Thomas Meyer

 

O género entre 'ficha de jogo' performativa e biologização – Crítica da queerness pós-moderna tardia e do discurso médico sobre a 'transexualidade'

 

 

Nos últimos anos, a "política de identidade" de esquerda e dos liberais de esquerda tem sido criticada muitas vezes. Também na cena queer a crítica tem fervilhado ultimamente, como mostra a publicação do livro "Beißreflexe" [Reflexões mordazes] de 2017 e outras publicações subsequentes na chamada "Kreischreihe" [Série gritante]. Thomas Meyer trata em particular da política de identidade queer no seu texto "O género entre 'ficha de jogo' performativa e biologização – Crítica da queerness pós-moderna tardia e do discurso médico sobre a 'transexualidade'". Ele salienta que as críticas, tal como são formuladas hoje contra o "queer", já estavam presentes do lado feminista na década de 1990. Em particular, o texto aborda o facto de que a pretensão formulada pela cena queer de reconhecer identidades "desviantes" não é necessariamente sem problemas. Meyer tenta mostrar isso por meio do fenómeno da "transexualidade", reproduzindo seu discurso médico. Assim deverá ficar claro que, através do discurso sobre a transexualidade (o "transexualismo"), um mal-estar na compulsão de género binário e um fracasso na auto-classificação inequívoca nos caracteres de género burgueses assumem historicamente a forma de um problema médico, fundamentalmente cirúrgico. Desse modo, a sexualização compulsiva não é criticada, mas perpetuada e factualmente biologizada. Uma flexibilização dos códigos de género na pós-modernidade não alterou realmente nada a este respeito. A política de reconhecimento queer é assim de muito curto alcance, sobretudo no contexto de um "asselvajamento do patriarcado" (Roswitha Scholz) e de movimentos fascistas que exigem relações de género "tradicionais". (Apresentação do texto na exit! nº 16)

 

 

 

 

1. Algumas observações críticas sobre a política de identidade pós-moderna

Os défices do marxismo tradicional são bem conhecidos e já foram discutidos em muitos sítios: Não só devido à sua estrutura de pensamento, baseada na lógica da identidade e da derivação, o marxismo tradicional não podia ter êxito numa crítica mais abrangente do capitalismo e das suas exclusões sociais, sendo por isso impossível o seu posterior desenvolvimento. Por exemplo, o marxismo habitual não poderia dar resposta à "questão ecológica", nem o sexismo, a homofobia, o racismo etc. poderiam ser objecto de uma crítica a sério, para não falar da crítica radical à constituição fetichista do capital. (1) De facto, o movimento operário, pelo menos nas suas correntes principais, contribuiu maciçamente para a implantação e modernização do capitalismo, precisamente devido à sua referência positiva ao "trabalho" e ao "desenvolvimento das forças produtivas". A referência positiva ao trabalho foi acompanhada pela afirmação do moderno domínio da natureza. O marxismo afirmou assim a forma burguesa do sujeito, e com ela o domínio do ser humano sobre si mesmo. (2) O marxismo partilha consequentemente a dissociação do feminino com o androcentrismo burguês. A falta de crítica (ou, na melhor das hipóteses, uma crítica bastante superficial) da moderna relação de género burguesa não é, portanto, nada surpreendente. (3) Não admira, pois, que vários movimentos sociais, como o movimento anti-racista, não tenham emergido do marxismo, mas sim em demarcação dele ou paralelos a ele. Justifica-se que a crítica social de proveniência marxista tenha perdido popularidade. (4)

            Foi neste contexto que se desenvolveram após a Segunda Guerra Mundial os movimentos sociais (e ecológicos) que continuam hoje – em parte sob formas decadentes –, como o feminismo de segunda geração, o movimento anti-racista dos direitos civis (Cf. Benard 1981, Davis 1982) e o movimento dos homossexuais e de outros "desviantes" sexuais (Jagose 2001, Kraß 2003). O movimento dos direitos civis implicava o reconhecimento da igualdade de direitos na sociedade civil. Embora seja correcto afirmar que estes movimentos não podem ser reduzidos exclusivamente a uma política burguesa de reconhecimento (uma vez que o racismo, entre outros, se tornou objecto da crítica), também não se deve ignorar que, no final, não ultrapassaram significativamente um horizonte burguês de reconhecimento. Contudo, as políticas de reconhecimento tornam-se um problema, quando o horizonte burguês do reconhecimento se torna irrelevante devido ao limite interno do capital, e uma pluralização das identidades – especialmente sob a forma de identidades culturais ou religiosas vai dar possivelmente a uma "guerra civil molecular" (Enzensberger). (5) Por isso, é preciso criticar neste contexto quando, por exemplo, em partes do anti-racismo, são formuladas argumentações culturalistas ou nacionalistas. Estas podem actualmente ser encontradas numa espécie de variante de esquerda do "etnopluralismo", por exemplo, quando se fala de uma alegada "apropriação cultural" das "rastas", assim se insistindo na pureza e originalidade das culturas (ver Latton 2016). As pessoas que argumentam deste modo revelam-se assim agitadores e agitadoras de uma frente transversal a partir da esquerda.

            Ao mesmo tempo, porém, é de criticar que as actuais críticas à política de identidade a rejeitem por servir interesses particulares em vez de assumir um ponto de vista universalista (burguês). Ao fazê-lo, esquece-se "que a política de identidade surgiu como crítica fundamental a uma promessa liberal de igualdade que ainda hoje continua por cumprir para muita gente" (Purtschert 2017, 15). Por conseguinte, justifica-se historicamente que negros ou homossexuais tomem especificamente como ponto de partida e ponto crucial o seu sofrimento e discriminação (e, nesse sentido, os seus interesses particulares), uma vez que mais ninguém está interessado neles. Essas posições particulares não têm, portanto, "nada a ver com uma retórica de bem-estar, como a política de identidade é frequentemente apresentada, mas muito mais com a sobrevivência das pessoas, numa sociedade que atribui pouco valor às suas vidas" (ibidem, 17). O movimento queer surgiu principalmente do movimento homossexual (a crise da SIDA nos anos 80 desempenhou um papel importante neste contexto) (6). O movimento queer fez da heterossexualidade burguesa compulsiva, incluindo o género binário forçado, o seu principal ponto de crítica. É assim que Stefanie Soine resume o programa da teoria e do movimento queer: "Queer vê-se a si mesmo como uma teoria que quer expor e invalidar as formas humanistas de designar e regular a identidade. O objectivo político é, portanto, uma intervenção radical no balanço simbólico da compulsiva ordem heterossexual de género, a fim de minar a sua artificialidade e as suas representações dominantes. Queer representa assim uma objecção e uma contrapolítica à sexualidade binária compulsiva e à heterossexualidade compulsiva, mas também às construções essencialistas da homossexualidade, uma vez que estas asseguram a ordem heteronormativa básica. Consequentemente, não se trata da formação, afirmação e defesa de concepções originais, essenciais e coerentes de identidade [...], mas sim da transparência dos mitos da política de identidade, da recusa das teorias biologistas do género e da sexualidade, e da crítica à normatividade das práticas sexuais. Assim, queer critica politicamente todos os movimentos sociais em que a busca e o preenchimento de uma identidade homogénea, que conduz inevitavelmente à exclusão das diferenças, é colocada em primeiro plano e pressuposta como condição necessária para uma acção política comum [...]" (Soine 1999, 13s.).

            Como referido, o movimento queer estabelece como tema central o reconhecimento de identidades não heterossexuais "desviantes" (embora estas, segundo se pretende, também não devam ser tornadas essenciais). Assim, praticamente todos os desvios devem ser reconhecidos, até a assexualidade. (7) Do ponto de vista de uma crítica radical da sociedade, a crítica da identidade é essencial e inevitável e, por isso, nenhuma identidade pode ser positivamente conotada nem facilmente reconhecida. Mas a comunidade queer, como se apresenta hoje, parece ser fundamentalmente incapaz de assim proceder. Pelo contrário, na sua literal salada de autodesignação, parece juntar fenómenos completamente diferentes repentina e irreflectidamente. Esta falta de crítica é particularmente evidente em torno do fenómeno da assexualidade (Quadfasel 2014). Ora esta – de acordo com o discurso queer – deveria ser reconhecida como uma até agora não reconhecida "orientação sexual" (que reside precisamente na ausência de desejo sexual), em vez de se perguntar o que significa a sua transformação num fenómeno de massas em alguns países (como, por exemplo, no Japão e na Coreia do Sul, ver Rötzer 2016). Pelo contrário, a assexualidade deve ser analisada no contexto da incapacidade pós-moderna de relacionamento e da negação narcisista do impulso, o que tornaria claro que a assexualidade é muito mais problemática do que parece à primeira vista. (8)

            É adoptada uma abordagem semelhante com o fenómeno da transexualidade. Assim, é preciso criticar o facto de este ser utilizado para impor uma ordem heteronormativa, como é o caso no Irão. (9) No entanto, a aplicação de uma ordem heteronormativa não é caso único, ainda que assuma uma forma particularmente extrema no Irão. (10) Outro problema é que, no contexto da mudança de identidade transexual, o "masculino" e o "feminino" são biologizados. É o caso, por exemplo, quando um soldado "muda de sexo" porque diz "não querer mais ser um tipo duro" (Remke 2013). Deste modo, a "masculinidade hegemónica" (R. Connell) está ligada ao corpo biológico masculino, sendo a masculinidade socialmente constituída retirada da crítica (tal como o porte do soldado). (11) É precisamente este ponto que também tem sido criticado pelas feministas. A crítica feminista provavelmente mais conhecida do transexualismo foi apresentada por Janice Raymond já em 1979. Ela criticou o facto de o transexualismo, ou seja, o discurso e a prática sobre a transexualidade, incluindo as respectivas justificações, perpetuar estereótipos de género em vez de fazer deles objecto de crítica; em última análise, o desconforto e o sofrimento nos papéis de género (sex-roles) seria individualizado, abstraído do contexto social e, assim, transformado num problema médico do indivíduo: "Defining and treating transsexualism as a medical problem prevents the person experiencing so-called gender dissatisfaction from seeing it in an gender-challenging or feminist framework. Persons who think they are of the opposite sex are therefore not encouraged to see this desire as emanating from the social constraints of masculine and feminine role-defined behaviour: Thus a man who is emotional or nurturing is encouraged to think of himself as a woman instead of as a man who is trying to break out of the masculine role. A primary effect of defining transsexualism as a medical problem is to encourage persons to view other persons (especially children) who do not engage in normative sex-role behaviour as potential transsexuals. Ultimately transsexual surgery reinforces social conformity by encouraging the individual to become an agreeable participant in a role-defined society, substituting one sex role stereotype for the other. The medical solution becomes a ›social tranquilizer‹ reinforcing sexism and its foundations of sex-role conformity" (Raymond 1994, XVII, destaque TM). Para ilustrar melhor o problema associado à solução médico-cirúrgica ao lidar com a "gender-dissatisfaction", ela menciona a hipotética possibilidade de mudar medicamente a cor da pele. No entanto, não haveria procura para uma "transracial medical intervention precisely because most Blacks recognize that it is their society not their skin, that needs change" (ibidem, XVI, destaque no original).

Numa análise da transexualidade, devem também ser tidos em conta os desenvolvimentos dos últimos anos: O número de pacientes (homens e mulheres) nas clínicas de mudança de sexo disparou e fala-se cada vez mais de "crianças transgénero". Aqueles que pensam estar no "corpo errado" também são cada vez mais jovens. Além disso, existem agora infantários onde os pais são obrigados a indicar o "sexo preferido" dos filhos (!) no formulário de inscrição. Porque é que (aparentemente?) só em tempos de crise e de barbárie ocorre tal "boom de transgénero"? (ver Firsht 2016) Estes são fenómenos que precisam de ser explicados a nível da teoria social. Um discurso de reconhecimento burguês (de esquerda) dificilmente será capaz de enfrentar a necessária análise crítica de tais fenómenos, e muito menos uma crítica através da exposição.

            Em tempos pós-modernos (tardios), em que as identidades tradicionais se tornam mais fluidas e flexíveis, a compulsão à identidade não desaparece. Neste contexto, Roswitha Scholz falou também de "identidades compulsivas flexíveis" (Scholz 2005, 218). Esta compulsão pós-moderna e flexibilizada à identidade é expressa no facto de ainda serem (terem de ser) criadas novas identidades, ou no facto de se procurar um regresso a identidades anteriores, num anseio autoritário. Sem querer positivar a autoritária familiaridade compulsiva, a família tradicional ainda oferecia uma certa função de filtro na sua existência autoritária. Em contraste, na pós-modernidade neoliberal, cada pessoa está directamente à mercê do mercado como "empresário da sua força de trabalho". (12) As pessoas gostam de falar de "individualidade", contudo esta é apenas uma individualidade aparente, porque não se representa a si própria, mas é um mero subproduto de um geral repressivo. Jörg Ulrich formulou assim a questão: "A individualidade só é permitida se puder ser valorizada, isto é, se puder ser expressa em valores monetários e, neste aspecto, já não é uma individualidade, mas apenas uma manifestação do geral, que consiste precisamente numa economificação abrangente" (Ulrich 2002, 153). Com ela, a compulsão ao trabalho de adaptação individualizado – e nada mais se pretende quando se fala de individualidade – apresenta traços totalitários, sectários, "que ultrapassam muito em eficácia a integração autoritária numa seita de carácter clássico" (ibid.). A compulsão social à identidade não desaparece, mas é dinamizada e individualizada.

            Na pós-modernidade falava-se, com razão, de "biografias construídas", "flexi-identidades" e também de "identidades híbridas". Em combinação com uma postura de auto-exposição e narcisismo pós-moderno, chega-se, para além disso, a uma massificação de pequenas identidades: cada capricho pessoal ou preferência pela identidade é inflacionado, e isto paradoxalmente sobretudo em círculos queer, cuja pretensão sempre foi a de criticar e ultrapassar as identidades. (13) Mas esta pretensão de criticar e ultrapassar as identidades só terminou na sua flexibilização e, há que dizê-lo, na sua inflação. Assim, nos círculos gay, é feita uma séria distinção entre coisas tão importantes como "bottom" e "top" (ver Appleton 2015). E a revista queer Queerulant_in apresenta novas identidades no seu glossário: há pessoas que se situam entre a assexualidade e a sexualidade hetero/homo, os chamados "sexos cinzentos"; além disso, há os "semi-sexuais" que só conseguem sentir-se sexualmente atraídos por alguém no quadro de uma relação emocional e/ou romântica. (14) É necessário um novo termo para tudo, pois as pessoas parecem sentir a necessidade de se rotularem claramente! A mais pequena diferença é inflada em identidade! Soine criticou já em 1999: "Outro efeito da implementação de práticas queer no contexto subcultural é que se está a criar cada vez mais a impressão de que, embora o género tenha finalmente acabado o seu serviço como categoria criadora de identidade, a necessidade de identidade enquanto tal não desapareceu, tendo-se deslocado para o nível da sexualidade. Penso que há um sinal claro disso mesmo: De acordo com a teoria queer, e é de concordar com ela neste ponto, não existe correspondência natural entre corpo, género e sexualidade. Por conseguinte, é fundamentalmente impossível determinar quem ama quem com base em quê porquê e como. Se, apesar disso, se quiser fazer determinações, as descrições dos sexos e das preferências sexuais têm de ser muito mais precisas, e parecem exigir novas diferenças subtis, a fim de evitar a reificação das classificações essenciais duais e a estabilização da ordem heterossexual dominante. Entretanto, desenvolveu-se um motor de identidades particularistas, na medida em que cada variante recebe agora um rótulo específico, de modo que, no final, surge uma surpreendente variedade de 'possibilidades sexuais' [...], que, em sinal de mudança pluralista, diz de si: 'O meu sexo muito pessoal sou eu mesmo' [...]. Este é um efeito paradoxal do discurso queer pós-moderno: com a sua ênfase e infinita celebração da diferença, iniciou entretanto um processo em que o conceito de diferença foi dotado de um automatismo autogerador que agora produz incessantemente uma diferença [...] e, portanto, no final, não mina a compulsão à identidade, mas intensifica-a mesmo, através da sua atenção ao pormenor" (Soine 1999, 17, destaque TM).

            Contudo uma política de reconhecimento pós-moderna ou queer, que pretende ter reconhecido todas as pequenas identidades e faz da discriminação ou de qualquer "tornar invisível" a questão principal, tem o problema de o conjunto social, a totalidade fragmentada da sociedade da dissociação e do valor (Scholz 2009) não entrar no centro da crítica. Pelo contrário, é preciso constatar com Beate Selders que "o todo social [...] está [a desintegrar-se] num conglomerado de opressões postas lado a lado e [...] cada vez mais dispersas. Há as enumerações mais absurdas de maldades lado a lado e em pé de igualdade: Sexismo, racismo, classismo, agismo (discriminação com base na idade), lookism (discriminação com base em falta de beleza), hairism (discriminação com base em pêlos corporais atípicos do sexo) etc. [...] O sistema global do modo de produção capitalista só pode ser entendido como discriminação com base na origem de classe ou numa diferença de rendimento entre os membros da comunidade. [...] De acordo com este ponto de vista, uma perspectiva política já só pode consistir numa continuação interminável da política antidiscriminação" (Selders 2003, 87s., destaque TM). Assim, a política de reconhecimento queer e pós-moderna tem obviamente subjacente um "tabu da abstracção" (Scholz 2011).

            Foi recentemente publicada uma antologia crítica contra a estranha falta de conceitos e por vezes hostilidade à teoria, contra a inflação de identidades a reconhecer e o conexo anseio de clareza e autoridade (L'Amour LaLove 2017a). (15) Esta crítica vem em parte de pessoas que são ou foram activas nas próprias cenas correspondentes. Parece um pouco estranho que uma tal crítica venha agora e não há cerca de 10 anos, quando o queer e o feminismo queer já há muito tempo eram criticados. (16) A minha impressão é que a cena queer em parte se tornou entretanto de tal modo desleixada e rezingona, no sentido da não-reflexão, que não só há muito está a precisar de uma crítica (e até as próprias pessoas da cena já se aperceberam disso), como também uma crítica surge da necessidade de os e as populistas de direita há muito estarem a conquistar capital político ao ridicularizarem o "gagá de género" (Birgit Kelle). E, de facto, não se pode negar que vários aspectos da "cena queer" e da sua prática são não só extremamente ridículos e absurdos, mas também profundamente regressivos e reaccionários: É preciso lembrar, por exemplo, que algumas teóricas e teóricos feministas queer minimizam os atentados suicidas islâmicos (ver Rabuza 2017) ou transformam o uso do hijab num acto punk e subversivo (por exemplo, Yaghoobifarah 2016).

            Não vou agora discutir em pormenor o conteúdo dos contributos das "Beißreflexe” [Reflexões mordazes], com as quais concordaria em grande parte, mas é notável a malícia e a vulgaridade com que esta crítica foi recebida (Cf. l'Amour LaLove 2017b). Faltou uma discussão do conteúdo. As reacções limitaram-se a "um ostensivo sentir-se insultado ou uma eloquente não reacção" (ver Sosat 2017). Houve queixas de que o livro era exageradamente "polémico" e que a crítica era justamente "não solidária" (Cf. Yaghoobifarah 2017)! É espantoso, porém, que a publicação de um livro da cena de esquerda tenha feito ondas tão longas que até Judith Butler e Sabine Hark se sentiram obrigadas a comentar. No entanto, não a um nível teórico e relacionado com o conteúdo, como seria de contar e esperar, mas sim a um nível de defensiva e de recusa de crítica: afinal de contas, este livro foi supostamente apenas "difamação", tendo sido visto com toda a seriedade como paralelo ao "trumpismo" (Cf. Hayner 2017). Aparentemente, entretanto, várias luminárias queer vivem numa espécie de bolha filtrante da identidade de esquerda; de outro modo já não pode ser descrita tal ignorância! Não é, portanto, surpreendente que das fileiras do feminismo pós-moderno, ou seja, do pós-feminismo, não provenha uma crítica radical, mas  obviamente a afirmação ou pura incompreensão da subjectividade pós-moderna tardia. (17) Pelo contrário, as luminárias do pós-feminismo trabalharam para a hipostasiação das diferenças e da multiplicação das identidades (Trumann 2016), e a "cena" que lhes está associada contribuiu com a sua parte para a barbárie pós-moderna (tardia). O resultado é arrepiante. A gravidade da situação também pode ser vista no facto de a subjectividade pós-moderna tardia, o "género” queer “como vontade e design" (Elvira Sanolas), não ser um baile de máscaras inofensivo (18): No seu exame do carácter social narcisista e da sexualidade de crise, Leni Wissen escreve: "A invasão de gender e queer não só promoveu a propagação do carácter social narcisista, mas também colocou o feminismo – mesmo tendo ele de repente ficado em destaque – numa situação em que tem de lutar pela sobrevivência, mais uma vez. Por meio da teoria do género, foi levado ao feminismo o recalcamento pós-moderno de todos os conteúdos e da pretensão de verdade, nele provocando estragos. Ora é justamente a teoria do género que não consegue explicar por que razão, apesar da aproximação dos códigos binários de género, as relações hierárquicas de género não desapareceram, ou parecem mesmo despertadas para uma nova vida. Em retrospectiva vê-se que gender e queer foram veículo ou expressão de uma socialidade de crise em expansão sob signos narcisistas, e agora não conseguem entender o resultado do seu movimento, uma vez que os seus instrumentos conceptuais não vão além do plano cultural-simbólico. Assim, também tem de escapar às teorias do género e queer o 'asselvajamento do patriarcado' (Roswitha Scholz), ou seja, elas não conseguem explicar os diferentes fenómenos que tornam clara a relação hierárquica de género existente antes e depois" (Wissen 2017, 47, destaque no original).

            Em tempos de convulsão pós-moderna tardia, de ascensão do neofascismo etc., o que está na ordem do dia não é a preocupação com a cena, mas, como já deve ter ficado claro, uma crítica radical da identidade e da compulsão à identidade nas suas múltiplas manifestações e aspectos. É precisamente a compulsão à identidade que, em tempos de crise, se torna novamente virulenta e uma ameaça para aqueles que se recusam a aceitá-la, embora estas construções de identidade não tenham de ser estáveis ou logicamente consistentes para que isso aconteça – uma ilusão identitária pode facilmente articular-se a um nível altamente individualizado. A crítica de uma identidade inclui também um esboço da sua genealogia e dos correspondentes discursos feitos à sua volta. Assim, de seguida serão esboçados aspectos do discurso da medicina e das ciências sociais sobre a transexualidade. A partir daí, tornar-se-á claro que também este tinha conotações de género, ou seja, expressou-se de forma diferente em função do género e, por conseguinte, a identidade de género – e os conflitos de identidade que lhe podem estar associados – não são meras "fichas de jogo" (Adorno 2003, 94) performativas nem um problema médico.

 

2. Transsexualidade e relação de género

Vou agora tentar expor o discurso das ciências sexuais sobre a transexualidade, referindo-me em grande parte à pesquisa da Volker Weiß. (19) Não pretendo, no entanto, traçar todos os detalhes da história médica, nem dar conta em pormenor do livro de Weiß, mas sim mostrar que o discurso sobre a transexualidade e outros fenómenos com ele relacionados têm uma conotação de género, ou seja, afectam homens e mulheres de forma diferente, e estão ligados à esfera político-económica, isto é, não são apenas um tema de medicina ou psicopatologia. Com isto em mente, vou apresentar alguns aspectos do livro de Weiß.

 

            "A transexualidade", segundo Weiß, "é vista como uma doença que necessita de legitimação, uma mudança de sexo é vista como método de tratamento que necessita de legitimação, porque a transexualidade é construída como doença mental que não é doença mental, em que o corpo é que está perturbado, a psique não esta perturbada, e que, portanto, não pode ser tratada psiquiatricamente, mas apenas de somaticamente: adaptando o sexo corporal à identidade corporal" (Weiß 2009, 15). Hoje, a transexualidade é designada como um fenómeno em que uma "alma certa está no corpo errado", sendo que primeiro o discurso médico entendia a transexualidade como "uma alma errada no corpo certo" e, consequentemente, queria tratá-la psiquiatricamente e não cirurgicamente (ibid.). (20)

            Contudo, os tratamentos psicoterapêuticos e medicamentosos não tiveram êxito, o que pode ter sido uma das razões para confiar em tratamentos endocrinológicos e na cirurgia de mudança de sexo a fim de aliviar os transexuais dos seus sofrimentos, como escreveu o médico e endocrinologista Harry Benjamin (1885-1986): "I am in full agreement with those who believe in a multiplicity of determinants for cross-gender-identity, be it in the field of psychology or biology. To my clinical sense, however, a prenatal, neuro-endocrine disorder appeals most for the majority of cases. It offers to me the most likely explanation why psychotherapy cannot cure the transsexual, why the emotional distress goes to such depths as to demand surgery, and why endocrine therapy often brings such dramatic relief. This relief, however, is palliative only. None of our present therapeutic efforts are curative in a sense that the psychological sex will be brought to conform with the anatomical. Until the future will provide new psychiatric or chemical weapons (!), symptomatic treatment with more or less effective alleviation is all we can offer at present to these often tormented people" (Benjamin 1969, 135s.).

            Weiß salienta que "a transexualidade [...] é um produto das sociedades ocidentais modernas". E: "A construção médica da transexualidade está ligada a possibilidades técnicas de realizar os desejos de mudança de sexo, com base nas quais se desenvolveu uma rede de diferentes interesses de poder e de produções de conhecimento. Neste sentido, a transexualidade também não deve ser vista como uma mera variante do fenómeno universal de um sentimento do sexo oposto, cuja história é frequentemente descrita no discurso médico como uma teleologia do progresso médico, que vai dar à doença que hoje pode ser diagnosticada de acordo com as regras da medicina ocidental e tratada por meio de possibilidades técnicas. A afirmação da universalidade da transexualidade é uma estratégia de legitimação no discurso médico-psiquiátrico" (Weiß 2009, 24).

            Note-se que com termos como "alma certa" as pessoas eram classificadas e julgadas de acordo com categorias de género burguês no sentido de uma "dualidade" ou "bipolaridade de caracteres de género". A julgar pelos padrões burgueses de género, certos comportamentos, sejam eles gestos, interesses, papéis de género ou hábitos, foram classificados como "patológicos". Richard Krafft von Ebing (1840-1902), por exemplo, relatou casos em que pacientes demonstraram comportamento atípico enquanto crianças, como rapazes que "não tinham interesse por jogos de rapazes, mas em vez disso brincavam com bonecas, faziam malha e bordados, gostavam de cozinhar e de se vestir como raparigas. Eram tranquilos e sonhadores e tinham uma imaginação vívida.” Raparigas, por outro lado, "não tinham sentido para bonecas ou malha" e "preferiam jogar 'aos soldados e outros jogos de rapazes'" (ibidem, 109s.).

            No século XIX, porém, ainda não se falava de transexualidade, mas sim de "sexo oposto", ou de pessoas com "sentimentos do sexo oposto" em geral. (21) Este termo remonta a um ensaio chamado "Die conträre Sexualempfindung [O sentimento do sexo oposto]" de Carl Westphal (1833-1890) de 1870 (ibid., 93s.). Do mesmo modo, na altura ainda não existia a diferenciação entre a identidade de género e a orientação sexual, que é comum hoje em dia. Assim, houve também durante muito tempo a opinião de que a transexualidade devia ser considerada uma forma extrema de homossexualidade (ibid., 104). No século XIX, o foco era a patologização daqueles que hoje são chamados homossexuais. Anteriormente considerado um vício pecaminoso, a homossexualidade tornou-se um problema médico ou psiquiátrico; "a sociedade burguesa tinha traduzido o veredicto da pecaminosidade no veredicto da não naturalidade do amor do mesmo sexo" (ibid., 354). Além disso, através do discurso médico-psiquiátrico, o desejo do mesmo sexo foi tornado o desejo duma identidade que lhe era imposta; Michel Foucault escreve: "O homossexual do século XIX tornou-se uma personalidade com um passado e uma infância, que possui um carácter, um modo de vida e, finalmente, uma morfologia com anatomia indiscreta e possivelmente uma fisiologia enigmática. Nada do que ele é escapa à sua sexualidade. [...] Esta é para ele consubstancial, menos um pecado habitual do que uma natureza especial" (Foucault 2008, 1061). (22) No entanto, houve também quem quisesse legitimar esse desejo, uma vez que esses sujeitos "desviados" também eram perseguidos criminalmente. A este respeito, foi prosseguida uma intenção emancipatória. Um desses sujeitos emancipadores foi Karl Heinrich Ulrichs (1825-1895), que chamou os homossexuais masculinos "uranianos" (e as homossexuais femininas "dioneianas"), tendo a palavra "homossexualidade" aparecido só mais tarde. Ulrichs queria "provar cientificamente [e legalmente TM] que os uranianos não estão ‘fora da ordem moral universal’" (Weiß 2009, 72). É notório que Ulrichs tentou entender os uranianos do mesmo modo que se tentou mais tarde entender os transexuais: Então o uraniano era um homem com alma feminina e, além disso, "com um certo sentimento de desconforto no próprio corpo [facto mais óbvio e conclusivo], uma insatisfação da mente feminina com o corpo masculino em que está encerrada" (Ulrichs 1864, citado por Weiß 2009, 79, destaque no original). Assim, Ulrich "heterossexualizou", por assim dizer, o desejo do mesmo sexo e, além disso, segundo Weiß, ele pode ser considerado como a "raiz discursiva da transexualidade" (ibid., 85-87).

            Magnus Hirschfeld (1868-1935), é considerado um dos pioneiros da sexologia e do movimento homossexual. (23) Para ele, homens e mulheres completamente masculinos eram "abstracções" e apenas "extremos construídos" (ibid., 121). Por conseguinte, de acordo com Hirschfeld, havia numerosos "graus intermédios". Os desvios que não estão "directamente ligados à vida amorosa" também são considerados como pertencendo a estes graus intermédios. Hirschfeld também inclui o "travestismo" (ibid.). Que ele analisou como um "instinto erótico disfarçado" (ibid., 166). No entanto, o erótico, continua Weiß Hirschfeld, não é nada de exclusivo e temporário. Os travestis teriam o desejo de aperfeiçoar o seu lado feminino, sabendo bem que isso continuaria a ser apenas um desejo; mas, como observa Weiß, após 1910, tornaram-se possíveis os primeiros passos para tornar esses desejos realidade clinicamente (ibid.). Hirschfeld complementou ainda a sua análise afirmando que existe também um travestismo que é completamente independente do erotismo e fetichismo, uma espécie de "desejo de identidade" que expressa "uma evocação da sua vida interior feminina" (ibid., 167). Alguns homens no estudo de Hirschfeld (que incluiu entrevistas) disseram que "para os travestis, o seu 'disfarce' também está associado a sentimentos de calma, segurança, elevação, felicidade e bem-estar" (ibid.). Nessa altura, mais precisamente em 1911, graças a um relatório de Hirschfeld, o primeiro homem recebeu autorização da polícia para usar roupa de mulher, desde que a "ordem pública" não fosse perturbada e não fossem cometidos "actos criminosos" (ibid.). Assim, o instinto de disfarce poderia ser vivido como um desejo de identidade. No entanto, este "desejo de identidade" não se limitava aos homens.

            Weiß resume: "Este desejo de identidade, a vontade de realizar o desejo de viver permanentemente no sexo oposto, já não era um fenómeno específico de género. "Mulheres masculinas" tinham-se submetido à concepção compulsiva da ciência sexual e os peritos confirmaram uma identidade masculina permanente, a fim de alcançar o seu objectivo de poderem ostentar um nome masculino e usar vestuário masculino. A construção de um travestismo permanente também pode ser vista como uma medicalização do fenómeno passing woman, cuja mudança de sexo não era normalmente motivada por um conflito de identidade, mas muitas vezes por razões económicas (!). Por outro lado, Hirschfeld expandiu o seu "conceito de impulso" do travestismo masculino para incluir formas que não representam uma mudança erótica temporária entre os sexos, mas uma mudança permanente para o sexo feminino" (ibid., 168, destaque no original).

            Há que acrescentar que alguns homens também eram passing men, "alguns dos quais afirmaram que tinham mudado para o sexo feminino porque não tinham encontrado uma posição como homens, trabalhavam como 'hospedeira', 'ama', cozinheira, enfermeira e professora". O fenómeno da passing woman era semelhante. Trabalhavam "como trabalhadores fabris, porque como trabalhadoras não conseguiam arranjar emprego". E, segundo Hirschfeld, em alguns casos "a mudança para o papel masculino de género baseou-se no "desejo de liberdade nos transportes públicos", na vontade de levar uma "vida masculina livre" ou de ser ‘completamente independente’" (ibidem, 163-165, destaque no original). Assim, para as mulheres, o "desejo de identidade" era também um meio de sair da prisão patriarcal, de participar na vida pública como um "homem". Vemos, portanto, que a mudança de identidade de género pode ter razões económicas e psicossociais tangíveis.

            Como já foi referido, o desejo de mudar de sexo era inicialmente apenas uma fantasia. Com o desenvolvimento da medicina, esta fantasia deixa de ser puramente ficcional. A possibilidade de se poder formular uma mudança de sexo conforme o desejo de um paciente tornou-se gradualmente realidade. (24) O ponto de partida foi a investigação de Eugen Steinach (1861-1944). Antes disso, foi reconhecida a importância biológica das hormonas. Além disso, "desde o final do século XVIII, as gónadas [...] tornaram-se mais importantes do que as características determinantes do sexo per se – em última análise, também com significado para o comportamento sexual". [...] Esta maior ponderação das gónadas estava relacionada com a visão da bissexualidade constitutiva. Inicialmente, cada embrião tem potencial para se desenvolver tanto como fêmea como como macho [...]. Apenas no decurso do desenvolvimento se constitui normalmente uma gónada distinta, feminina ou masculina, que determina as características físicas e fisiológicas. [...] Os testículos e os ovários eram assim considerados as características determinantes do sexo por excelência, mas eram também responsáveis por "doenças", tais como "psicoses", "neuroses", ou pela "homossexualidade", que era considerada um desvio. Seguiram-se tratamentos. Já na segunda metade do século XIX, as mulheres sofriam a remoção de um ou ambos os ovários para remediar "doenças graves", mas também simplesmente por causa de "neuroses" e "psicoses" atribuídas" (Voß 2013, 20). No final do século XIX, foram realizadas experiências em animais em que foi transplantado tecido gonadal, quando se pretendia influenciar o comportamento sexual, mas que inicialmente não foram bem sucedidas. Steinach fez experiências com ratos e cobaias e, em 1911, transplantou a "glândula puberal" (como chamou aos ovários e testículos) com êxito para o outro sexo pela primeira vez e verificou uma "redefinição do carácter sexual" nestes animais (Weiß 2009, 169s.). O que funcionava em cobaias foi então transferido para os humanos. Deste modo, Steinach pensou que também tinha encontrado a causa da homossexualidade: Para "curá-la", os homossexuais tiveram a sua "glândula puberal" transplantada de heterossexuais. (25) No entanto, o êxito deste método não se concretizou, embora alguns acreditassem que tinha tido êxito curativo com alguns pacientes (ibid.).

            Mas a busca de uma causa biológica do "desvio sexual" continuou sem parar. Após o fracasso da teoria "da determinação hormonal do sexo e da sexualidade [...] [o paradigma] passou do sexo gonadal e hormonal para o sexo genético dos cromossomas" (ibid., 199s.). Assim, no início do século XX, tinha sido provada a existência de cromossomas determinantes do sexo em insectos, mamíferos e seres humanos. Richard Goldschmidt (1878-1958) "tinha também afirmado 'graus intermédios sexuais psíquicos' como 'graus de intersexualidade biológica'. O zoólogo baseou-se no 'pressuposto prevalecente' na literatura especializada de que a sexualidade oposta é inata e hereditária" (ibid., 200s.). Deste modo, quis-se entender a transexualidade como uma forma de intersexualidade, no sentido de que havia uma não correspondência entre o sexo cromossómico e o fenótipo. Contudo, essa não correspondência não pôde ser verificada em doentes transexuais. A investigação médica duma causa biológica da transexualidade continuou sem êxito. Mas isso não levou à sua interrupção. Naturalmente, pensava-se também que deveriam ser encontradas causas neurológicas ou neuro-endocrinológicas. Por "cirurgia cerebral", os trans- e homossexuais deviam ser tratados, por exemplo, "por lesões cerebrais estereotáxicas ou irradiação orientada de áreas específicas do hipotálamo" (ibid., 264s.). Contudo, a "hipótese do carácter neuroendócrino como causa de transexualidade" ainda não foi considerada refutada (ibid., 362). (26)

            Weiß resume: "Uma história científica da fútil busca das causas da transexualidade é irrelevante. O que é importante, contudo, é a análise da plausibilidade das especulações biológicas e da carreira que essa especulação fez no discurso e na prática da transexualidade. Como estratégia ao serviço da legitimação da mudança de sexo, a procura necessariamente inconclusiva de causas foi a demonstração continuada da convicção de que tal causa existe. A transexualidade foi construída como uma desordem inata ou da primeira infância, não imputável, ou seja, não influenciável pela vontade, irreversível, psicoterapeuticamente intratável e inequívoca da identidade de género. Nenhuma das hipóteses etiológicas apresentadas desde os anos 30 até aos nossos dias pôde ser provada – necessariamente porque as teorias biológicas constroem o fenómeno de uma forma universalista e ignoram as condições psicológicas e sociais em que as identidades de género constroem e são construídas. [...] As teorias biológicas da transexualidade confirmam a ordem simbólica do género e integram aqueles que parecem ter caído fora dela. No diagnóstico, o não masculino deve ser determinado como inequívoca e inalteravelmente feminino (ou vice-versa) a fim de poder legitimar a realização médica dos desejos transexuais" (ibid., 261s., destaque TM). (27)

            Uma vez que os padrões explicativos puramente biológicos falharam, outros sexólogos procuraram um nível de explicação na teoria da aprendizagem e na psicologia da primeira infância, naturalmente sem omitir outros factores biológicos. Richard Green e John W. Money (1921-2006), por exemplo, optaram por esta abordagem. Por exemplo, os transexuais são vítimas de uma dinâmica familiar patológica que impede essas crianças de aprenderem o papel "correcto" do género e, portanto, a identidade de género. A transexualidade resulta, portanto, da identificação com o sexo errado. Assim em 1972 Money alegou que esses pais tinham uma "expectativa ambígua, ambivalente de masculinidade ou feminilidade" em relação aos seus filhos ou filhas (Money citado de Weiß 2009, 277). Assim, foram realizados estudos sobre crianças que, segundo os seus "pais preocupados", apresentavam "comportamento atípico em termos de género" (ibid., 276). O que é interessante é que o grau de preocupação com comportamentos atípicos de género variou muito, dependendo se a criança era um menino ou uma menina. Referindo-se a Green, Weiß escreve: "O comportamento arrapazado das raparigas, por outro lado, é, segundo Green, socialmente aceite e, por isso, normalmente não é motivo de preocupação para os pais; pelo contrário, eles até se orgulham destas características das filhas. No entanto, estas raparigas normalmente só assumiriam o papel do género masculino – e isso limitou-se apenas a uma fase da infância – porque preferiam as actividades aventureiras e independentes dos rapazes, mas desenvolveram uma identidade de género feminino. [...] Um comportamento de menino das raparigas é mais difundido e aceite na nossa cultura do que um comportamento de menina dos rapazes. Pauly ficou (28) surpreendido com o facto de muitas raparigas ultrapassarem a sua "preferência masculina" apesar da maior tolerância para com o comportamento masculino, ou seja, que a transexualidade de mulher para homem é menos comum do que a transexualidade de homem para mulher. [...]" (ibid., 266s., 284, sublinhado no original). Weiß continua: "Em muitos casos, porém, esta tolerância deveria impedir que a preferência pelo papel do sexo oposto se solidifique numa identidade contrária. Por exemplo, Green argumentou que, devido ao maior espaço de manobra que o papel do género feminino permite para fazer o papel do sexo oposto, os meios radicais são mais frequentemente menos necessários para as mulheres do que para os homens [...]" (ibid., destaque TM). (29) Assim, Weiß salienta ainda que as estatísticas mostram "diferentes graus de preponderância de transexuais de homem para mulher" (ibid., 374). (30) Esta preponderância diminuiu nos últimos anos, mas não desapareceu. (31)

            Mark Barry Sulcov, na sua dissertação de 1973 (32) que, como observa Weiß, mal foi recebida, afirma que "a transexualidade [proporciona] uma solução para os problemas de identidade". Uma razão pela qual o seu trabalho dificilmente foi recebido pode ser, como escreve Weiß, que "as suas entrevistas com resultados comprovados de transexuais não poderiam ser conciliadas com a concepção compulsivamente médica de transexualidade". [...] Apenas cerca de um quarto dos 65 transexuais entrevistados pela Sulcov construíram as suas biografias de acordo com o modelo de que foram vítimas da natureza e/ou da educação. Mais de metade declarou que tinha escolhido conscientemente ser mulher e relatou experiências de vida precoces que as alienaram da masculinidade (!) e lhes permitiram descobrir o seu potencial de feminilidade [...]" (ibid., 366s., destaque TM).

 

            Assim, vemos que o fenómeno da transexualidade tem efeitos diferentes consoante o sexo e representa um conflito que tem a sua causa na obrigatoriedade de "sexualidade binária exclusiva". A "dualidade de caracteres de género", a "grelha da binariedade", uma "ordem bipolar de género", que são uma parte essencial da sociedade da dissociação-valor, e a obrigação de formar uma identidade de género correspondente leva a que as pessoas tenham de se classificar neste "ou-ou". No entanto, elas também podem falhar nesta compulsão imposta de formar uma identidade segundo a marcação feminino-masculino. As pessoas que podem não ter conseguido "encaixar" desde a infância seriam, como Raymond já criticou, consideradas potenciais transexuais (ver acima) e, assim, patologizadas. Se o fracasso seguir este "curso", significa que a pessoa é obrigada a assumir uma "identidade" que é "efectivamente" reservada ao sexo oposto, em que a pessoa tem de tornar-se (habitual e fisiologicamente). Aqueles que falham no "curso normal" da classificação, que são assim, em certa medida, esmagados pela obrigação de se identificarem, estão, se não sempre, frequentemente, particularmente interessados em serem claramente atribuídos ao "macho" ou à "fêmea", razão pela qual é seu próprio desejo adaptar-se fisicamente ao respectivo sexo. Isto mostra quão profunda é a compulsão à identidade nas pessoas afectadas e, por conseguinte, o desejo de identidade é particularmente forte aqui.

            A adaptação cirúrgica do sexo oferece, portanto, a possibilidade de banir este problema de uma forma medicamente inequívoca. Com a ajuda da medicina, a pessoa afectada tenta então tornar-se naquilo que supostamente sempre foi. Pode afirmar-se que a transexualidade não é um fenómeno médico, nem um fenómeno que representa uma "diversidade" inofensiva, mas tem a sua causa numa compulsão à identidade socialmente produzida, que começa na primeira infância. Isto é o que defende Money. Raymond critica esta posição por, embora rejeitando uma determinação biológica da identidade de género, representar uma determinação social da identidade de género. Segundo Money, a identidade sexual já está determinada aos 18 meses de idade. Embora ele (juntamente com Patricia Tucker) permita aos estereótipos de género uma certa flexibilidade, insiste na sua imutabilidade – uma contradição, como observa Raymond. Além disso, de acordo com Money, a sociedade não tem o direito de questionar a identidade de género de uma pessoa! Que os conflitos de identidade de género adoptem uma solução médica é, segundo Raymond, a conclusão lógica da posição de Money: "If people not only ›cannot‹ but ›should not‹ change their core gender identity, and if ›society has no right‹ to demand that they do, then transsexualism becomes an adequate and morally right solution to so-called gender identity dissatisfaction and confusion. In this perspective, if one cannot adjust the mind to the body, it becomes perfectly reasonable to adjust the body to the mind. Since core gender identity is fixed by age two, in Money’s schema, then the body and not the psyche must be changed" (Raymond 1994, 67s.).

 

            No discurso da transexualidade, contudo, a partir dos anos 70, discutiu-se também se "as pessoas deixariam de desenvolver esta compulsão para mudar de sexo" caso os papéis tradicionais de género desaparecessem ou diminuíssem (Weiß 2009, 373). Alguns ficaram surpreendidos, como argumenta Weiß, "pois numa altura em que os estereótipos de género estavam a ser questionados, os transexuais multiplicavam-se" (ibid.). Isto precisa de ser explicado, a menos que se queira sucumbir à explicação de que a transexualidade é essencialmente algo biológico, e concluir que os transexuais, com a ajuda da medicina, podem finalmente tornar-se o que "sempre foram".

            Uma razão óbvia, mas bastante superficial, para o aumento do número de transexuais pode ser o reconhecimento legal e o progresso na investigação médica, especialmente na cirurgia plástica. É graças a esta última que as operações correspondentes estão a tornar-se cada vez melhores. Isto e o reconhecimento legal podem, portanto, contribuir para que mais pessoas possam "realizar" o seu "desejo de identidade de género".

            O dito "progresso" inclui também a tendência, ou melhor, o procedimento geral para individualizar e medicalizar todo o tipo de "desvios" psicológicos e comportamentais (perturbação de hiperactividade e défice de atenção, depressões e afins, até aos distúrbios violentos, Cf. Chorover 1982) e, em última análise, para os rastrear até causas biológicas. (33) No que respeita à investigação da transexualidade, afirma-se explicitamente em diferentes locais que os transexuais estimularam pela primeira vez determinadas investigações médicas e que os médicos lhe estão realmente gratos por isso (Weiß 2009, 321, 342). Assim, não se tratava apenas do sofrimento dos transexuais e da sua possível atenuação, mas também, como escreve Raymond, da acumulação de conhecimentos médicos (Raymond 1994, 152). O facto de os conflitos de identidade de género assumirem historicamente uma forma médica e de esta se manter assim é, portanto, do interesse da profissão médica (científica). (34)

            No entanto, deve agora notar-se também que a cirurgia de mudança de sexo (seguida de esterilidade) já não é um pré-requisito para a mudança de estado civil. (35) Isto significa que, de acordo com a situação jurídica actual em alguns países, um homem pode existir legalmente como "mulher" ou vice-versa. Assim se pretende acomodar a "diversidade" das identidades de género. (36) As medidas que anteriormente se destinavam a assegurar uma ordem sexual binária, mesmo com operações de adaptação do sexo, estão a ser abandonadas. (37) Por conseguinte, é apenas lógico reconhecer cada vez mais a transexualidade juridicamente. (38) Mas as consequências do reconhecimento legal podem também ser o não reconhecimento de um problema a partir de agora, ou a deslegitimação de uma problematização em princípio. Becker escreve: "Actualmente existe uma forte tendência para uma completa 'despatologização' da transexualidade, combinada com uma postulação de 'causas biológicas' e a exigência da concessão de todas as medidas somáticas a mero pedido [...]. Nesta perspectiva, as considerações psicodinâmicas e a psicoterapia que vão além de um "acompanhamento" afirmativo são vistas como violações dos direitos humanos" (Becker 2013, 75, destaque TM).

            Evidentemente, a própria compulsão à identidade é uma categoria real historicamente em processo. A rígida ordem bipolar de género dos tempos anteriores pode, de facto, já não ter hoje o mesmo significado e rigor que tinha a um determinado nível. (39) Recorde-se, por exemplo, que nos EUA era uma exigência legal o uso de vestuário específico para cada sexo. A aparência "atípica em termos de género" foi explicitamente perseguida pelo Estado. (40) Na Alemanha, para citar um segundo exemplo, até aos anos 70, um homem podia pôr termo ao emprego da sua mulher se sentisse que ela, enquanto assalariada, negligenciava as tarefas domésticas (cf., por exemplo, von Münch 1976). Contudo, a rigidez da ordem bipolar de género nunca desapareceu verdadeiramente, apesar de uma certa flexibilização ao nível dos códigos de género (ou seja, sobretudo ao nível da aparência). A básica estrutura binária de género, que também implica uma relação de género hierárquica, continua a ser uma realidade. Na socialização específica de género de rapazes e raparigas, por exemplo, a ordem bipolar de género ainda desempenha um papel considerável (Cf. Zachanassian 2018, 118s.). Esta flexibilização tem igualmente a ver com os condicionalismos gerais da flexibilização e da individualização no contexto da pós-modernidade. No entanto, a dissociação sexual também continua na flexibilidade, o que se reflecte sobretudo no facto de as mulheres continuarem a ser responsáveis pelas crianças e pela cozinha. Além disso, são também frequentemente responsáveis pela subsistência económica. Neste contexto, é também interessante o estudo da socióloga Cornelia Koppetsch, no qual ela mostra que, mesmo nos estratos sociais considerados "progressistas" (académicos, classe média urbana), não há mudança de papéis quando o salário das mulheres é o principal, pelo contrário, continuam a ser responsáveis pelas actividades reprodutivas, apesar de ser sua a (principal) actividade remunerada, mesmo que a retórica e a auto-imagem dos casais inquiridos nos queira fazer pensar o contrário (ver Koppetsch 2018).

                Pode assim constatar-se que a rigidez da compulsão à identidade de género na pós-modernidade sofreu uma mudança de forma, modernizou-se, por assim dizer. Esta mudança de forma manifesta-se num afrouxamento e numa flexibilidade que, no entanto, reproduz a estrutura da dissociação em condições alteradas. Assim, não decorre de uma certa flexibilização dos códigos de género que a compulsão à sexualidade binária enquanto tal tenha deixado de existir. (41) A chamada diversidade apresenta-se apenas como uma organização coerciva pluralizada, como uma diversidade na rigidez, como o demonstra a loucura da cena queer. Roswitha Scholz cunhou o termo "identidades compulsivas flexíveis" (Scholz 2005, 218), de acordo com a formação do sujeito na pós-modernidade.

Assim, persiste uma compulsão à identidade na pós-modernidade (tardia), apesar de toda a flexibilização e modificação que é imposta ao indivíduo, e que não é menos rígida do que as subjectividades coercivas dos anos 50. Estas "identidades compulsivas flexíveis” neoliberais não são nenhuma “brincadeira”, mas tornam-se extremamente nítidas quando as pessoas são permanentemente obrigadas a "redesenhar-se", tendo em vista o seu próprio potencial de valorização. Isto é especialmente verdade para as mulheres, uma vez que a flexibilidade que lhes é imposta lhes confere também a responsabilidade principal pela família e pelos filhos.

            A necessária "auto-optimização", que não só desempenha um papel na vida profissional, mas também se estende à esfera íntima (palavra-chave: life-logging, self-tracking), é um processo que nunca pode ser concluído e que tem um resultado duvidoso. (42) Um "êxito" pode perfeitamente conduzir ao "colapso do sujeito" (depressão, toxicodependência, amoque etc.).

            As exigências de individualização e flexibilização são ao mesmo tempo sinais claros da crise do capitalismo, que também se apresenta ao nível do sujeito, sobretudo como uma crise da sexualidade binária. Está também a tornar-se cada vez mais difícil formar uma sexualidade binária nas condições da crise. Esta sexualidade binária permanece ligada a uma sociedade do trabalho "funcional" e à instância de socialização da família tradicional, que "no contexto dos processos gerais de flexibilização e individualização, se estão a desfazer cada vez mais" (Wissen 2018, 43). A desintegração da família, a precariedade do trabalho, o asselvajamento dos aparelhos do Estado são o resultado necessário do limite interno do capital. O patriarcado não desaparece na crise, asselvaja-se (Cf. Scholz 1998). O "baile de máscaras pós-moderno" era apenas uma forma de recalcar a crise do capitalismo e furtar-se a uma necessária crítica da sociedade. Mas toda esta situação é ainda agravada pelo facto de muitas pessoas desejarem o regresso a uma ordem de género binária, a uma vida profissional tradicional etc., e, na sua ilusão, culparem os "genderistas", os "esquerdistas" pela destruição da família e da "ordem natural de género". Por conseguinte, não é por acaso que, por exemplo, os nazis da AfD sonham não só com um Estado fascista, mas também com uma ordem de género tradicional (ver Kemper 2018).

 

3. Conclusão

A motivação e o ponto de partida para ter em conta a dimensão histórica do fenómeno da transexualidade foi a falta de conceitos da cena queer, a "miséria no milieu queer" (Meyer 2016), por assim dizer, e a política de identidade que lhe está associada. Apesar desta mania de identidade, a cena queer considera-se particularmente radical. No entanto, esta auto-incompreensão deve ser contraditada porque, perante as exigências de uma crítica radical da sociedade capitalista-patriarcal e heterossexista, não basta seguir os imperativos de uma política de reconhecimento de facto burguesa, ou contentar-se com ela, e instalar-se em conformidade na cena. As identidades "desviantes" (bem como as não desviantes) não devem, portanto, ser simplesmente "reconhecidas" de algum modo e consolidadas, por exemplo, por várias políticas linguísticas, (43) mas devem ser consideradas na sua origem histórica e, como terá ficado claro no caso da transexualidade ou transexualismo, também necessariamente criticadas: É preciso criticar o facto de o desconforto da compulsão de género assumir a forma de um problema médico individual, abstraindo assim das circunstâncias sociais, da totalidade da sociedade da dissociação e do valor. Em tempos de crise, é de qualquer modo claramente visível a tendência para reconduzir as imposições da "segunda natureza" à própria biologia. Mas o género e o comportamento típico de género nem são algo puramente biológico, nem são algo puramente performativo ou meramente construído (por exemplo, através de actos de fala). (44) Ambas as abordagens falham o contexto social histórico-concreto e, por conseguinte, impedem (ou pelo menos enfraquecem) a crítica da violência específica de género que ganha explosividade sangrenta no decurso do "asselvajamento do patriarcado" (Scholz, 1998).

            Assim, é preciso prestar sempre atenção à mediação de uma identidade de género com a totalidade social e a sua processualidade histórica, especialmente quando se trata de planos de vida assim tão individuais e decisões assim tão livres. Limitar-se a "reconhecê-los", na demarcação dos papéis tradicionais de género, é fazer agitação ao lado do essencial e, por conseguinte, falhar qualquer crítica. (45) Isto aplica-se sobretudo àquelas pequenas identidades e sensibilidades absurdas (46) que já referi anteriormente. Se estas também insistem no "reconhecimento", então "a histórica morena terminal" (Robert Kurz), o último capítulo da política burguesa de reconhecimento começou de facto; uma política de reconhecimento que também é uma farsa, mesmo no seu estado decadente. Este "reconhecimento" equivale, em última análise e na melhor das hipóteses, a uma participação com igualdade de direitos no processo de valorização ou desvalorização do capital, bem como a uma distribuição equitativa das exigências associadas. “Democracia para todos", por assim dizer. A política de reconhecimento burguesa (de esquerda) não visa a negação teórica e prática das categorias reais capitalistas, ou seja, não recusa completamente aceitar as exigências capitalistas. Mas é exactamente uma recusa assim completa que está na agenda histórica, e constitui afinal uma necessidade para a sobrevivência do ser humano e da natureza!

 

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NOTAS

(1) Não é por acaso que Foucault só veio a dedicar-se à arqueologia oculta da modernidade, à história do disciplinamento etc., depois de se ter afastado do marxismo tradicional. No entanto, com o abandono das categorias marxianas e da reivindicação de verdade, deitou fora o bebé com a água do banho, ver Kurz 2007, 72s., assim como Gangl 2012, 127s.

(2) Por exemplo, Trotsky escreveu no Pravda de 29-30 de Setembro de 1923: "O actual arranjo de montanhas e rios, campos e prados, estepes, florestas e litorais não pode de modo nenhum ser considerado definitivo. Algumas mudanças, e não poucas, já foram introduzidas pelo ser humano na imagem da natureza; mas, em comparação com o que está para vir, estas são meras experiências estudantis (!). Se a fé apenas prometeu mover montanhas, agora a tecnologia, que não aceita nada "de boa fé", é de facto capaz de remover e substituir montanhas. [...] A vida, mesmo a puramente fisiológica, tornar-se-á uma experiência colectiva. A espécie humana será novamente submetida a uma revisão radical (!) e – sob as suas próprias mãos – tornar-se-á objecto dos mais complicados métodos de selecção (!) e treino psicofísico. [...] O ser humano fixar-se-á o objectivo de se tornar mestre dos seus próprios sentimentos, de elevar os instintos à altura da consciência, de os tornar transparentes, de colocar os fios da sua vontade no subliminar e no subterrâneo e assim subir um novo nível – de criar um tipo sócio-biológico superior, um super-homem, se se quiser“, in: Groys; Hagemeister; von der Heiden 2005, 417s. Ver também o último parágrafo do discurso de Trotsky em Copenhaga, de 1932, intitulado "Elevação da Raça Humana": "Quando acabar com as forças anárquicas da sua própria sociedade, o ser humano integrar-se-á nos laboratórios, nas retortas do químico (!). Pela primeira vez, a humanidade considerar-se-á a si mesma como matéria-prima (!) e, no melhor dos casos, como produto semi-acabado físico e psíquico (!). O socialismo significará um salto do reino da necessidade para o reino da liberdade, no sentido de que o ser humano de hoje, cheio de contradições e desarmonia, abrirá o caminho a uma nova raça mais feliz (!)." Disponível em www.marxists.org.

(3) Cf. o excelente ensaio de Monika Israel: Probleme der Frauenemanzipation im nachrevolutionären Russland [Problemas de emancipação da mulher na Rússia pós-revolucionária] (1917-28), in: Kollontai 1977, 87-188, bem como Sargent 1983 e Reuschling 2010.

(4) O mais tardar com o "Adeus ao Proletariado" (Gorz 1988) e "O Colapso da Modernização" (Kurz 1994), o marxismo tradicional, especialmente com o cunho de socialismo de Estado, perdeu finalmente substância e credibilidade. No entanto, muito antes do colapso do socialismo de caserna, já lhe tinham sido feitas críticas demolidoras. Mas, neste momento, isso não será aprofundado. Sobre a crítica de esquerda ao bolchevismo, ver Wallat 2012.

(5) O chamado multiculturalismo, que visa o reconhecimento, o "respeito" e a protecção das "culturas" (e só se tornou importante a partir dos anos 80), está também incluído na política de identidade. O multiculturalismo é muito semelhante aos seus opositores, que também partem de "culturas" que são estáticas, não se penetram umas nas outras, permanecem melhor separadas como um "etno-zoo" (Robert Kurz) e são essenciais para a "identidade" própria. Infelizmente, esta questão não pode ser mais discutida neste momento. Também não posso entrar na forma como o multiculturalismo e o etnopluralismo surgiram historicamente, uma vez que aqui se trata principalmente da política de identidade da cena queer. Cf. o ensaio (na minha opinião) muito interessante: Malik 2017, bem como Kurz 2018.

(6) Quando inicialmente os homossexuais (masculinos) adoeceram e morreram de SIDA, ninguém estava interessado nisso. Pelo contrário: em certos círculos políticos, a morte de homossexuais com SIDA foi explicitamente saudada! Assim, por exemplo, o Ministro da Cultura da Baviera, Hans Zehetmair, que afirmou no Süddeutsche Zeitung de 7 de Abril de 1987 o seguinte: "Este grupo marginal precisa de ser desbastado, porque é contra a natureza" (Zehetmair citado em Sigusch 2008, 453).

(7) Ou quase todos. Em todo o caso, entretanto, curiosidades como "eco-sexuais" (cf. Mühlbauer 2016) estão também a dar nas vistas na cena acima referida, o que soa como uma sátira maliciosa dos círculos de direita, mas na realidade é uma sátira séria.

(8) Sobre o narcisismo do sujeito burguês na pós-modernidade (tardia), ver Wissen 2017 e Späth 2014.

(9) Por exemplo, um parceiro de um casal homossexual tem de se ter alterado cirurgicamente para se tornar mulher, de modo a que o casal homossexual se torne "heterossexual". A alternativa seria a pena de morte, ver Gehlen 2014.

(10) Assim, Hirschauer menciona a sentença do Supremo Tribunal Federal com base na lei dos transsexuais de 1981 e escreve: "A operação genital pareceu assim ao Supremo Tribunal Federal, por um lado, necessária para evitar o "perigo" de um casamento homossexual, que prejudicaria a "natureza" do casamento (enquanto comunidade de sexos diferentes), por outro lado, os juízes associam à operação genital a garantia de uma execução da acção penal do §175. Com esta associação, a esclarecida jurisprudência alemã revelou face às "ferramentas do crime" uma vontade de destruição que não é de modo algum inferior à sede de sangue da jurisdição islâmica" (Hirschauer 1993, 305). No entanto, é de salientar que o §175 do Código Penal alemão nunca previu a pena de morte, ao contrário do que sucede no Irão, com a sua jurisdição verdadeiramente sanguinária.

(11) Sobre as críticas à "masculinidade militar", ver, por exemplo, Scheub 2010, Fiegl 1994, e Mosse 1997.

(12) Esta é a redacção da "Comissão para as Questões Futuras dos Estados Livres da Baviera e Saxónia" de 1997, citada em Kurz 1999, 680.

(13) Mas esta pretensão já não é assim apoiada: "Característica disto é a mudança no papel da identidade de género em comparação com os primórdios da teoria queer. Enquanto a identidade de género era anteriormente criticada como uma relação violenta entre a sociedade e o indivíduo, agora é afirmada – embora sob um novo disfarce. Assim, com identidades de género desde o agendar passando pelo enby até ao neutrois (e muitos mais), cresceu em medida respeitável uma oferta de diferentes conceitos, os quais têm a promessa de proporcionar a todos uma possibilidade de identificação, para além da binariedade de género" (Sanolas 2018, 190, destaque no original).

(14) Ver www.queerulantin.de.

(15) No entanto, para além da cena queer, são também objecto de crítica a cena anti-racista, o anti-sionismo queer, concepções como "pinkwashing", "homonacionalismus" e a política da esquerda de regular a linguagem em geral. Importa igualmente referir que, entretanto (Novembro de 2018), foram publicados mais dois volumes semelhantes, Linkerhand 2018 e Vukadinović 2018.

(16) Roswitha Scholz salientou (por exemplo, no posfácio da 2ª edição de Scholz 2011) que já tinham sido feitas críticas ao queer nos anos 90, por exemplo, na revista Beiträge zur feministischen Theorie und Praxis, bem como na revista lésbico-feminista radical Ihrsinn. Mas estas aparentemente tiveram pouco impacto ou reconhecimento, à semelhança do que aconteceu à crítica feminista da ciência ligada à Teoria Crítica (Kulke, Sheikh 1992).

(17) Também não surpreende que o pós-feminismo trivialize ou se refira afirmativamente à barbárie do islamismo. A crítica aos fundamentalismos religiosos e a crítica burguesa à religião, que gosta de falar menos do seu sexismo ou o subsume "mais longe", já foi perfeitamente tema da crítica feminista (assim em Beiträgen zur feministischen Theorie und Praxis, nº 32; assim como para o sexismo em "outros círculos culturais" ver também Benard; Schlaffer 1990). O pós-feminismo, porém, sempre evitou este tema de uma forma bem comportada. É gratificante que agora mais uma vez as vozes feministas tomem a palavra para criticar o Islão político e, ao mesmo tempo, ir além dos limites estreitos da crítica burguesa (de esquerda) da religião (Linkerhand 2018).

(18) Ulrike Janz e Marion Steffens escreveram em 1997 que o feminismo desconstrucionista e o pós-feminismo tinham sido acusados por vários lados de nas suas fileiras a violência não ser abordada ou não poder realmente ser abordada: "A incapacidade de abordar a violência estrutural e manifesta, como é o caso de Judith Butler e outras teóricas pós-feministas, é, a meu ver, o resultado directo da noção de "identidades de género" que estão constantemente a ser produzidas de novo e que são infinitamente variáveis. Esta variabilidade sugere igualmente uma alteração quase arbitrária das estruturas de cima para baixo, e a possibilidade de, a qualquer momento, se poder abandonar os papéis de vítima e de agressor. [...] Na verdade, continuo a perguntar-me se não será altura de uma formação teórica pós-pós-feminista?” Segundo eles, também não é surpreendente que o sadismo/masoquismo encontre espaço no movimento queer, "o departamento de prática da teoria pós-feminista" (Janz; Steffens 1997, 71s.). Ver também Jeffreys 1994, especialmente 106-128: "Rückkehr zum Gender – Postmodernismus und lesbische und schwule Theorie [Regresso ao género – Pós-modernismo e teoria lésbica e gay]« e 210–231: »Sadomasochismus – Der erotische Kult des Faschismus [Sadomasoquismo – O culto erótico do fascismo]«.

(19) Relacionada com a investigação da Weiß é a investigação um pouco mais antiga de Stefan Hirschauer, já mencionada anteriormente: Die soziale Konstruktion der Transsexualität, Frankfurt 1993.

(20) A psicanálise também se recusa geralmente a tratar os transexuais, ou seja, a encontrar abordagens e soluções para os conflitos de identidade transexual, utilizando métodos psicanalíticos em vez de métodos cirúrgicos e endocrinológicos, ver Becker 2013.

(21) A palavra "transexualismo" só abriu caminho na língua inglesa nos anos 50. A sua invenção em 1949 é (muitas vezes) atribuída a David O. Cauldwell (1897-1959). O termo tornou-se geralmente aceite nos anos 60 (Raymond 1994, 20).

(22) Foucault refere-se aqui aos homossexuais masculinos. Como observou Sheila Jeffreys, Foucault "não considerava de todo as lésbicas e apenas marginalmente as mulheres" (Jeffreys 1994, 33). Sobre a história da homossexualidade feminina ver Faderman 1990 e Kokula 1981.

(23) Hirschfeld também representava, no entanto, ideias eugénicas. Uma crítica que no entanto não é aqui posta em debate. Cf. Sigusch 2008, 371-387.

(24) As primeiras operações de mudança de sexo tiveram então lugar no início da década de 30 do século passado.

(25) A propósito, outro campo de aplicação dos transplantes testiculares de Steinach foi o tratamento de vítimas mutiladas da Primeira Guerra Mundial.

(26) A investigação médica actual assume que a causa da transexualidade se encontra principalmente numa influência hormonal pré-natal sobre o cérebro. Assim, os transexuais de homem para mulher teriam um cérebro "feminino" e os transexuais de mulher para homem teriam um cérebro "masculino" (Cf. Haupt 2012). Para críticas à neurobiologia em geral ver também Hasler 2012 e Zunke 2012, bem como a palestra de Christine Zunke: Frauenhirne – wie ideologischer Unsinn zur wissenschaftlichen Tatsache wird [Cérebros femininos – como o disparate ideológico se torna um facto científico] (2016), www.youtube.com/watch?v=Bk9c8eg2AAo.

(27) Hirschauer tem uma formulação semelhante: "Na medicina, o conceito de transexualidade é assim habitualmente utilizado para reivindicar a universalidade geográfica e histórica. Abetraindo do respectivo contexto social, os fenómenos de mudança de género noutras culturas e épocas são entendidos com os conceitos da sua própria cultura contemporânea e subsumidos sob "transexualidade"" (Hirschauer 1993, 67). A conclusão de Hirschauer: "O primeiro transexual não era um transexual. O sentimento de pertencer na verdade ao sexo oposto e o desejo de ter o corpo cirurgicamente corrigido surgem num contexto histórico em que os discursos legais e as perseguições policiais aos homossexuais, os conhecimentos biológicos sobre os intersexuais, o tratamento cirúrgico de outras minorias sexuais e outros discursos sexológicos também tiveram os seus efeitos" (ibid. 113s., destaque no original).

(28) Ira Basil Pauly. Psiquiatra americano.

(29) No entanto, há que salientar que a maior tolerância do comportamento atípico de género entre as raparigas, como foi explicado, não resulta de um impulso favorável às mulheres, mas, como Wagner e Linkerhand disseram, de um impulso misógino, em certa medida, de não aceitação e desvalorização: "Precisamente porque a vida quotidiana das crianças está impregnada de produção da indústria cultural, torna-se cada vez mais difícil para as raparigas ignorar bonecas e vestidos de cores suaves e ser simplesmente um traquina; tal como os rapazes dificilmente se atrevem a pegar nos brinquedos da irmã e a identificar-se como mulheres e a expor-se ao ridículo das outras crianças. O carácter misógino deste tabu revela-se no facto de a mudança de papel ser ainda menos sancionada quando uma rapariga lida com coisas de rapazes do que vice-versa: para ela – dentro de um certo quadro – o poder acompanhar os rapazes significa uma melhoria, para ele o lidar com raparigas significa uma desvalorização" (Wagner; Linkerhand 2013, 68).

(30) O mesmo é afirmado por Raymond no seu estudo (Raymond 1994, XIIIs.). No entanto, Weiß e Raymond enumeram mais razões possíveis para determinar a preponderância dos transexuais de homem para mulher: "Talvez os homens só possam realizar o seu desejo com mais frequência do que as mulheres ou tê-lo prosseguido de forma mais consistente porque as possibilidades de transformação genital estão mais desenvolvidas? Ou porque os meios de comunicação social ofereceram principalmente transexuais de homem para mulher como modelos a seguir? Ou porque os obstáculos aos diagnósticos para uma mudança para o sexo masculino privilegiado são mais elevados do que para a mudança de sexo inversa"? (Weiß, 374). Raymond também afirma que "there are more male-to-constructed-female transsexuals because men are socialized to fetishize and objectify" (Raymond, 24s., aqui: 29.).

(31) Jeffreys escreveu no contexto do feminismo lésbico: "Enquanto no passado as feministas queriam dar às mulheres a oportunidade de se orgulharem da sua feminilidade e do seu amor pelas mulheres, hoje vemos o fenómeno de que a masculinidade não só é admirada, mas que as mulheres querem acabar com a sua feminilidade de uma vez por todas, a fim de participarem no poder masculino. Se é verdade que cada vez mais mulheres se submetem a mutilações cirúrgicas só para evitar serem mulheres, devemos concluir que o esforço feminista para fazer as mulheres felizes nos seus corpos falhou" (Jeffreys 1994, 161s.).

(32) Mark Barry Sulcov: Transsexualism: Its Social Reality, Indiana University 1973.

(33) O actual biologismo ou o materialismo científico vulgar vai ao ponto de afirmar que a causa dos sem-abrigo está no cérebro, ver Patalong 2014.

(34) Uma certa "flexibilização" do discurso médico e da sua prática nos últimos anos não altera esta situação, ver Jacket 2016, que se refere a formas de pensamento na lógica da identidade nas próprias ciências. Mas não vou aprofundar esta questão.

(35) Na Alemanha, desde 2011, por decisão do Tribunal Constitucional Federal.

(36) É por isso que hoje em dia se prefere falar de "transgénero" em vez de transexualidade.

(37) Por exemplo, Weiß relata que alguns estavam inclinados a aprovar a cirurgia de mudança de sexo cirúrgico e hormonal apenas para os transexuais de homem para mulher que depois passariam por mulheres reais. Em 1975, o psicanalista e psiquiatra Robert J. Stoller (1925-1991) escreveu: "Creio que a forma mais conservadora – e humana – de proceder será limitar a 'cirurgia de mudança de sexo' aos homens mais femininos. Creio que outros especialistas podem confirmar a minha experiência de que todos estes pacientes na sociedade passam como mulheres silenciosa (!), completa e permanentemente" Stoller citado por Weiß, 297.

(38) O mesmo pode ser considerado quanto ao reconhecimento do casamento dos homossexuais. Em tempos de decadência da família burguesa, o casamento é também generalizado a sujeitos "desviantes". É claro que se trata, com razão, de um aumento da liberdade para as pessoas em questão, mas tem um travo ligeiramente amargo o facto de lhes ser agora "permitido" fazê-lo, em tempos em que a instituição do casamento e da família está, de qualquer modo, a decair e a asselvajar-se.

(39) Refiro-me aqui aos Estados centrais capitalistas na pós-modernidade. Na Arábia Saudita, por exemplo, a situação é certamente diferente, mas isso não pode ser aqui mais desenvolvido.

(40) Entretanto, um grande número dessas leis foi abolido ou deixou de ser aplicado. Em algumas áreas, porém, essas leis ainda estão a ser utilizadas. Mas as pessoas afectadas têm boas hipóteses de que tais leis sejam rejeitadas como inconstitucionais em tribunal, ver aclu.org.

(41) Isto é obviamente evidente no jardim de infância acima referido, onde o "sexo preferido" da criança deve ser assinalado pelos pais no acto de inscrição.

(42) O absurdo que a chamada auto-optimização pode assumir é demonstrado, por exemplo, pelo programador de software Rob Rhinehart, que acredita seriamente que comer é uma perda de tempo e, por conseguinte, come quase exclusivamente uma mistura em pó. Isto é rapidamente engolido e poupa, de facto, muito tempo. A propósito, a mistura em pó que agora pode ser comprada chama-se Soylent, ver https://en.wikipedia.org/wiki/Soylent_(meal_replacement).

(43) Tal como a invenção de novos pronomes pessoais. Em contextos queer, há com toda a seriedade uma forma de "rodada de apresentações" em que se argumenta sobre quem quer absolutamente ser abordado com que pronome.

(44) Por estranho que pareça, as duas posições também podem andar juntas (Voss 2011). Voß tenta fundamentar por que razão, na perspectiva actual da biologia, uma ordem de género binária já não é sustentável. A sua rejeição de uma ordem de género binária deve-se principalmente ao facto de, devido à ordem binária de género, os intersexuais terem de se submeter a operações de alinhamento de género mesmo quando são crianças pequenas, o que é doloroso e traumatizante para as pessoas afectadas. Se na realidade não houvesse dois géneros, mas mais – de acordo com a lógica do argumento – eles seriam poupados ao seu sofrimento. Tal como outros pós-estruturalistas, Voß é de opinião que na divisão das pessoas em dois géneros já foi encontrada a causa de uma hierarquização dos sexos (Cf. também Selders 2003, 65), razão pela qual a sexualidade binária biológica é um problema tão grande para Voß. Segundo ele, a biologia é apenas construída socialmente ou discursivamente. Ao mesmo tempo, porém, utiliza-a para criticar uma ordem binária de género. Para além do facto de ninguém precisar realmente de argumentos biológicos para criticar o patriarcado, a homofobia etc., algumas das suas conclusões sobre a biologia são dificilmente sustentáveis. É certamente verdade que os factores determinantes do sexo a nível genético e epigenético não estão claramente presentes nem são determináveis, mas são processos muito complexos que, na grande maioria dos casos, tornam possível a realização de um fenótipo masculino ou feminino de formas diferentes e muito complexas. Mas a razão pela qual isto deve ser utilizado como argumento contra a existência de dois sexos permanece um mistério. O facto de haver também pessoas que são fenotípicas entre os dois sexos, que têm características de ambos os sexos (os chamados intersexuais ou hermafroditas), dificilmente é um argumento, dado que 99% de todas as pessoas podem muito bem ser claramente identificadas anatomicamente como homem ou mulher. Também é certamente correcto criticar a biologia e a medicina por tentarem extrair, introduzir ou interpretar da natureza aquilo que lhe permite legitimar o sexismo ou o racismo etc. Voß, porém, questiona a biologia e a medicina de forma semelhante, apenas porque quer encontrar uma justificação biológica para uma diversidade de identidades queer e olha para a biologia em conformidade.

(45) Para evitar mal-entendidos, permitam-me que volte a esclarecer: É claro que tomo nota de que muitas pessoas do movimento LGBT não querem saber nada sobre críticas sociais radicais e exigem, de facto com razão, o reconhecimento civil e jurídico, simplesmente para poderem viver "normalmente", como qualquer outra pessoa, nesta sociedade louca, sem terem de enfrentar obstáculos absurdos por parte do Estado. O problema que vejo aqui, porém, é que uma esquerda supostamente radical está a adoptar acriticamente este ponto de vista sem o transcender, possivelmente até pela motivação de encontrar na cena do LGBTQI+ uma espécie de "substituto" do proletariado, um "sujeito revolucionário". Mas também deve ser criticado o facto de outros esquerdistas ou liberais querem redescobrir o "proletariado" em si próprios, e exigir o fim das políticas de identidade das minorias (especialmente sexuais) (porque, caso contrário, o "proletariado" escolheria os Donald Trumps deste mundo). Como se a homofobia, o racismo, o anti-semitismo ou o sexismo fossem insignificantes ou triviais (ver Scholz 2005, bem como: Dowling; van Dyk; Graefe, 2017)! Especialmente para uma análise do declínio social das classes médias e para a crítica social em geral, a crítica do racismo etc. é eminentemente importante (Cf. Scholz 2008).

(46) Assim, Koschka Linkerhand sabe [denunciar] aqueles "tímidos que formaram recentemente a sua identidade como introvertidos e exigem o reconhecimento social como tais pelo facto de não conseguirem abrir a boca no bufete" (Linkerhand 2017, 53, destaque no original).

 

 

Original Geschlecht zwischen performativer »Spielmarke« und Biologisierung – Eine Kritik spätpostmoderner Queerness und des medizinischen Diskurses um »Transsexualität« in: Revista exit! nº 16, Maio de 2019, pag. 182-214. Tradução de Boaventura Antunes

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