid., 11).
Assim os desenvolvimentos da direita não são objecto de escândalo de forma minimamente adequada. Em vez disso, Aumercier arroga-se o direito de apresentar uma «teoria das teorias da conspiração». Pergunta-se por que razão, durante décadas, em teorias e análises pacientes e detalhadas críticas (da dissociação e do) valor, temos repetidamente apresentado e criticado a relação entre capitalismo, dominação abstracta e anti-semitismo, sendo que aqui a ideia fundamental do ensaio de Moishe Postone «Nationalsozialismus und Antisemitismus» (Nacional-socialismo e anti-semitismo) constitui uma teoria adequada das teorias da conspiração. Também não se trata de se colocar do lado dos «saudáveis» – como se a crítica da dissociação-valor não conhecesse o normal «sujeito danificado» (Adorno) –, mas do lado da crítica social, na qual a exclusão dos «supérfluos» é tematizada. A partir da análise das relações sociais das quais provém o anti-semitismo (estrutural) – e essa análise foi realizada precisamente por uma abordagem crítica da dissociação-valor –, não se pode de modo nenhum deduzir um entendimento com ele e com os teóricos da conspiração. A maioria dos psicanalistas que se baseiam na teoria crítica afirma que existe, por exemplo, uma «projecção pática» em acção nos anti-semitas e nos ideólogos da conspiração. Isso não tem nada a ver com «psicologia de bar» (Aumercier).
Os crimes anti-semitas têm aumentado maciçamente nos últimos tempos, e não apenas na Alemanha. O ataque do Hamas a Israel e a onda mundial de anti-semitismo que o acompanhou demonstraram de forma assustadora e bárbara a sua eficácia. Segundo Aumercier, a suposição e crítica das tendências pré-fascistas na exit! levam apenas a uma «difamação moral» daqueles que pensam de maneira diferente. Aumercier simplesmente não leu as nossas análises sobre o coronavírus na homepage ou simplesmente não quer reconhecê-las. Aumercier parece esquecer ou não nos conceder que uma teoria e uma análise – pelo menos no sentido da teoria crítica – não tratam um assunto de forma objectiva, neutra e distanciada, mas estão sempre, por necessidade, em conflito. Caso contrário, Anselm Jappe não teria precisado de abandonar o evento com Malm quando este, de repente, quis falar sobre «crítica a Israel», um tema alheio ao debate (cf. Störmer 2021). Pelo menos isso. Como demonstrado, isso não tem nada a ver com moral e hipocrisia ética, que sempre foram inerentes ao capitalismo. Dito de outra forma: a crítica é um momento já sempre inerente à exposição. Trata-se das estruturas capitalistas e dos seus desaforos.
É verdade que existe uma dialéctica entre racionalidade e irracionalidade, algo que é um truísmo na exit! (cf. por exemplo Kurz 2004). É por isso que não nos colocámos de forma simplista do lado de estatísticas controversas etc., mas analisamos os contextos histórico-sociais e fetichistas, atacando as teorias da conspiração e distanciando-nos claramente delas, sem partir do princípio de que elas têm algum «mérito».
Não é verdade que um contexto de socialização fetichista não deixe mais nenhuma possibilidade de decisão. Ninguém é obrigado a tornar-se anti-semita. Isto vale, aliás, especialmente para os críticos da dissociação-valor que já estão nisso há anos, até há décadas. Eles deveriam saber muito bem que, ao fazerem uma crítica personalizadora do capitalismo, estão a contribuir para um anti-semitismo estrutural, se é que já não o praticam. A exit! tem de demarcar-se claramente desses «críticos do valor» e colocar a crítica do fetichismo no centro do debate. Não se trata aqui do «narcisismo das pequenas diferenças», como afirma Aumercier, mas sim do essencial. Aumercier simplesmente não entendeu os pontos centrais da crítica da dissociação-valor. As teorias da conspiração e os seus defensores não precisam do coronavírus como pretexto. Uma ideologia correspondente já se espalha de qualquer modo num contexto de insegurança geral e de classes médias ameaçadas pela queda social, como já vimos há muito tempo (cf. Scholz 1995).
A vontade de compreender de Aumercier vai de par com uma justificação mais ou menos implícita das posições populistas. O pano de fundo é provavelmente a velha suposição da esquerda de que os anti-semitas são apenas críticos sociais mal orientados. Bebel dizia que o anti-semitismo é o anticapitalismo dos idiotas. Teorias da conspiração ou a sua banalização são diametralmente opostas às nossas posições e, portanto, inaceitáveis.
Aumercier valoriza a «nossa inteligência sensorial»: «A 'quantodemia’, coroada pela tentativa de impor autoritariamente a vacinação em massa, nega-nos a nossa inteligência sensorial, a nossa capacidade social de apreciar um contexto e de cuidar uns dos outros. Contradiz-se a si própria com a sua disposição cínica para relançar tudo o que contribuiu para o surto e a rápida propagação desta pandemia. Já se prepara para a próxima, tal como se prepara para um aquecimento global de quatro graus. Assim, insere-se na continuidade de todas as outras expropriações sociais que nos habituam à gestão de catástrofes» (Aumercier 2023a, 12, ênfase no original). No entanto, essa «inteligência sensorial» aparentemente não se aplica às tendências anti-semitas, embora seja necessário questionar se se deve confiar tanto numa «inteligência sensorial» quando ela também pode ser entendida de forma populista e então o instinto realmente domina. Essa «inteligência sensorial» é subitamente transformada em contraponto da sua análise supostamente sóbria e passa a ser o ponto de referência.
5. Darwinismo social vs. protecção da vida, liberdade ou vida?
Aumercier quer simplesmente redefinir com Emmanuel Didier o darwinismo social, que também em Urban/Uhnrast e Jappe aparece em grande parte da sociedade: «Esta questão [por que é importante salvar vidas do Covid-19, RS] em três anos tornou-se um tabu, que a expõe até à suspeita de ‘eugenia’. No entanto, esta questão não significa que se deva deixar as pessoas morrerem de Covid. Antes ela questiona por que razão esta situação provoca esta resposta» (ibid., 4, ênfase no original).
Ela ignora diversas ideias social-darwinistas dos pensadores transversais, e até as encobre implicitamente com essa interpretação, nomeadamente aquelas que, em última análise, se baseiam numa lógica capitalista de concorrência e desempenho, bem como no direito abstracto do indivíduo à auto-realização.
Mas, além disso, questiona-se se essa questão não é em si mesma errada. Seria muito mais pertinente perguntar por que outros problemas, como as bactérias hospitalares, não são tratados com a mesma severidade que o coronavírus. Em vez disso, quase se tem a impressão de que é legítimo tomar esse problema como referência e aplicar esse critério também à Covid!
Aumercier parte do princípio de que a racionalidade instrumental e a irracionalidade das teorias da conspiração são complementares. Ela acusa-nos de nos colocarmos do lado da primeira e de combatermos unilateralmente a segunda. Ao fazê-lo, Aumercier defende os opositores à vacinação, argumentando que nem todos são teóricos da conspiração. Na verdade, seria possível discutir de forma objectiva e descontraída, tomando um café, sobre a falta de sentido da vacinação contra a Covid. O problema, porém, é que o debate ocorre num contexto altamente ideológico, precisamente o das teorias da conspiração etc., e que então, por exemplo, se pode citar sem qualquer problema o site Nachdenkseiten, sem questionar a orientação problemática desse jornal como um todo e sem dele se distanciar claramente à partida. Já deveria estar claro para todos os críticos da dissociação-valor para onde levam os argumentos e as correntes das teorias da conspiração. Isto foi exposto em muitos artigos da exit!: levam para a barbárie e nada mais!
A solidariedade tem de existir precisamente para além da chantagem estatal, uma solidariedade que não se deixa impressionar pela acção estatal e que cultiva uma resistência pubertária contra o Estado, porque também ele exige solidariedade. Ainda que não seja estatisticamente comprovado que o coronavírus é perigoso, seria sensato usar uma máscara por precaução.
Nos nossos textos, sempre deixámos claro que o governo não se preocupa simplesmente com a protecção dos cidadãos, mas com a manutenção da valorização, do sistema político e com a prevenção do colapso do sistema de saúde. «Pretende-se que seja mantida a capacidade funcional do sistema de saúde, bem como da maior parte da economia, para que o trabalho e o consumo possam ou devam continuar, enquanto as restrições nas áreas privadas, bem como na restauração, nos negócios de eventos e da cultura, são para retardar o vírus e proteger o sistema de saúde da sobrecarga» (Böttcher 2021b).
Neste contexto, a exit! também questionou explicitamente a alternativa «liberdade ou vida» (Aumercier 2023a, 7), que foi apresentada não só por pensadores transversais ‘críticos do valor’, mas também por Schäuble e pelo FDP, em que a morte foi oficialmente autorizada, de acordo com a lógica patriarcal capitalista. Portanto, não nos colocamos simplesmente atrás de «a vida», como Aumercier implicitamente nos atribui. Herbert Böttcher escreve, questionando a moral e a ética: «Os conselhos e comissões de ética são procurados quando se trata de estabelecer harmonia com as condições da normalidade capitalista. Todo o 'espalhafato de ética' [...] visa estabelecer normas éticas gerais, tais como 'protecção da saúde' ou orientações éticas como 'a vida não é o bem mais elevado' (Schäuble), com funcionalidade sistémica. Os discursos éticos tornam-se um teste de compatibilidade de valores e normas supostamente universais com as condições pressupostas como norma (normalidade) inquestionável. Ao apontar que a vida não é o bem mais elevado e é finita de qualquer modo, pretende-se que a crise do coronavírus abra caminho à normalidade capitalista – mesmo à custa da libertação do darwinismo social. Analogamente à problematização da mortalidade da vida 'em si', a ilusão de controlo sobre a natureza foi biopoliticamente identificada como um problema ético. Mas não é apenas a mania biopolítica (de controlo da natureza) de vida funcional e eficiente e seu prolongamento a qualquer preço que é um problema biopolítico, mas também um deixar-morrer sistemicamente funcional – sobretudo tendo em conta os custos associados à preservação da vida 'supérflua'. Na lógica da ética kantiana, isto pode mesmo tornar-se um dever. Neste contexto, a queixa sobre o recalcamento do falecimento e da morte não é menos cínica do que a referência à mortalidade da vida 'em si'» (Böttcher 2021a, 3, ênfase no original).
Aumercier afirma que o capitalismo e o sistema de saúde são em si mesmos socialmente darwinistas. Isto é verdade, apesar de todo o alarido em torno da saúde (que tem, ele próprio, uma base biopolítica) no âmbito do compromisso de classe social-democrata e das falsas prestações neoliberais, que incluem ainda um programa esquemático de fisioterapia e reabilitação. Tais reconhecimentos não devem, porém, levar a encobrir, ou mesmo a minimizar, o darwinismo social na crise do coronavírus, justamente porque o darwinismo social é inerente ao capitalismo. Pelo contrário: isso torna ainda mais urgente questionar o sistema e as ideologias correspondentes! O Estado não quer apenas vacinar para que tudo continue como está, mas, por essa mesma razão, também defende uma «morte precoce socialmente aceitável» (Karsten Vilmar), a fim de reduzir custos. Assim, um testamento vital não é simplesmente recomendado para poupar sofrimento às pessoas, mas para poder desligar aparelhos dispendiosos; Aumercier diz algo semelhante, mas fá-lo como se nós não soubéssemos disso.
6. Teoria à briga
É claro que o valor de uso também já está sempre «envenenado pela forma» (Robert Kurz). No entanto Robert Kurz não diria também que os progressos, por exemplo na medicina, devem ser negados em abstracto: a medicina moderna também é uma conquista. É preciso ver o que deve ser aproveitado, uma vez eliminada a reificação, e o que deve ser rejeitado por ser prejudicial (ver o texto «Tabula rasa» de Robert Kurz nesta edição da exit!).
Aumercier questiona por que razão o coronavírus é tão valorizado pelo Estado e pela ciência, enquanto é tolerada a contaminação quotidiana no capitalismo, que lhe é estruturalmente inerente. Também aqui se aplica o seguinte: são necessárias medidas contra a pandemia e contra a contaminação – mas o Estado não pode fazê-lo, ou pode apenas de forma limitada, pois isso exigiria uma mudança de sistema. Por isso é simplista exigir uma mudança de sistema ao Estado.
Isso não exclui apontar os fundamentos de todo o mal-estar em termos da teoria da dissociação-valor e, ainda assim, adoptar um «pragmatismo realista». Na nossa teoria não passamos por cima de cadáveres e, apesar de toda a insistência na teoria e na distância crítica, não propagamos uma referência positivista ao objecto. Aqui a crítica da dissociação-valor concorda com Walter Benjamin quando ele escreve que o curso da história não pode passar por cima de cadáveres. A sua insistência na interrupção desse curso alimenta-se da sensibilidade para com os derrotados da história. Hoje pode-se interpretar como uma objecção ao curso social-darwinista da crise o facto de as vítimas da história não poderem simplesmente ser esquecidas no progresso da história; isso vale também para as vítimas do coronavírus. Já no final de Maio de 2020, constatámos que «seria necessário pragmatismo e cooperação à escala internacional para conter a crise actual que se agudiza com o coronavírus. A pesquisa, as transferências de bens etc., a produção de coisas vitais teriam de ser controladas para além das fronteiras nacionais, sem burocracia e gratuitamente, para contrariar outras consequências bárbaras. A situação forçada requer ajuda mútua e cooperação. Contudo, tal pragmatismo e união de esforços não devem ser confundidos de maneira kitsch com o aparecimento de outra sociedade. Esta só pode ser vista quando, pensando e agindo, se chegar a uma ruptura com as formas de socialização da dissociação-valor» (Scholz; Böttcher 2020).
Não se trata, portanto, de hipostasiar a moral, uma falsa imediatidade e um dever abstracto (no sentido ético). Estes pertencem ao próprio capitalismo, como já mostrei. Em vez disso, a crítica da dissociação-valor coincide com Adorno quando ele escreve: «A necessidade de dar voz ao sofrimento é condição de toda verdade» – mas não numa falsa imediatidade, e sim na mediação com a objectividade das relações. E assim continua a frase: «Pois sofrimento é objectividade que pesa sobre o sujeito; aquilo que ele experimenta como seu elemento mais subjectivo, sua expressão, é objectivamente mediado» (Adorno 1966, 29). É absurdo justificar eticamente ou de qualquer outra forma que o sofrimento não deve existir. Adorno acentua isso ao olhar para Auschwitz, quando no início do texto «Educação após Auschwitz» diz: «A exigência de que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação [...] Justificá-la teria algo de monstruoso em vista de toda monstruosidade ocorrida» (Adorno 1997, 674).
E Robert Kurz escreve como princípio: «Um ‘direito’ à vida, à alimentação, à moradia etc., porém, é em si absurdo; só faz sentido num sistema de referência social que por tendência não pressupõe como evidentes todas essas bases elementares da reprodução humana, mas, pelo contrário, as questiona constante e objectivamente» (Kurz 1993, 31, ênfase no original).
Querer aqui ficar de fora, por exemplo, em relação ao coronavírus, seria cínico – e estaria mesmo na linha social-darwinista do desenvolvimento social.
Na guerra do Iraque, por exemplo, também não ficámos de fora, mas criticámos a acção do Ocidente – embora no contexto de uma análise global do capitalismo, em que não se ataca simplesmente os EUA à velha maneira anti-imperialista. É assim que se tem de entrar «na briga» (Marx). E, finalmente: desde quando a polémica não pode existir, pelo menos no contexto da exit!, e deve ser substituída por uma confraternização geral? Em relação a posições que estão em contradição flagrante com os fundamentos da reflexão teórica, é preciso demarcar-se, sem se nem mas, essa sempre foi a divisa da exit!. Até hoje, os membros da exit! têm sido extremamente cautelosos na sua crítica, mesmo em termos linguísticos, mas extremamente decididos em relação aos pensadores transversais ‘críticos do valor’.
7. Conclusão
Em conclusão, pode-se afirmar que no conflito com os pensadores transversais ‘críticos do valor’ não se trata ‘disto e daquilo’, nem do “narcisismo das pequenas diferenças”, mas sim da substância que constitui a crítica da dissociação-valor: compreender o capitalismo como dominação abstracta e, a partir daí, ter em vista também a totalidade concreta.
É perfeitamente claro que os nossos pensadores transversais ‘críticos do valor’, ultimamente, têm caído cada vez mais para o lado dos pensadores transversais. Assim, Urban/Uhnrast publicaram uma colectânea intitulada Schwerer Verlauf – Corona als Krisensymptom (Caso grave – O coronavírus como sintoma de crise) pela editora «de esquerda» Promedia, que tem um programa correspondente (Urban 2023). Similarmente a revista Streifzüge, para a qual Urban agora também escreve, publica textos da frente transversal. Grande parte da crítica do valor aproxima-se cada vez mais das tendências bárbaras do espírito da época. É preciso opor-se veementemente a isso. Especialmente após o ataque do Hamas a Israel, um anti-semitismo estrutural parece formar uma amálgama sinistra com um anti-semitismo directo por todo o mundo. Não se pode dialogar com pensadores transversais, o que tentámos durante muito tempo em e-mails não oficiais, que não podem/não devem ser aqui documentados. Seria também errado tratar esta reacção apenas como uma tempestade num copo de água da cena da crítica da dissociação-valor. Pelo contrário, ela deve ser vista como uma manifestação de contradições gerais da sociedade como um todo, num contexto fetichista. Seria importante também mostrar a relação entre patriarcado, razão instrumental e tecnologia, que está totalmente ausente em Aumercier, e que também aqui só pôde ser insuficientemente trabalhada, por razões duma redução de complexidade puramente formal.
Bibliografia
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Original “Eine Metatheorie der Verschwörungstheorien? Eine Replik auf Sandrine Aumerciers Überlegungen zur Auseinandersetzung um Corona – bei exit!” in revista exit! nº 21, Abril 2024, p. 229-244. Tradução de Boaventura Antunes, 06/2025