Trabalho morto, trabalho vivo:

 

o abismo energético da sociedade do trabalho[1]

 

Sandrine Aumercier

 

Tradução: Rachel Pach

Revisão: Ariel Machado

Tradução do alemão:

Fábio Pitta

A questão que inquieta a tanta gente é tentar entender como foi que chegamos a este ponto de um desenvolvimento tecnológico desenfreado, que implica na automação progressiva de todas as atividades possíveis e no avanço incessante de um estado de vigilância de massa. Que tipo de crítica pode se opor a esta evolução, que não seja apenas uma reação estéril ou um movimento puramente afetivo? Algumas das críticas já feitas, que se tornaram clássicas, esforçam-se para encontrar critérios entre as boas e as más tecnologias, os bons e os maus usos, entre tecnologias alienantes e emancipadores, ou mesmo autoritárias e democráticas (para usar os termos de Ivan Illich, Lewis Mumford, etc).

Vemos com frequência na imprensa e na literatura especializada a expressão de revolta de muita gente contra certo “limite inaceitável” do desenvolvimento técnico que estaria prestes a ser ultrapassado. Vemos também que este tal “limite do inaceitável” nunca para de se estender e, a cada nova geração de críticos, um novo “limite inaceitável” é definido. Os critérios parecem, porém, quase sempre fundados ou na própria opinião dos autores ou nos pontos de inflexão de sua época. O que todas essas críticas têm em comum, no entanto, é o fato de idealizarem uma “deliberação consciente”, como se fosse possível determinar limites racionais para essa “fuga para frente” que corresponde à corrida tecno-científica. Mas, se observamos bem, veremos que quase sempre estas críticas se voltam para trás: apontam limites que já foram ou estão a ponto de serem ultrapassados – o que as condena, por princípio, a posições reacionárias, além de se tornarem elas próprias ultrapassadas a cada inovação que surge.

Tais críticas em geral se detêm ao aspecto fenomênico da tecnologia, enquanto o que deveria ser feito, num sentido crítico, seria buscar-se compreender a dinâmica interna desta trajetória que termina sempre por varrer da frente qualquer “limite ético”, ou mesmo qualquer ideia de limite. O que é, afinal, esta lógica que não conhece nenhum limite de princípios e parece precisar absorver tudo o que existe?

De forma descarada, o assim chamado transhumanismo professa a metafísica de um progresso indeterminado, ao risco assumido de permitir que a humanidade desapareça diante de algo que se apresenta como “maior que ela”, ainda que criado por ela. Embora antigas, tais ideias mostram-se hoje inescrupulosas, apoiadas numa concepção unidirecional da evolução terrestre e até mesmo cósmica. Elas entendem que tudo é resultado de uma longa evolução natural, da qual o humano corresponderia ao ápice e que a nós caberia apenas “gerir melhor” seus inevitáveis efeitos colaterais. Mas, se a ciência avança no sentido da acumulação capitalista, convém duvidar que ela possa “progredir” de forma teleológica, levando em consideração a quantidade enorme de enigmas com os quais ela se depara a cada novo “avanço”, assim como o abismo aberto pelo progresso das ciências aplicadas (dentre elas, as aplicações militares) e seus “efeitos colaterais”, cada dia mais desastrosos. É possível afirmar então que a ciência, sob pretexto de totalizar o saber, avança em direção ao abismo, já que os meios técnicos que ela requer são cada vez mais desmedidos, ao ponto de colocar em risco sua própria continuidade. 

Os cenários transhumanistas não são apenas projeções sobre o futuro. Eles descrevem, de forma apologética, uma corrida que já está posta em curso. Em certo sentido, podemos entender que estes cenários nos dizem mais sobre a realidade em que vivemos do que os discursos dos defensores do pretenso debate democrático ou aqueles dos moralistas ofendidos que creem poder impor qualquer “limite”. Vejamos Nick Bostrom, por exemplo, que afirma que a única solução que nos resta diante dos riscos engendrados pela tecnologia seria implementar um monitoramento rígido de toda a população mundial. Diante disso, de nada adianta denunciar uma “conspiração”, pois não se trata de uma: trata-se antes de tudo da consequência mesma de uma lógica implacável que é assumida à luz do dia por seus arautos.

De maneira central, a metafísica transhumanista gira em torno da questão energética de um lado e da autonomia da técnica de outro. Este era, aliás, o grande tema de Jacques Ellul, embora ele não tenha muito bem elucidado a relação que a sociedade do trabalho mantém com o desenvolvimento tecnológico. Uma crítica radical do trabalho, como a que faz a crítica do valor, deve estar à altura de explicitar tal relação.

Não é sem motivos que a crítica anti-industrial e a crítica das tecnologias tenham se afastado do marxismo tradicional, que é ainda tomado pelo pensamento produtivista (que se pode, de fato, encontrar nos textos de Marx). Mas, lendo o próprio Marx, podemos também encontrar elementos de uma crítica à tecnologia que vai além de sua inclinação “progressista”, precisamente nas categorias que ele desenvolve, dentre elas, especialmente, a categoria de trabalho abstrato. Esta poderia ser então a questão central: o que é que acontece, afinal, nesta relação que Marx chama de “trabalho vivo” e “trabalho morto”? Em que consiste exatamente essa substituição entre um e outro?

Explicitar tal substituição permite elucidar não só a questão da pretensa autonomia do desenvolvimento tecnológico, mas também reinscrever no núcleo mesmo da crítica do capitalismo a dimensão – cada vez mais significativa – da crise energética. O marxismo até aqui ignorou amplamente essa questão que é, no entanto, essencial. A crise energética não é, de forma alguma, uma fatalidade que remonta a tempos imemoriais. Ao contrário do que dizem certas narrativas, que projetam sobre o passado a escassez econômica instalada no início da sociedade mercantil (os escritos de Walras são muito elucidativos nesse sentido), a crise energética não é outra coisa senão uma consequência necessária e insolúvel do modo de produção capitalista e de sua metafísica do progresso.

Esta reflexão nos permitirá outra abordagem para a questão da emancipação e da famosa dita “reapropriação” dos meios de produção pelas forças produtivas. Que tipo de reapropriação seria esta, afinal? Bastaria mudar as fábricas de mãos para que tudo entrasse nos eixos, como queria o marxismo tradicional? E que sujeito é esse que imaginamos quando falamos de um sujeito emancipado que, de uma hora para a outra, seria capaz de orientar todo o universo tecnológico em direção às “boas” escolhas? Bom, essa conversa toda suscita inúmeras questões que mereceriam um tratamento muito mais aprofundado do que cabe aqui neste texto. É importante notar, no entanto, que todas estas dimensões estão articuladas e o que nos interessa é justamente identificar a conexão entre elas, a fim de não cairmos na velha armadilha das críticas fragmentárias do “sistema”.

 

1 – Trabalho morto, trabalho vivo: expondo os conceitos de Marx

Marx diz que os produtos do trabalho – e, portanto, também os meios de produção (as máquinas, matérias primas, etc) – são trabalho já passado, trabalho morto. O capital injeta trabalho vivo no trabalho morto. Apenas esta operação pode acionar o movimento autônomo de valorização que pressupõe, obrigatoriamente, trabalho vivo em sua fonte:

O capitalista, mediante a compra da força de trabalho, incorporou o próprio trabalho, como fermento vivo, aos elementos mortos constitutivos do produto, que lhe pertencem igualmente. Do seu ponto de vista, o processo de trabalho é apenas o consumo da mercadoria, força de trabalho por ele comprada, que só pode, no entanto, consumir ao acrescentar-lhe meios de produção. O processo de trabalho é um processo entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas que lhe pertencem. O produto desse processo lhe pertence de modo inteiramente igual ao produto do processo de fermentação em sua adega.[2]

O capitalista é, então, aquele que tem meios de comprar os meios de produção (edifícios, máquinas, etc), quer dizer: trabalho morto; e também a força de trabalho, quer dizer: trabalho vivo. A combinação desses dois produz algo a mais que o valor já contido neles: este algo a mais é a mais-valia. “Morto” e “vivo” têm aqui, então, um sentido completamente diferente do usual. Vejamos, por exemplo: o trabalho de um escravo ou o de um animal de tração deve ser tratado pela categoria de “meios de produção” ou de “trabalho vivo”? Seguramente, o “valor” deste escravo ou deste animal será fixado no momento de sua aquisição e será transferido sem acréscimo ao valor final do produto que este ou aquele terá servido para criar. Pode-se, assim, considera-los como meios de produção, nos quais se encontra “coagulado” trabalho morto – já que, do ponto de vista capitalista, foi antes necessário alimentá-los e formá-los até o momento em que foram postos a trabalhar. Mas eles não são, por acaso, seres vivos? Os seres vivos que realizam trabalho não remunerado são, do ponto de vista do capital, meios de produção, portanto, trabalho morto.

Se o capitalista pode usar de um escravo ou de um cavalo para aumentar o valor de seu capital, ou seja, para obter lucro, é porque ou esses seres vivos aumentam a produtividade do trabalho remunerado, ou porque já há um mercado capitalista formado fora dali, onde o capitalista pode vir a realizar o valor que ele não contribuiu para criar diretamente. O “trabalho vivo”, no sentido do modo de produção capitalista, não é, portanto, o trabalho de qualquer ser vivo, mas o da força de trabalho “formalmente livre” – quer dizer, esta força que é remunerada por realizar um processo de transformação que deve levar a um valor maior na saída do que na entrada. Este não é o caso em nenhuma outra forma de produção, que pode no máximo criar um excedente, mas não valor – entendido como a porção média do tempo de trabalho socialmente necessário incorporado em cada mercadoria. Esta é também a razão pela qual a escravidão estava historicamente destinada a desaparecer uma vez estabelecido o capitalismo – ainda que persista localmente em diferentes nichos e sob a forma de trabalho infantil. Assim o trabalho assalariado, por mais que se assemelhasse de fato ao trabalho escravo, teve que se generalizar por toda parte para que se constituísse um mercado capitalista propriamente dito. O trabalho assalariado não é, portanto, um “progresso” nem uma “conquista da civilização”, mas a transformação de uma forma de exploração em outra – que, ao contrário da anterior, torna-se um imperativo universal e inscreve no coração do trabalho a espoliação generalizada dos meios de produção, assim como a chantagem da subsistência.

Mas este processo não pode ser compreendido senão pensarmos de maneira global. Por exemplo, a atividade do escravo ou do cavalo não constitui, de forma alguma, trabalho produtivo, pois não cria valor. Do ponto de vista capitalista, ela faz parte do capital constante e constitui um meio de produção, que não é nem essencial nem insubstituível: em uma fase mais madura da dinâmica histórica do capitalismo, estes “meios de produção” vivos tendem a desaparecer (contrariamente às atividades de cuidado que, ainda que não sejam produtivas de valor, são essenciais à reprodução global do sistema e na era moderna foram projetadas sobre o feminino e dissociadas da esfera pública e econômica, como analisa Roswitha Scholz). Assim, do ponto de vista capitalista, todo ser vivo é considerado: (1) ou como capital (igualmente a qualquer outro meio de produção em que o capitalista investiu); (2) ou como detentor de força de trabalho remunerada (ou seja, um trabalhador). O fato de haver figuras históricas intermediárias não deve borrar o rigor da definição. Assim, tudo o que existe – todas as fontes naturais, assim como todos os produtos do trabalho passado – é considerado, segundo a mesma abstração, como “fator de produção”.

“Mortos” ou “vivos”, o capital não conhece nada além dos “fatores de produção”. Tudo aquilo que estiver fora desta lógica instrumental não existe para o capital e começa a existir apenas uma vez que se torna um fator de produção. Em um mundo dominado pela forma-valor, ou se é fator de produção, ou se é inexistente e supérfluo. Olhemos para a gestação. Quando uma mulher dá luz, ou seu parto simplesmente não existe do ponto de vista capitalista; ou torna-se uma perturbação para a produção (caso a mulher seja assalariada); ou, ainda, corresponde a um enorme custo para o Estado que deverá se encarregar dela – mas, “felizmente”, ela fabrica um futuro trabalhador e este será acionado quando vir a ser necessário. Sob o capitalismo, a “fabricação de uma criança” – para usar as palavras de Marcela Iacub – é então aquilo que esta mesma autora chamou de “triste destino de mamífero subdesenvolvido”: um fardo do qual as mulheres logo poderão ser liberadas com o advento do útero artificial (muito mais eficiente, aliás). Podemos então notar que nada escapa ao desenvolvimento tecnológico, não são feitas sequer exceções simbólicas, e as lutas existentes que tendem a fazer valer tais exceções demonstram não terem compreendido nada. No fim das contas, já existem pesquisas científicas prestes a possibilitar psicoterapias conduzidas por assistentes artificiais, ou algoritmos capazes de predizer crimes, detectar mentiras, prescrever o surgimento de doenças mentais... Esses cientistas juram, aliás, estarem cobertos de precauções “éticas”. Porém, é empiricamente flagrante que não há hoje nenhum limite posto ao avanço da realidade algorítmica.

Tudo o que existe deve ser posto para trabalhar, a um grau de substituição cada vez mais monstruoso de trabalho vivo por trabalho morto. O material madeira e a serra são trabalho morto valorizado pelo trabalho vivo do empregado da serralheria, depois pelo carpinteiro, etc. O frango e a granja são trabalho morto valorizado pelo trabalhado do criador agrícola. A floresta primaria ou a ave selvagem não interessam ao capitalista a não ser que venham a ser capital, isto é, que sejam investidos como trabalho morto (de extração, criação, etc.) em um processo de valorização. Daí a idealização moderna da natureza como virgindade não contaminada pela lógica instrumental. A causa animal é, neste sentido, também ela, uma causa perdida.

Do mesmo modo, o indivíduo em sua singularidade não interessa ao capitalista: interessa apenas sua força de trabalho. Esta força de trabalho é uma quantidade abstrata e intercambiável de energia humana dispensada para criar valor. Daí a idealização moderna da interioridade e da identidade, que reivindicam em vão seu estatuto de exceção. Já escrevia Marx: “O próprio homem, considerado mera existência de força de trabalho, é um objeto natural, uma coisa, embora uma coisa viva, consciente, e o próprio trabalho é manifestação material dessa força”[3].

O reducionismo ao qual o trabalhador é submetido é o mesmo que submete todas as coisas existentes, com o porém de que apenas o trabalhador anima o processo de valorização. Se seguirmos o texto de Marx, veremos que a força de trabalho é a centelha viva que anima o mundo morto do capital. Com o capital, o morto e o vivo ganham uma nova definição. Tudo o que não for força de trabalho atual é reserva inerte de capital; o capital se apropria de tudo, seja como trabalho morto, seja como trabalho vivo.

A longo termo, tudo deve ser transformado em capital (isso está escrito com todas as letras em textos de economistas mainstream, por exemplo, Robert Solow). É por isso que mesmo os dejetos estão destinados a entrar no processo de transformação, assim como os genes, a atenção humana, os afetos, a intimidade... Não há nenhum território sagrado a ser preservado, daí a inanidade de nossas idealizações secundárias quando acreditamos poder retirar algo desta lógica automata sem, contudo, criticar esta própria lógica.

É neste sentido que o trabalho vivo – quer dizer, a força de trabalho que anima o capital – é a substância do processo de valorização. “O trabalho, através de seu mero contato, ressuscita dos mortos os meios de produção, os vivifica para serem fatores do processo de trabalho e se combina com eles para formar produtos”[4]. Marx complementa: “O capital tem um único impulso vital, o impulso de valorizar-se, de criar mais-valia, de absorver com sua parte constante, os meios de produção, a maior massa possível de mais-trabalho. O capital é trabalho morto, que apenas se reanima, à maneira dos vampiros, chupando trabalho vivo e que vive tanto mais quanto mais trabalho vivo chupa”[5].

A metáfora do trabalho vivo e do trabalho morto também é a que permite Marx descrever o surgimento das fábricas: “Na manufatura, os trabalhadores constituem membros de um mecanismo vivo. Na fábrica, há um mecanismo morto, independente deles, ao qual são incorporados como um apêndice vivo”[6]. Disso decorre que não há trabalho vivo sem trabalho morto, e vice-versa. Os dois nascem historicamente juntos e formam um todo indissociável. No entanto, a relação entre eles (sua razão, ratio) varia ao longo do tempo e do espaço.

Podemos, porém, nos perguntar porque utilizar esta metáfora, por que não nos atemos aos termos “capital fixo” e “capital variável”? Pois estes últimos descrevem o processo do ponto de vista do capitalista. Para o capitalista, o que existe é apenas uma combinação de fatores de produção a ser otimizada visando obter ainda mais lucro. Mas quando Marx fala de trabalho vivo e trabalho morto, ele está ao lado da crítica da economia política e insere na descrição objetiva do processo produtivo uma espécie de negativo – como a radiografia de um esqueleto – que nos revela em qual mundo realmente se desenrola o capital. Trata-se de um mundo de coisas mortas – tratadas unicamente do ponto de vista do trabalho passado que elas retêm, onde tudo o que se quer delas é transformá-las em algo oportuno ao trabalho – no qual se injeta trabalho vivo, a fim de manter o processo de valorização em movimento, buscando, ao mesmo tempo, sempre substituir o trabalho vivo por trabalho morto, de modo a manter-se individualmente competitivo: dois imperativos forçosamente contraditórios.

2 – O problema da substituição e o trabalho como “dispêndio de energia”.

Acabamos de dizer que o trabalho vivo transforma algo com determinado valor (no sentido capitalista do termo) em algo com mais valor ainda. Precisamos agora examinar melhor a natureza desta transformação. Há uma certa quantidade de trabalho vivo que transforma uma certa quantidade de coisas em trabalho morto. Entre uma e outra, foi criado o valor.

No que concerne ao desenvolvimento tecnológico, podemos constatar empiricamente que há cada vez mais trabalho morto: o mundo está repleto de máquinas e quer-se automatizar tudo. Paralelamente, há cada vez menos trabalho vivo suscetível a criar valor. Convém aqui distinguir “trabalho produtivo” de “trabalho improdutivo”: grande parte dos empregos criados recentemente consistem apenas em atividades de manutenção, vigilância, logística, marketing, sem contar as funções de Estado, que de fato são trabalho, mas não criam nenhum valor. Estes últimos são financiados pela tributação da criação global de valor. O eventual aumento de empregos sem valor demonstra apenas que somos, de fato, uma civilização do trabalho, em que o ser humano precisa, mais do que nunca, administrar o mundo morto da mercadoria. A criação de valor, entretanto, segue sofrendo um esgotamento estrutural, já que as mercadorias contêm cada dia menos valor, ao mesmo tempo que esta estrutura toda não para de se ampliar e, com ela, também seus custos de manutenção.

Marx nos mostra que, no desenvolvimento inicial do capitalismo, recorreu-se ao prolongamento da jornada de trabalho visando-se aumentar o tempo de mais-trabalho e, assim, a mais-valia absoluta. Este procedimento, porém, não tinha como durar muito diante das pressões sociais pela redução da jornada de trabalho. O capitalismo se moveu, então, em outra direção: sob a base de uma mesma duração do trabalho, o negócio será aumentar a produtividade, o que cria a mais-valia relativa. A maquinaria “é um meio de se criar mais-valor”[7] – disse Marx. A introdução da maquinaria e da industrialização foi, então, uma necessidade estrutural ligada à expansão do capitalismo. Não se tratava, portanto, de nenhuma “pulsão inata” do ser humano que teria começado com a descoberta do fogo (!).

De fato, no mundo pré-moderno, não havia essa corrida de desenvolvimento tecnológico. Algumas técnicas eram conhecidas, mas pouco empregadas. Outras estagnaram, pareciam satisfatórias. Diferentes processos podiam coexistir em diversas sociedades, sem homogeneização. As técnicas não tinham nenhum sentido senão em função da organização simbólica em que estavam inseridas. Maurice Godelier diz, por exemplo, que no fundamento das sociedades se encontram as relações que chamamos de político-religiosas, e não uma noção qualquer de eficácia técnica ou racionalidade energética. É apenas com o capitalismo industrial que a técnica entra num desenvolvimento desenfreado, homogeneizante e aparentemente autônomo. O mito do progresso se generaliza neste momento.

Marx localiza esta mudança histórica na transição da ferramenta para a máquina-ferramenta. As máquinas-ferramentas livram o trabalho de sua limitação orgânica. A fraqueza orgânica do humano fica, assim, muito maior. Mas Marx diz também que o humano segue sendo o “primeiro motor”, reduzido à “mera força motriz”[8]. Trata-se de aumentar a produtividade do trabalho humano tendo por fim um único objetivo, o aumento da mais-valia relativa:

A máquina produz mais-valia relativa não só ao desvalorizar diretamente a força de trabalho e, indiretamente, ao baratear as mercadorias que entram em sua reprodução, mas também em suas primeiras aplicações esporádicas, ao transformar em trabalho potenciado o trabalho empregado pelo dono de máquinas, ao elevar o valor social do produto da máquina acima de seu valor individual, possibilitando ao capitalista assim substituir, com uma parcela menor de valor do produto diário, o valor diário da força de trabalho.[9]

A sociedade industrial é prisioneira desta contradição. Do ponto de vista de sua estratégia individual, o capitalista é obrigado a promover o desenvolvimento tecnológico ou a se ajustar de algum modo para se manter competitivo no mercado. Do ponto de vista da totalidade capitalista, é necessário que se recorra ao trabalho vivo para se continuar criando valor. Não é possível compreender a reprodução do capital em seu conjunto se consideramos apenas um lado desta contradição.

A nível global, o capitalismo não pode nem prescindir de trabalho humano, nem se privar de aumentar incessantemente o nível de produtividade, que torna de facto supérflua uma quantia cada vez maior de trabalho humano. A nível individual, certas empresas aproveitam o mercado competitivo para “se darem bem”, quer dizer, realizar no mercado mais valor do que elas próprias produzem. Mas isso não muda nada a tendência geral, analisada por Robert Kurz, que só pode conduzir a uma crise generalizada da valorização e, portanto, da reprodução global.

A substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto não tem, portanto, nenhum outro limite senão o da própria capacidade substitutiva ao nível das empresas individuais. Alguns trabalhos, claro, não são passíveis de serem substituídos por máquinas; mas, se fossem, certamente o capital não faria nenhuma objeção por princípio. É por isso que ouvimos tanto falar em serviços automatizados, carros autônomos, inteligência artificial ou robôs domésticos, como se fosse possível e desejável automatizar integralmente a existência social. Mas, ao mesmo tempo, nunca livramos as pessoas da obrigação de trabalhar e continuamos com o sonho do pleno-emprego. Como podemos explicar um discurso assim tão esquizofrênico? Esta contradição morde o próprio rabo e se encaminha para aquilo que Kurz chama de “limite interno absoluto”.

A relação entre trabalho vivo e trabalho morto é, então, determinada pelo estado do desenvolvimento tecnológico em dado momento histórico, que é, por sua vez, ele próprio determinado pelo estado do desenvolvimento das forças produtivas. Segundo Marx, a composição do capital pode ser abordada por dois lados:

Da perspectiva do valor, ela é determinada pela proporção em que se reparte em capital constante ou valor dos meios de produção e capital variável ou valor da força de trabalho, soma global dos salários. Da perspectiva da matéria, como ela funciona no processo de produção, cada capital se reparte em meios de produção e força de trabalho viva; essa composição é determinada pela proporção entre, por um lado, a massa dos meios de produção utilizados e, por outro lado, o montante de trabalho exigido para seu emprego. Chamo a primeira de composição-valor e a segunda de composição técnica do capital. Entre ambas há estreita correlação.[10]

Esta passagem de Marx merece uma atenção particular.

Representemos da seguinte maneira a relação de composição-valor: Tv/Tm

Em um gráfico, enquanto o trabalho vivo (Tv) – produtivo – tende ao 1 e o trabalho morto tende ao infinito, vê-se que a mais-valia resultante tende ela própria ao zero (pode-se dizer que o gráfico tende matematicamente mais ao 1 do que ao 0, já que nunca um sistema técnico, qualquer que seja, será mantido sem ao menos um humano envolvido para supervisioná-lo – ou, como diz Marx, para “acioná-lo”. Há, portanto, neste processo, um limite inferior igual ou superior a 1). Sob tal razão, a reprodução do sistema só pode piorar e, consequentemente, cada vez mais e mais pessoas são excluídas. Tido por muita gente como a causa de todos os males, o capitalismo financeiro é na verdade apenas uma tentativa de contrapor a diminuição de valor global por uma antecipação cada vez mais monstruosa de valor futuro.

Invertamos agora esta mesma relação para obtermos a relação de composição técnica: Tm/Tv.

Enquanto o trabalho morto (Tm) no gráfico tende ao infinito e o trabalho vivo (Tv) tende ao 1, vemos que matematicamente isso resulta em uma produção tecnológica exponencial. Ainda que o sistema pene para se reproduzir, há uma explosão tecnológica que tenta compensar a contração da massa de valor criada pelo aumento desenfreado da produtividade.

É óbvio que este 1 e este infinito correspondem apenas a tendências ou, se preferir, a formalizações matemáticas que tentam representar a trajetória do conjunto. Estas cifras não serão nunca atingidas. Estas duas relações são dois aspectos da composição orgânica do capital, segundo o lado pelo qual a examinamos. Uma coisa é certa: de um lado, o sistema produtor de mercadorias está se esgotando e uma imensa parte da população mundial sendo sacrificada; de outro, o desenvolvimento técnico segue a todo vapor, e o mundo sendo a cada dia mais coberto de todo tipo de objetos e maquinarias. Marx afirma que, tendencialmente, as máquinas “atuam de graça, exatamente da mesma forma que forças naturais”[11], ou ainda: “Quanto menos valor transfere, tanto mais produtiva é e tanto mais seu préstimo se aproxima do das forças naturais”.[12] Marx prefigura perfeitamente aquilo que um ideólogo do solucionismo tecnológico como Paul Crutzen descreveu pelo termo de “antropoceno”. É impressionante que esta ideia de “força geológica” identificada à natureza humana tenha sido tão celebrada nos últimos vinte anos como se tivéssemos acabado de inventar a roda. Para Marx, trata-se de uma metáfora, já que ele diz que a maquinaria se comporta “como uma força da natureza” e não que efetivamente corresponda a uma. Além disso, ele não acusa a humanidade em geral, mas ao desenvolvimento imanente do capitalismo.

 

A composição técnica do capital segue uma evolução histórica irreversível, sempre em correlação à composição-valor de cada época. O motor do desenvolvimento tecnológico é, portanto, a dinâmica do próprio capital. Quanto mais a tecnologia segue um ritmo desenfreado de “inovações” – como se diz hoje em dia – mais o capitalismo se afunda em sua contradição. A rotação deste processo de produção é cada vez mais alucinada, como se pudesse resolver, ao completar o próximo giro, uma equação demonstrada impossível. Ela não destrói apenas a biodiversidade e o clima, mas também os saberes, as línguas, as sociedades, os sistemas simbólicos, etc. A abstração produtiva implica em uma “dejetificação” universal. É como se este movimento não pudesse parar até semear a morte por toda a superfície terrestre.

Não existe, portanto, uma “questão social” de um lado, e uma “questão ecológica” de outro – como quer a ideologia da dissociação burguesa, que se acha, ainda por cima, “crítica”. Acabamos de ver que se trata de um único e mesmo elo, visto por um lado ou por outro.

Em resumo: o capitalismo pressupõe que a quantidade global de trabalho vivo (produtivo) tenda ao mínimo, enquanto a quantidade global de trabalho morto tenda ao máximo – tendências puramente ideais (e idealizadas no mito do progresso). Se isso funcionasse de fato na realidade, o capitalismo teria inventado o movimento perpétuo. Isso nos leva à questão central da energia.

3 – E por que este metabolismo particular é o primeiro na história a criar um abismo energético?

Marx descreve os diferentes modos de produção como “metabolismo entre o homem e a natureza”. O próprio termo “metabolismo” é retirado da fisiologia nascente em sua época, que estudava os processos químicos no interior dos organismos, como a oxidação e a digestão. Do mesmo modo, o termo “força de trabalho” foi emprestado de Hermann von Helmotz. Uma questão que tem sido muito discutida é se Marx endossava o paradigma energético de sua época ao falar em “metabolismo” ou “força de trabalho”. Alguns veem aí a prova de um Marx energetista (Ansons Rabinbach, por exemplo), mas tal interpretação entende mal a crítica marxiana.

Marx mira o reducionismo energetista que está no fundamento do modo de produção capitalista. Ele não o nomeia dessa forma, é certo, mas é precisamente isto que ele teoriza ao indicar, na substituição dos fatores de produção – que está no núcleo da contradição fundamental –, exatamente o lugar onde opera o reducionismo do dispêndio abstrato de energia.

Para que o trabalho mecânico e o trabalho humano possam ser substituídos indiferentemente um pelo outro, é necessário que os dois sejam homogeneizados do ponto de vista de seu coeficiente de rentabilidade. Mas esta consideração econômica tem sempre sua parte material (como já vimos antes, segundo o lado pelo qual se examina a relação de composição orgânica). A única coisa que importa para o capitalista individual é escolher a composição técnica mais lucrativa possível e, uma vez instalada, é ainda necessário otimizar o rendimento de cada fator de produção. O capitalismo estabelece uma equivalência abstrata entre o dispêndio de energia pela força de trabalho e o dispêndio de energia, igualmente abstrato, da máquina e seus fluxos.

Neste jogo, o humano é condenado a correr atrás das performances colossais das máquinas modernas, sempre em atraso em relação a elas (Günther Anders chama de “vergonha prometeica” o sentimento de impotência que daí resulta). O desenvolvimento tecnológico, por sua vez, também corre atrás das atividades humanas ditas “superiores” – como as atividades simbólicas, por exemplo – esperando também as substituir algum dia. Assim, as duas formas de “inteligência”, humana e não-humana, devem poder ser integradas e confundidas ao ponto de tornarem-se indistinguíveis: isso significaria perfeitamente substituíveis. Isto foi, aliás, formalizado pelo teste de Turing, que buscou demonstrar a capacidade da máquina de enganar um humano. A diferença ontológica foi assim reduzida a um teste de comportamento.

A crítica social feita em nome do humanismo sugere ser odioso o capital tratar as faculdades humanas como se fossem iguais às das máquinas, do modo como praticava o taylorismo há um século ou a ideologia gerencial hoje em dia. Mas não seria também problemático tratar um robô como se fosse capaz de inteligência e criatividade? Na realidade, é o mesmo reducionismo que opera nos dois sentidos: em um, o humano é reduzido à categoria de “força de trabalho”, perfeitamente trocável por uma força mecânica; no outro, as máquinas são tidas como “inteligentes”, capazes de “decisão”, de “aprendizagem”, até mesmo de “empatia”. Os humanos são maquinados e as máquinas são antropomorfizadas.

No entanto, as máquinas já não são mais tratadas como meras cópias de seus modelos vivos, como eram no passado. O negócio agora vai muito mais no sentido de sintetizar trabalho morto e trabalho vivo em uma única entidade cibernética fluída. Esta constitui a tentativa de integrar a termodinâmica nos fluxos de produção.

A termodinâmica nasceu no coração dos processos industriais, ao final do século 18, enquanto os engenheiros estudavam o desempenho das máquinas que começavam então a invadir o mundo e os cientistas se questionavam sobre a própria natureza dos processos de transformação, contexto que fez surgir a noção de equivalência entre as diferentes formas de energia e a possibilidade de sua conversão em uma noção de trabalho (proveniente da Física). O próprio termo “energia” demoraria ainda um bom tempo a ser empregado de forma rigorosa para tratar de noções como potência, força, trabalho, calor... Ele veio de experiências empíricas de tentativa e erro, realizadas por pessoas diversas, em práticas completamente diferentes, que se deram mais ou menos simultaneamente. Há um artigo importante de Thomas Kuhn sobre este tema. Não foram os físicos que “descobriram” a energia, mas sim os engenheiros, ainda mesmo quando não existia uma palavra para designá-la. A mecânica estatística, surgida posteriormente, necessita de um alto nível de abstração matemática, fundada em cálculos de probabilidade. Rapidamente, a energia se tornou paradigma em todos os campos do saber e, na maioria das vezes, de maneira muito forçada. Podemos supor que não sem motivos.

É preciso destacar o caráter consubstancial entre esta descoberta e a emergência do capitalismo industrial – o que não significa negar uma “objetividade” das leis da termodinâmica, mas historicizar sua descoberta e formulação: todos os historiadores da energia chamam atenção ao fato de que esta noção é intimamente ligada às novas necessidades e às estruturas de racionalização do modo de produção industrial. Não há nenhum encadeamento determinista que leve da descoberta do fogo à usina nuclear, assim como não há uma teleologia evolutiva. É muito mais interessante abordar as coisas a partir da ideia de “gama de variações”, como propõe o paleontólogo Stephen Jay Gould, embora Gould não tenha estendido tal modelo para explicar a cultura. Na realidade, parece que este cientista tenta “salvar” a própria Ciência de sua compreensão de “contingências evolutivas” que ele mesmo identifica no campo da vida. Ao afirmar que a evolução cultural, contrariamente à das espécies, pode sim responder a uma evolução cumulativa unidirecional, Gould acaba caindo no mesmo erro de seus adversários; ele abandona assim sua tão potente proposição de substituir a imagem linear da escada – como ilustração do processo evolutivo da vida – pela imagem de um arbusto (com todas as suas ramificações). Ora, esta ideia de desenvolvimento unidirecional é um erro de perspectiva que o homem branco ocidental lança retrospectivamente sobre a história da humanidade, tornando absoluta a pequena “vitória” que o levou recentemente a dominar o mundo e, consequentemente, a destruir todas as outras formas de sociedade. É difícil afirmar categoricamente que o único desdobramento possível da evolução da humanidade seria a forma social capitalista, e que se deveria necessariamente liquidar todas as outras formas sociais. As bases da vida e as bases da sociedade – a biodiversidade e a diversidade das sociedades – desaparecem, aliás, a um só ritmo, já que a concepção unidirecional do progresso aniquila toda a gama de variações em prol de uma direção única. A “diversidade” individual sustentada pelas políticas identitárias é, assim, o último refúgio de um processo histórico que chega, ao termo de seu movimento de atomização, nos ditos “tijolos elementares” de seu objeto: aqui, o indivíduo em sociedade; ali, o nano-objeto em uma sala limpa; lá, o bit de informação... A questão é compreender o paradoxo histórico que faz com que esta extrema atomização (que nos leva a crer em um aumento da diversidade por conta da hiper multiplicação dos "indivíduos", no sentido metodológico do termo) venha na realidade acompanhada por uma destruição da bio e da sociodiversidade sem precedentes.

Assim que a noção de energia é solidamente estabelecida, ao final do século XIX, somos confrontados a uma imensa dificuldade. Ao mesmo tempo que alcançamos o ponto mais elevado da abstração necessária para o estudo das transformações industriais, somos levados a encarar ameaças que não poderiam ser mais materiais, que começam a ser tematizadas nesta época. Além de nutrir esperanças sobre o formidável potencial do desenvolvimento tecnológico, a metafísica do progresso alimenta também pressentimentos apocalípticos justificados pela nova compreensão da entropia. Estes dois cenários, um tenebroso, outro iluminado, coexistem desde o início da primeira revolução industrial, secularizando séculos de escatologia cristã.

A primeira lei da termodinâmica estabelece a conservação total da quantidade de energia durante uma mudança de estado. A segunda lei estabelece a irreversível degradação da qualidade ou da usabilidade da energia – ou, dito de outro modo, ela evidencia o caráter de irreversibilidade temporal. Em resumo, estas duas leis vêm afirmar que não é possível se fazer “a mais” com “menos” num modo de produção cuja única finalidade é justamente esta. A termodinâmica é, assim, tanto uma descoberta intrinsecamente ligada ao funcionamento deste modo de produção quanto uma espécie de alerta sob medida que esta lhe oferece em retorno. Mas, para que fosse descoberta, era preciso que antes tivesse sido concebida a própria ideia de se otimizar um dispêndio de “trabalho”. Daí o extraordinário entusiasmo e também a extraordinária ambivalência que envolve a noção de energia desde a sua descoberta. O surgimento de artefatos técnicos cujo objetivo é a otimização do rendimento (termodinâmico tanto quanto econômico) constitui uma ruptura histórica em relação a qualquer outra forma de atividade anterior. Esta teleologia conduz o mundo a um abismo entrópico irredutível às leis gerais da termodinâmica – já que esta coloca como seu próprio princípio o fato de ter encontrado a chave para o movimento perpétuo. O abandono oficial das pesquisas sobre o movimento perpétuo desde o fim do século XVIII não afetou em nada o velho sonho dos alquimistas. 

O capitalismo tende a ignorar o tanto quanto for possível os problemas energéticos que ele mesmo cria e que lhes são completamente consubstanciais – mas, colocado contra a parede, ele tenta ao mesmo tempo integrar a termodinâmica numa visão que transcenderia as impossibilidades materiais, de forma a fazer coincidir “finito” e “infinito”, ou seja: transcendendo também os problemas de escala.

O cenário de uma integração cibernética global aspira a miniaturização microeletrônica e o progresso tecnológico como redução da fatura total de energia. Se ainda não o fazem, asseguram-nos: o farão em breve. A verdade, porém, tem se mostrado o contrário: a miudeza do produto final é inversamente proporcional à quantidade de energia e materiais utilizada para fabricá-lo (isso sem contar o gasto energético ligado ao crescimento da própria rede, à proliferação dos usos e à multiplicação de objetos conectados). Segundo o instituto de Wuppertal, um chip eletrônico requer 16.000 vezes seu peso em matéria para ser fabricado. Mas, sobretudo, a microeletrônica não consiste apenas em criar um chip; a precisão das “redes inteligentes” se dá em função da quantidade de dados recolhidos; estas redes exigem, então, uma quantidade colossal de terminais eletrônicos. Para os cerca de 150 bilhões de objetos conectados prometidos para 2025 pela Internet dos Coisas – alardeados pela grande narrativa da “economia colaborativa” feita por um tal Jeremy Rifkin – multiplicam-se de maneira exponencial a matéria e a energia totais utilizadas para produzi-los, ainda que a economia de energia do produto final seja melhor. É por esta razão que o setor informático já emite mais CO2 que o setor aéreo (tão criticado pelos ambientalistas que estão, como sempre, atrasados em suas brigas). Não podemos esquecer que, de todo modo, todas estas invenções técnicas coexistem e se somam. Qualquer comparação de seus desempenhos energéticos é enganosa neste ponto. Assim, estes problemas só podem ser abordados de maneira sistêmica, ou seja, a partir do paradigma cibernético que as funda. O ponto de vista do humanismo abstrato há muito está integrado ao sistema como um “fator humano” e não poderia constituir, portanto, uma exterioridade teórica.

A crença em um progresso da eficiência energética baseada no produto final consiste, então, em isolar mentalmente este produto do conjunto da infraestrutura sobre a qual ele intrinsecamente repousa. Quando seus autores são postos contra a parede e obrigados a abordar este assunto, recorrem a uma pirueta naturalizante que evita o problema: “vocês querem então que a gente volte a viver à luz de velas!”, “o homem evolui assim desde a invenção do fogo!”, “isso aí é pessimismo!”, etc, etc. Trata-se de uma pura e simples interdição autoritariamente imposta à reflexão sobre a questão legitima das impossibilidades reais do capitalismo cibernético.

O mais inacreditável – é preciso insistir nisso – é, portanto, o caráter rigorosamente a-científico de todas estas afirmações sobre um suposto ganho de eficiência energética, que se fazem inclusive passar por progressos científicos. Pois nenhuma energia, em nenhum lugar, jamais é criada do nada e nenhum trabalho é isento de entropia. Esse truque de ilusionismo não nos diz, portanto, de onde vem então a energia que parece ser economizada no produto final. É preciso pôr fim nessas artimanhas mirabolantes se quisermos mesmo começar a compreender a questão energética em sua relação essencial com a dinâmica histórica do capitalismo e com o mito do indivíduo racional moderno.

Nos falta ainda nos debruçar sobre a palavra “trabalho” e o que entendemos pela “objetividade” de seus princípios. Se consideramos que o castor “trabalha” para construir uma barragem, chegamos rapidamente a uma visão naturalizada da história humana, quase como se disséssemos: do mesmo modo que o castor “trabalha” fazendo sua barragem, o ser humano também trabalha ao construir as suas. Com a leve diferença de que o castor – que, inclusive, assim como o humano, também tem a capacidade de destruir seu próprio ambiente em determinados momentos – jamais concebeu nada que possa se assemelhar a uma otimização indeterminada de seu dispêndio de energia. E tampouco as sociedades pré-modernas, como demonstram as pesquisas históricas e antropológicas. A destruição que certas sociedades pré-modernas (não todas elas) esporadicamente realizavam de seus ambientes garantia, inclusive, a interrupção do movimento de destruição. Em caso de penúria pontual, os humanos migravam, guerreavam ou sofriam uma queda demográfica. Fazer esta observação não consiste em especular sobre a “qualidade de vida” das formas sociais antigas, idealizando-as. Trata-se, sim, de dizer que, não havendo um princípio de acumulação indeterminado, a destruição se encerraria por si mesma, já que destrói as condições materiais de sua própria continuação. É preciso ainda considerar que um grande número de sociedades vernaculares nutriam aversão pela acumulação de riqueza – para ser objeto de prestígio, a riqueza deveria ser obrigatoriamente redistribuída socialmente. Uma lógica de acumulação indeterminada aí seria logo barrada.

A nova metafísica se baseia na convergência tendencial dos limites materiais do sistema terrestre com um desenvolvimento tecnológico exponencial. As respostas dadas à formulação, hoje popular, “não há crescimento infinito num mundo finito”, podem seguir várias vias:

1) O sonho de abrir o sistema terra para o resto do universo – que no mundo ideal daria acesso a fontes de energia inesgotáveis para a escala humana, mas que, na realidade, já representa um abismo energético, pois prefigura infraestruturas cada vez mais gigantescas para a pesquisa espacial e para a competição internacional que ela implica. Não podemos esquecer que a descrição termodinâmica de um sistema provém, antes de mais nada, de uma operação mental. Na realidade, tudo o que existe está interconectado, mas interconectado de maneira irredutível a qualquer monismo. Na cabeça do teórico, é possível decupar o mundo em sistemas. Esta decupagem é, antes de tudo, fictícia, ainda que fundada sobre uma fronteira observável entre um sistema e seu meio. A cibernética começa por decompor o mundo em miríades de conjuntos e subconjuntos – e por atomizá-lo até virar poeira nanométrica, poeira de bits – para então rejuntá-lo, como um jogo de Lego. É a irreversibilidade do tempo de emergência histórica, no entanto, que se vê negado nesta operação de achatamento das coisas.

2) O sonho de fazer a entropia tender ao zero pela circularidade cibernética. O físico e matemático Melvin Vopson afirma que nosso sistema de informação, se continuar crescendo como está, é capaz de sugar toda energia e, portanto, toda matéria terrestre. O que devemos pensar? Parece ser impossível criar um mundo cibernético “circular” capaz de superar a contradição da qual ele procede; mas apenas de impulsionar uma espécie de fossilização de toda a vida social, que seria integralmente recodificada nas categorias da própria cibernética. Vários engenheiros, aliás, afirmam os limites termodinâmicos inatingíveis desse cenário da circularidade. Acontece que todos eles ficam paralisados de terror diante da seguinte consequência: que este modo de produção não tem nenhuma solução energética. Na realidade, eles até deixariam de ser engenheiros se chegassem nesta última conclusão.

3) O graal da fusão nuclear, que reproduziria e controlaria sobre a terra as reações e processos que acontecem no sol. Basta dizer que este projeto megalomaníaco que ousa anunciar uma “energia inesgotável” encontra-se atualmente há anos-luz de suas promessas. Em uma outra ordem desta ideia, a pesquisa sobre a supra-produtividade à temperatura ambiente promete ainda conduzir a corrente sem perda de calor, o que seria uma revolução tecnológica. Mas até hoje não se provou ser possível alcançar a uma tal propriedade sem o estabelecimento de infraestruturas extremamente energívoras (que consomem quantidades alucinantes de energia para produzirem um resfriamento intenso ou uma enorme pressão).

Estes diferentes cenários – que podemos muito bem chamar de delírios cosmológicos – competem em suas respectivas pretensões de resolver problemas cada vez maiores que eles mesmos contribuem para aumentar. Baseiam-se na ideia tautológica de que o progresso levará naturalmente à resolução de todos os problemas, transcendendo as impossibilidades atuais. Cada nova descoberta justifica uma “fuga para frente”, que estende mais ainda o fim. Não há nenhum limite posto para esta promessa, já que parece proibido interrogar as premissas deste “infinito terrível”.

Está mais para um abismo escancarado – onde todas as energias, humanas e não humanas, são consumidas – isso que se abre sob os nossos pés. Mas ninguém dirá isso francamente, já que fingimos correr atrás da solução numa espécie de “transição” eterna em direção a uma apoteose irrepresentável. Os trabalhos de Georgescu-Roegen tiveram o imenso mérito de trazer a questão da termodinâmica para primeiro plano. No entanto, ele também recai numa apresentação um tanto trans-histórica do problema, que o leva, assim como aos “decrescentes” que se inspiram nele, a propor isto que chamarei de “economia de centavos” e não um questionamento radical do sistema produtor de mercadorias e de seu barco furado. A reciclagem, o reparo de motores, a renovação térmica, etc, não nos salvarão de nada. Na melhor das hipóteses, se funcionassem (o que nem sequer é o caso), retardariam o desfecho fatal para o qual caminha esta civilização.

Lembremos, por fim, que desde Stanley Jevons e seus estudos sobre o carvão, não é mais tanto o inevitável “efeito rebote” o que mais preocupa os especialistas.  O verdadeiro cenário-catástrofe para eles seria a interrupção das cadeias de abastecimento que levariam ao esgotamento de uma fonte estratégica. Após quase sessenta anos (e dos trabalhos de Marion King Hubbert) acreditam que essa é a pior coisa que vai acontecer com o fim do petróleo. As angústias começaram em 1973, com a primeira crise do petróleo, quando pela primeira vez os encarregados das decisões econômicas e políticas previram o que estava por vir. A degradação irreversível do clima é, para eles, um problema secundário, mas se tornou recentemente um ótimo álibi para recobrir o mundo com outras fontes de energia tão nocivas quanto, mas ditas “renováveis” ou “sustentáveis”. Evidentemente, elas não substituem as energias fósseis, mas se somam a elas, funcionado como um aparelho de amortecimento. É ao capitalismo que elas têm a missão de renovar – com a bênção do voto “verde”.

No entanto, foi apenas o capitalismo que colocou no centro de seu metabolismo uma relação social que concebe qualquer matéria como capital em potencial e toda atividade humana como princípio de valorização. É como se o mundo inteiro fosse apenas uma enorme turbina condenada a girar cada vez mais rápido. Há uma quantidade considerável de textos do século XIX que descrevem o mundo como uma usina, onde cada coisa e cada ser devem trabalhar para melhorar seu rendimento econômico e energético. Até mesmo uma planta podia ser descrita nesta época como uma pequena usina. É esta a visão “progressista” veiculada pelo mundo morto do capital e à qual dedicamos nossas existências.

A teoria da crise de Robert Kurz evidencia o fato de que os esforços do sistema para compensar a diminuição da massa total de valor se traduz em ciclos de produção cada vez mais rápidos e em níveis de produtividade dementes. A relação entre trabalho vivo e trabalho morto é levada aqui ao extremo. Um tal nível de rotação implica em transformações de natureza termodinâmica cada vez mais assombrosas: queima-se, em algumas décadas, reservas que muitas vezes levaram milhões de anos para se formar. Os episódios particulares de escassez que certas sociedades pré-modernas enfrentaram – como o desmatamento constatado desde a Antiguidade – são incomensuráveis em relação a esta lógica que acelera em direção ao próprio abismo. Uma escassez local não é um fenômeno irreversível.

E quanto mais falamos em “sobriedade”, “eficiência energética”, “economia circular”, “rede inteligente”, etc, mais insistimos no mesmo erro. Isso é pensar em termos de uma melhor gestão da agonia. É, portanto, particularmente escandaloso que boa parte da horda ecológica esteja engolida por esta maneira de pensar. É preciso dizer que não há ecologia que valha a pena sem uma “ruptura ontológica” (Robert Kurz) com as premissas deste modo de produção. Uma solução que parta do princípio de racionalização poderia nos levar à pior das ditaturas “verdes”, com uma generalização das licenças de emissão, créditos de carbono, racionamentos, etc, como podemos ver em algumas propostas já feitas (ver as publicações do Instituto Momentum, por exemplo) e da qual a crise sanitária atual já seria um spoiler. Da mesma maneira que visa colar o finito no infinito, o desenvolvimento tecnológico visa igualmente fundir a intimidade com a exterioridade, como se pudesse desfazer a maldição do dualismo cartesiano através de uma “violência final” sobre o real, e não através do estabelecimento de outra relação social. Os indivíduos estão cada vez mais condenados a pagar com a própria carne pela “fatura aberta” do capitalismo, que foi até aqui empurrada para “fora”, de diversas formas, garantindo sua expansão histórica. Esses “foras”, no entanto, se deparam com limites externos intransponíveis. Nesse sentido, um projeto como o de abolir a distância entre o pensamento e o mundo por meio de interfaces cérebro-computador, sobre o qual trabalham atualmente grandes plataformas digitais, é perfeitamente adequado a esta lógica que faz do indivíduo o menor elemento de uma totalidade estatística. Isso deve ser visto como o meio cego pelo qual o capital tenta sobreviver através de uma resolução mecânica da sua própria contradição. Se este projeto se realiza, pode parecer que teríamos superado o dualismo cartesiano posto entre res cogitans e res extensa. Mas não deveríamos, ao invés disso, questionar este dualismo em si mesmo – dualismo este que os antropólogos já demonstraram ser característico da civilização ocidental? É óbvio que o monismo materialista não constitui uma superação, já que ele acaba por absolutizar um de seus polos. Ao invés disso, ele provoca uma proliferação de espiritualidades e irracionalismo que tentam em vão reestabelecer – por meio de formas, elas também, especificamente modernas – uma exceção ontológica que não estaria contaminada pela forma-mercadoria.

A mesma crítica da eficiência vale para as energias ditas renováveis que prometem, em nome da saúde climática, simplesmente acelerar a destruição do mundo. A AIE (Agência Internacional de Energia) publicou recentemente um relatório advertindo que o respeito aos objetivos fixados pelo Acordo de Paris demandaria multiplicar por seis as atividades de mineração até 2050. Um extrativismo que já faz estragos enormes em quase todas as partes do planeta, sem falar no esgotamento de certas fontes minerais (que não são menos infinitas que os hidrocarbonetos) ... Onde essa viagem vai nos levar? À Marte? Certamente não.

4 – Reapropriação dos meios de produção e critérios de superação do capitalismo

O pensamento marxista tradicional contava com o desenvolvimento das forças produtivas para libertar a sociedade do trabalho. A tecnologia era em geral descrita como um fator de alienação, mas a transformação porvir faria eclodirem suas potencialidades emancipatórias. Ao dispensar progressivamente a força de trabalho, o desenvolvimento tecnológico iria, de maneira determinista, conduzir à superação do capitalismo. O único objetivo a ser perseguido deveria ser, então, a “reapropriação dos meios de produção pelas forças produtivas”, ou seja: uma mudança de mãos nos termos da disposição jurídica burguesa.

A partir dos anos 1960 e 1970, certos autores marxistas ou anarquistas críticos começam a denunciar mais fortemente a alienação técnica da atualidade, porém continuam a insistir em seu potencial emancipatório em condições transformadas. É o caso de Herbert Marcuse ou Murray Bookchin, por exemplo. Desde então, as discussões têm estado voltadas para as mudanças que deveriam ocorrer nos usos ou nos próprios artefatos técnicos, ou em busca dos critérios de seleção entre as tecnologias a serem preservadas e aquelas a serem eliminadas. Na virada dos anos 2000, a revolução informática recicla esta mesma temática e dispara uma nova onda de esperanças depositada sobre aquilo que se então chamou de “imaterial”, ou o movimento de softwares livres (André Gorz e outros pós-operaístas, notavelmente). Sabemos hoje que o “imaterial” não existe, ao contrário: ele está profundamente enraizado, e de maneira cada vez cada vez mais destrutiva, no mundo material. Atualmente, vemos esta mesma onda de esperanças infundadas acontecendo sobre as impressoras 3D e os painéis solares, como se fosse possível alcançar uma produção decentralizada, desconsiderando a imensa infraestrutura que estes terminais todos supõem. Olhando desta forma, parece que a crítica marxista sempre paralisa ao alcançar o núcleo da questão tecnológica.

Nenhum destes autores articula seriamente a questão do trabalho abstrato com a do desenvolvimento tecnológico. Nesta paisagem, Moishe Postone é uma figura à parte. Ele é, de fato, um dos únicos marxistas a notar que o caráter direcional da dinâmica do capitalismo não pode ser objeto de uma abordagem trans-histórica. A partir de uma crítica à centralidade do trabalho abstrato nesta forma social, ele refuta a concepção do marxismo tradicional de que as forças produtivas seriam independentes da trajetória do capital e que seria possível, portanto, emancipar-se com base na produção industrial. A tradicional fé no “progresso” ou no mito do crescimento e, portanto, na derrubada do capitalismo pela luta de classes tornou-se, segundo ele, anacrônica.[13] Sua releitura de Marx o levou a afirmar que não há glorificação do produtivismo em Marx.

Para Postone, a relação de composição orgânica tende a se tornar obsoleta, já que a crescente oposição entre valor e riqueza material leva automaticamente à abolição do valor. Mas se Postone, por um lado, interpreta o desenvolvimento tecnológico como a “materialização adequada” do processo de produção capitalista (e inclusive “moldado” por este), por outro, ele logo reabilita um “potencial” de emancipação que estaria contido neste mesmo modo de produção, ainda que alienado nas condições existentes.

 

 

A contradição marxiana deve ser entendida como uma contradição crescente entre o tipo de trabalho social que as pessoas executam sob o capitalismo e o tipo de trabalho que poderiam executar se o valor fosse abolido e o potencial produtivo desenvolvido sob o capitalismo fosse usado reflexivamente para liberar as pessoas das estruturas alienadas constituídas por seu próprio trabalho.[14]

O capitalismo dá assim origem a potencialidades que poderiam ser colocadas a serviço de uma libertação: “As pessoas devem ser capazes de se retirar do processo de trabalho imediato em que antes atuavam como peças, e controla-lo de cima[15]. Tal posição baseia-se na hipóstase de um sujeito reflexivo que é, no entanto, indissociável da forma-mercadoria e permanece assim no mesmo ponto cego que o pensamento marxista tradicional. Além disso, o fato de a riqueza material refletir cada vez menos a lógica do valor não significa que uma possa ser dissociada da outra.

Postone argumenta que “as capacidades gerais da espécie” desenvolvidas sob o capitalismo ultrapassam as atuais condições alienadas e são passíveis de serem reapropriadas em novas relações de produção. Desta forma, Postone dissocia as técnicas próprias ao modo de produção industrial das “capacidades gerais” desenvolvidas neste contexto. Falta aqui uma reflexão não apenas sobre a natureza de tais capacidades gerais – que, na realidade, se fundiram com a tecnologia naquilo que passamos a chamar de “tecnociência” – mas também sobre a natureza deste trabalho suscetível de servir de suporte à continuidade de uma produção tecnologicamente avançada. É certo que conhecimentos foram adquiridos sob o capitalismo – aprendemos sobre o funcionamento do genoma, por exemplo – mas nada nos diz sobre o que poderíamos fazer com eles em um futuro livre desta forma social. Pode ser que todo este conhecimento acabe em bibliotecas e museus, dada a falta de infraestrutura material necessária para a pesquisa científica e suas aplicações. Mas para além disso, podemos dizer também que esta forma social desapropria progressivamente toda a humanidade até mesmo de seus saberes mais básicos – como, por exemplo, saber se deslocar sem usar um GPS, escrever à mão ou reconhecer as estações do ano.

O fato é que a mera “abolição do valor” não diz absolutamente nada sobre o substrato material que sobreviveria a tal abolição. Ainda que sua demonstração esteja inteiramente baseada na exposição das relações sociais reais, quer dizer, na articulação do trabalho abstrato com a especificidade do modo de produção industrial, Postone acaba recaindo em uma apresentação que ou salva da crítica uma certa forma de trabalho (é esta a crítica que lhe faz Kurz em A substância do capital), ou salva um dos lados da relação de composição orgânica – a saber, o “potencial” de certas capacidades técnicas passíveis de serem reorientadas em uma nova relação social. No entanto, estas duas tentativas de salvação terminam em um mesmo impasse, o fato de que as capacidades técnicas que conhecemos hoje pressupõem uma infraestrutura gigantesca que jamais se sustentaria sem trabalho abstrato, ainda que este fosse improdutivo em termos de criação de valor e substituído por uma planificação global.

Sob o pretexto de refutar a ideologia operária produtivista, Postone reintroduz então um misterioso “potencial” contido no trabalho morto, que não analisa a abstração consubstancial do trabalho morto e do trabalho vivo, nem o problema da substituição entre eles: “A análise de Marx de fato sugere a possibilidade de uma sociedade futura qualitativamente diferente enraizada no potencial contido no ‘trabalho morto’”[16]. Se admitirmos que não há trabalho morto sem um mínimo de trabalho vivo, então não há nenhum “potencial” que se sustente fora desta relação. A afirmação de Postone parece assim reabilitar o trabalho após tê-lo criticado e se traduz, à grosso modo, em uma apologia da redução do tempo de trabalho. Vejam, a distância cada vez maior entre a base a cada dia mais magra de trabalho produtivo e a explosão desenfreada de trabalho morto não significa o fim desta relação entre um e outro. Se esta relação for quebrada, são seus dois lados que cessam.

Também certos autores da crítica do valor que seguiam nesta mesma direção se detiveram antes de alcançarem o ponto central. Em seu último livro, Thomas Konicz chama atenção para as obstruções feitas pela extrema direita e pelos lobbies petroleiros a fim de sufocar a realidade das mudanças climáticas e impedir o desenvolvimento de energias renováveis. Konicz retoma a tese kurziana do limite interno absoluto que, ao mesmo tempo que torna parte crescente da população supérflua, conduz o mundo à catástrofe climática. Ele parece demonstrar aqui uma confiança impressionante nas “potencialidades” contidas no capitalismo verde, ao qual ele crítica apenas do ponto de vista de sua incapacidade em financiar as energias renováveis e não do ponto de vista de seu paradigma energético. Avaliemos :

Perante o rápido avanço das mudanças climáticas, parece sensato apoiar taticamente projetos de reforma como o Green New Deal, na medida em que eles visam, de fato, criar a infraestrutura básica para uma reprodução ecologicamente sustentável da sociedade – mesmo que o cálculo econômico por trás deles não possa ser bem sucedido. Não há tempo a perder. Afinal de contas, isto criaria a base para uma infraestrutura ecologicamente durável, que o pós-capitalismo poderia herdar no transcurso de uma transformação do sistema. [...] O enorme potencial de produtividade, que acelera a destruição do meio-ambiente sob o modo de produção capitalista, poderia contribuir para o estabelecimento de um sistema econômico sustentável para além da relação capitalista. [...] A luta contra a crise climática consiste em libertar as forças produtivas dos grilhões das relações de produção capitalistas.[17] 

A questão aqui seria apoiar as inovações verdes – por exemplo, inovações ditas de baixa emissão de carbono – com a intenção de recuperá-las em um mundo pós-capitalista porvir. Este futuro foi batizado por Konicz de “comunismo high-tech” e assim ele o descreve:

Em última análise, vemos o potencial para uma economia comunista em tempo real, na qual a procura por bens pode ser imediatamente localizada e satisfeita.
A rede cada vez mais densa de dispositivos ligados à internet permite a construção de ininterruptas cadeias de produção que dispensariam a “mão invisível” cega do mercado: desde o campo para a produção, passando pela distribuição até a geladeira. Um novo paradigma surgiria: a produção eficiente com o objetivo de satisfação das necessidades – e não em prol da valorização do capital. A capacidade de processamento para gerir o sistema em tempo real já existe há muito tempo.
É apenas o modo capitalista de produção que imobiliza as forças produtivas que amadureceram em seu seio e as impede de se desenvolverem livremente.
[18] 

 

Demanda, satisfação, cadeia de produção, capacidade de cálculo, eficiência, tempo real, etc,
são termos diretamente importados do modo de racionalização capitalista. Uma tal concepção de sua superação de forma alguma analisa a articulação existente entre trabalho morto e trabalho vivo e inclusive supõe que o trabalho morto poderia sobreviver ao trabalho vivo de forma autônoma e a serviço dos humanos, enquanto os humanos, livres das garras do capital, poderiam – finalmente – tomar as decisões corretas. Aqui, a identificação moderna entre “subjetividade esclarecida” e “sistema técnico de perfeita eficiência” é retomada e não abolida, e uma harmoniosa reconciliação entre os dois termos é postulada para o futuro, como o último avatar do idealismo burguês.

Podemos encontrar proposições recentes similares dentre os autores da revista Krisis.
Em uma obra publicada em 2020, por exemplo, Lothar Galow-Bergemann et Ernst Lohoff escrevem:

A Terceira Revolução Industrial enterrou a base material das lutas operárias à moda antiga. No que diz respeito ao desenvolvimento da produtividade, a redução urgente do tempo de trabalho só pode ocorrer no contexto de uma crítica radical ao sistema de riqueza abstrata e ao constrangimento de se ter de garantir a subsistência através do trabalho remunerado. […] A ascensão do general intellect como a principal força produtiva coloca na ordem do dia um desenvolvimento em uma direção totalmente diferente. Só podemos resolver o desastre climático se acabarmos com a necessidade de incremento permanente do output. Isso resultaria em uma redução drástica do tempo total de trabalho dedicado à produção de bens. Uma ordem econômica racional que não tenha mais por finalidade o dinheiro e o lucro, mas sim uma distribuição eficiente dos bens necessários, portanto de riqueza material, poderia ser alcançada com base em 5 horas de trabalho por semana. [19] 

Os autores vão além: afirmam que, em uma sociedade cuja economia fosse realmente racional e ecológica, produziríamos apenas 10% do que é produzido atualmente e ainda de forma sustentável e passível de ser constantemente reparada. Eles convocam então a um “movimento social global por uma redução radical do tempo de trabalho”. O termo radical aqui é apenas para efeito retórico, pois perdeu toda a afiação da crítica categorial proposta por Robert Kurz. Categoricamente, uma redução do tempo de trabalho não é abolição do trabalho. Esta reabilitação parcial do trabalho provém, sem nenhuma dúvida, do fato de que os autores entenderam que seria absolutamente impossível manter os níveis de performance do trabalho morto adquiridos sob o capitalismo sem contar com uma base mínima de trabalho vivo. Vejam o que eles propõem, a título de exemplo:

Uma indústria têxtil autogerida do futuro colocaria produtores e consumidores em contato direto entre si. Graças aos canais de comunicação digital e ao uso de tecnologias como a impressora 3D no contexto da produção peer-to-peer, seria possível um acordo prévio para se definir exatamente o que é necessário e o que não é. Isso não apenas economizaria quilômetros ​​de transporte intermináveis, mas também reduziria significativamente o uso dos recursos. […] Não se trata, portanto, de renunciar, mas de deixar finalmente de renunciar. Hoje abrimos mão de uma quantidade indefinida de tempo de vida, de ricas relações sociais, de uma vida boa para todos, apenas para sobreviver em uma concorrência sem fim. Estas mais ricas relações sociais incluirão, é claro, a capacidade de criação de redes globais, de viajar e de conhecer o mundo. Certamente não da maneira que uma parte relativamente pequena da humanidade faz hoje, ou seja, correndo ao redor do mundo com a ajuda de máquinas intensivas em energia, ambientalmente destrutivas e desconfortáveis ​​para o homem, em razão de sempre termos que voltar ao trabalho rapidamente. Talvez em dirigíveis movidos a energia solar e sem a pressão de ter que “otimizar” o máximo possível no menor tempo possível, porque se terá que trabalhar muito menos e porque tal viagem poderia facilmente durar três meses ou mais em vez de três semanas. [...] Pois já temos hoje um enorme potencial de riqueza material. Milhões de pessoas sabem como produzir bens duráveis, como cuidar bem das pessoas ou ensiná-las bem, como administrar os recursos de forma sensata e trabalhar sempre de forma ambientalmente correta. Conhecimento, inteligência, habilidade e imaginação estão disponíveis em massa. Assim que os libertamos da prisão do pensamento que os faz parecer uma “normalidade imutável” onde na realidade reina a produção de riqueza abstrata, abrem-se largos portais. Os especialistas em tal transformação já estão aí, eles simplesmente não estão cientes de seu potencial.[20]

Será que se trata apenas de reaproximar produtores e consumidores, completamente separados no sistema capitalista, ou, de fato, abolir estas categorias? E será que devemos endossar o mito das redes “descentralizadas”, que claramente ignora sua própria infraestrutura material e mantém a ilusão de um protocolo cliente-servidor independente, além de hipostasiar as atividades intelectuais? Diante de um cenário desses, é mais do que fundamental dizer da onde vêm os materiais, quem fabrica os produtos e em quais condições sociais, da onde vem a energia necessária, como concretamente funcionam os meios de transporte e comunicação, etc. O adiamento negligente destas questões até o dia em que se finalmente houver meios de resolvê-las ou até que apareçam os primeiros especialistas prontos para instrumentaliza-las em suas carreiras, só nos mostra como a análise das categorias do modo de produção capitalista é truncada. Estas questões são, aliás, muito mais relevantes e decisivas do que saber como conseguiremos viajar longas distâncias (e nem temos como saber se as pessoas vão continuar contentes em viajar sem os confortos de uma tecnologia maravilhosamente eficiente).

É como se a abolição do capitalismo fosse, segundo esta apresentação de Trenkle e Lohoff,
uma questão de gestão razoável (quer dizer, desprovida de lucro) de uma relação de produção que permanece fundamentalmente a mesma: pois nenhuma produção atual poderia ser mantida (ainda que numa base reduzida) sem os inúmeros intermediários econômicos que coordenam os locais de produção, sem as cadeias de abastecimento globais, sem as infraestruturas capitalistas de transporte e comunicação (cujo custo energético constitui um abismo sem futuro), sem a divisão internacional do trabalho e, por fim, sem a regulação estatal e sem o sistema monetário. Para os autores, tal abolição só poderia se dar, portanto, na base de uma reforma espiritual do capitalismo e não sobre as bases de uma abolição real – por isso que eles falam em uma espécie de liberação mental que despertaria todos os “potenciais” existentes: outra maneira singular de se reciclar o idealismo moderno. A abstração do trabalho não é mais entendida aqui como uma abstração real, mas, usando a expressão de Alfred Sohn-Rethel, como uma abstração imaginária. No fim surge sempre um fantoche de sujeito razoável que, liberto das garras do capital, faria valer seu verdadeiro espírito de saber-viver-junto, por muito tempo alienado pela forma capitalista, como se aí também não houvessem potencialidades de barbárie bastante ameaçadoras, para além das “potencialidades de inteligência coletiva”. Na realidade,
são antes as condições materiais que determinam as formas de consciência, que, por sua vez, constituem apenas a película superficial de uma atividade psíquica que está mergulhada no corpo e em seus modos de repetição pulsionais. A contribuição da psicanálise neste ponto é essencial. As formas de consciência de forma alguma constituem os trampolins para uma disruptura – quer dizer: não há solução intelectual ou moral para os problemas da sociedade. Precisamos reconhecer a importância da contribuição de Robert Kurz ao insistir sobre a incapacidade da atividade teórica em fornecer “soluções” deste tipo, assim como a importância fundamental de Freud ao demonstrar que a consciência não é o lugar determinante de nossas escolhas.

Se a condição universal mínima para a libertação fosse que os humanos se reunissem para lidar com seus problemas aqui e agora, nos locais onde se encontram, sem instituições paternalistas para organizar sua reprodução e apenas em escalas que possam se responsabilizar diretamente, eles então necessariamente reinventariam diversas formas ligadas às condições práticas de seus modos de subsistência. Tal condição não garante a ausência de dominação e barbárie, mas permite aos interessados que lidem eles próprios com as inevitáveis reincidências, em escalas muito mais apropriadas para uma intervenção real. Esta reapropriação seria impossível com a delegação da reprodução social a outras autoridades (inclusive uma planificação cibernética dita “descentralizada”, que corresponde antes de tudo à infantilização definitiva de uma humanidade assistida por forças impessoais que ela mesma fabricou para si). Em uma tal reorganização, as bases da riqueza material seriam necessariamente muito menores do que as que conhecem os centros de produção atuais e as “necessidades” que foram promovidas dentro desta matriz. De que adianta fingir o contrário?

A ideia de se fazer um inventário das tecnologias existentes na hora de uma hipotética virada histórica se pauta, definitivamente, em uma análise truncada em muitos níveis:

1) A tecnologia moderna e a produção industrial deixam de ser analisadas em sua consubstancialidade com a forma social capitalista e voltamos à ideia, denunciada com toda razão por Jacques Ellul, de que poderíamos nos servir à vontade dos conteúdos existentes independentemente de sua emergência e funcionamento sistêmico. Fazendo assim, a relação que opera a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto não é examinada e, particularmente, o impasse energético radical aberto pelo capitalismo – insuperável dentro desta mesma relação de composição orgânica, ainda que reformada – permanece completamente ignorado.

2) O trabalho abstrato, de acordo com esta visão, já não deve mais ser abolido, mas reformado ou diminuído, proposta que se afasta completamente da radicalidade da crítica do trabalho como substância do capital. A crítica categorial pretende romper com esta relação de produção que consiste em colocar a sociedade e o mundo inteiro para trabalhar, com base no emprego de uma mão de obra assalariada “formalmente livre” necessária para a constituição de uma esfera econômica independente. Vejamos bem, não é possível romper com essa lógica pela metade, pois ela não se compromete com nada: está intrinsicamente destinada a mercantilizar absolutamente tudo o que existe, até o último grão de areia.

3) Tal proposta teórica pressupõe ainda um sujeito burguês “razoável” que tomaria boas decisões e determinaria os “limites certos” uma vez livre da compulsão de valorização. Acontece que este sujeito não existe, pois ele mesmo é uma invenção idealizada desta forma social particular e a psicanálise já criticou radicalmente sua pretensão em crer ser o centro das decisões. Nos resta fazer a crítica deste sujeito a partir da observação feita por Robert Kurz, de que a forma-sujeito é precisamente o objeto último da crítica.

4) Um objeto técnico tomado por si só e isolado de seu contexto de fabricação não pode ser dado como “emancipado”, ao contrário do que propõe Ivan Illich. A ideia de se familiarizar com uma ferramenta é, evidentemente, muito atraente, pois fala diretamente à intuição e à fantasia de reapropriação centrada na experiência subjetiva de espoliação. No entanto, não é um tipo específico de objeto que pode determinar uma forma social emancipada, nem mesmo nossa querida bicicleta ou o simpático painel solar, mas a relação social movida entre humanos, ou seja, o sistema prático-simbólico que organiza a fabricação e a circulação de objetos. O simples fato de nos perguntarmos com base em quais relações sociais de produção seriam fabricadas estas bicicletas e painéis solares já coloca suas “qualidades emancipatórias intrínsecas” em questão, ou seja, como é que poderiam dispensar as cadeias de produção globalizadas e a divisão internacional do trabalho?

Para Robert Kurz, tratar-se-ia de liberar radicalmente as atividades humanas de sua subsunção a um padrão de medidas homogêneo (o tempo de trabalho socialmente equalizado) destinado, no capitalismo e apenas nele, a aumentar indefinidamente a produtividade com o objetivo de se manter competitivo no mercado – mercado este que não chega nunca ao “equilíbrio” walrassiano, ao contrário, alimenta uma corrida de valorização autorreferenciada. A própria ideia de produtividade ou de “potencial de produtividade”, a ideia de racionalizar o tempo e o dispêndio de energia, inclusive a própria ideia de se economizar recursos, não perdurariam em uma sociedade que houvesse realmente superado esta relação social. Os problemas apenas se aprofundarão até a extinção final desta estranha metafísica e de seus oficiais hipnotizados.

A ideia seria que os grupos humanos se organizassem para produzir aquilo que precisam – como, aliás, sempre fizeram – do modo que for possível, a depender da escala. As redes mundializadas definitivamente não lhes permitindo fazer nada, restará a dificuldade de se definir o perímetro das escalas ditas “locais”, se quisermos superar também o chauvinismo e o localismo estrito. Esta questão recai talvez nos erros de um pensamento planificador que pretende racionalizar também os territórios. O requisito mínimo para uma apropriação autônoma das condições de reprodução social deveria, se não puder resolver um dos problemas mais espinhosos (o das fronteiras), ao menos por a questão central do perímetro no qual uma tal autonomia poderia ser exercida, e para além do qual inevitavelmente reapareceriam as cadeias de dominação. Um território não é necessariamente limitado por fronteiras étnicas ou geográficas potencialmente militarizadas, pode também ser definido pela área de competência de certas atividades ou pelo próprio fato social: as relações de reprodução simbólicas construídas entre humanos e seu ambiente.

Tal reorganização social certamente não se assemelharia à “vida plena”, mas também não se assemelharia a esta sucessão dilacerante de atividades realizadas hoje por indivíduos lançados como autômatos numa corrida progressiva insana. As modalidades de uma nova relação social surgem das próprias circunstâncias práticas e não de uma planificação antecipadora e do pensamento instrumental: mas, nesse sentido, seu conteúdo prático é indissociável de sua forma social e não pode ser tratado separadamente. Não é porque a atualidade não nos dá muita esperança em tal superação que devamos ceder teoricamente neste ponto. Não podemos permitir que a negatividade da crítica seja mais uma vez positivada a fim de se acomodar numa dinâmica histórica que – esta sim – não faz concessões.


 

[1] Publicado originalmente em: Revista Jaggernaut, nº 4: Reino do valor e destruição do mundo (França, 2022)

[2] MARX, Karl. O capital. Livro I, v. I, tomo 1. São Paulo: Nova Cultural (coleção “Os economistas”), 1996, p. 304

[3] Ibid, p. 320.

[4] Ibid, p. 318.

[5] Ibid, p. 347.

[6] MARX, Karl. O capital. Livro I, v. I, tomo 2. São Paulo: Nova Cultural (coleção “Os economistas”), 1996, p. 55.

[7] Ibid, p.7.

[8] Ibid, p. 10-12.

[9] Ibid, p. 39.

[10] Ibid., p. 245.

[11] Ibid., p. 22.

[12] Ibid., p. 24.

[13]             POSTONE, Moishe. Tempo, trabalho e dominação social. São Paulo: Boitempo, 2014 [1993], p. 27.

[14]             Ibid., p. 61, grifo nosso.

[15]             Ibid., p. 58, grifo nosso.

[16]             Ibid., p. 523.

[17]             KONICZ, Thomas. Klimakiller Kapital. Viena/Berlin: Mandelbaum, 2020, p. 99-101, grifo nosso.

[18]             Ibid., p. 313

[19]               LOHOFF, Ernst & TRENKLE, Norbert (org.). Shutdown. Klima, Corona und der notwendige Ausstieg aus dem Kapitalismus. Münster: Unrast, 2020, p. 186-187.

[20]             Ibid., p. 198-200

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